Gracias, Violeta! Por nos ensinar a dar gracias a la vida apesar de toda opressão e iniquidade
Nestes dias violentos e violados na sua normalidade, Violeta Parra tem sido um alento, um abraço misterioso, a solidariedade necessária para que a anima não abandone o corpo desta mulher de teatro que vos escreve.
Duas mulheres me fazem sentir o cheiro das árvores: Medeia, em todas as suas versões, a mítica ou a mais humana (revisitada por pesquisadoras como Christa Wolf), e Violeta Parra.
Mulheres árvores que pariram muitas de nós.
Nossa Violeta nasceu em 4 de outubro de 1917. Ano do início da Revolução Russa. A mocidade alegre e pobre, foi repleta de pessoas, coisas e muitas notas de músicas certamente. Toca violão desde os 9 anos. Sua mãe era costureira e se chamava Clarissa Sandoval e também cantava lindamente. Ao cumprir quinze anos, quando morre seu pai Nicanor Parra, professor de música e folclorista, deixa a mãe e se vai de Chillan para Santiago, morar com o irmão Nicanor, onde começa a sua carreira.
Nicanor lhe provocava dizendo que ela “era boa em aprender coisas” e devia estudar na Capital. Mais tarde, isso se confirma e Violeta del Carmen Parra Sandoval se torna compositora, cantora, artista plástica e ceramista, considerada a mais importante folclorista do seu país e madre da música popular chilena.
Como artista plástica, foi a primeira artista latino-americana a ter uma exposição individual no Museu do Louvre.
Com a irmã Hilda, formou a dupla “Las Hermanas Parra”. Cantando canções folclóricas, garantiam o necessário para comer e viver. Esse período, em que cantava na noite, foi importante para Violeta se firmar como cantora e começar a adquirir respeito como folclorista.
Em seu trabalho de pesquisa e resgate das canções populares chilenas, ainda na década de 1950, reuniu cerca de três mil canções tradicionais, tornando-se ponta de lança do movimento Nueva Canción. Ainda nos anos 1950, foi chamada pela gravadora Odeon para coordenar “El Folklore de Chile", uma coleção de discos. Apresentava um programa de rádio no qual cantava as suas e outras canções de sua pesquisa. Faz viagens pela Europa para apresentar seu trabalho de cantora e compositora.
Anos mais tarde, funda, já com os filhos que também iniciam carreira musical, “A Penha dos Parra”, um lugar onde se podia ouvir música, comer e tomar um bom vinho chileno.
Violeta não deixou nunca de compor. Nos melhores e piores momentos, Violeta deu voz a si e a seu povo. Violeta fez muito pela Cultura e música Chilena e Latino-americana, acompanhando os primeiros passos de nomes queridos como Victor Jara. Foi uma mulher criadora, ativa e corajosa. Uma mulher intensa em todos os sentidos. Não à toa, outras grandiosas mulheres cantaram suas canções e as levaram a outros povos, como Mercedes Sosa, Joan Baez, Elis Regina.
Suas canções correm no nosso sangue latino-americano. Seu legado é inestimável, canções como "Volver a los 17", "La lavandera" e "Gracias a la vida" fazem parte do que somos.
Ela garantiu voz aos originários destas terras. Pensar em Violeta Parra nos faz lamentar com os Mapuches e com eles todos os originários dizimados e dia a dia privados do seu direito à terra e à preservação de sua cultura, tão necessária pra que o mundo deixe de caminhar rumo ao abismo.
Violeta Parra canta como ninguém a nossa saudade. Canta a nossa indignação com a tremenda injustiça que rege nosso mundo controlado pelo capital, onde a concentração de renda massacra as populações e as condena a viver em condições degradantes. Com sua música ela nos trouxe a solidão de um deserto do Atacama.
Gracias, Violeta! Gracias! Por tudo e tanto! Gracias! Por nos ensinar a dar gracias a la vida apesar de toda opressão e iniquidade e a não baixar nossas vozes. Gracias por todo amor que deixaste.
Não quero acabar está escrita, assim como ela não acabou com um tiro aos 49 anos.
Desculpem, não posso terminar isso... Ainda é preciso nascer... Estou tentando... Estamos.
Com a ajuda do irmão de Violeta, Nicanor, que escreveu o poema “Defesa de Violeta Parra”, deixo aqui as últimas palavras dessa defesa/poema.
“Por que não te levantas dessa tumba
A cantar
A dançar
A navegar
Em teu violão?
Canta-me uma canção inesquecível
Uma canção que não termine nunca
Uma canção apenas
uma canção
É o que eu te peço.
Que te custa mulher árvore florida
Ergue-te de corpo e alma do sepulcro
E faz estalar as pedras com tua voz
Violeta Parra
Isto é o que queria te dizer
Continua tecendo teus arames
Teus ponchos araucanos
Teus cantarinhos de Quinchamalí
Continua polindo noite e dia
Teus toromiros de madeira sagrada
Sem aflição
sem lágrimas inúteis
Ou se quiseres com lágrimas ardentes
E lembra-te que és
Um cordeirinho disfarçado em pele de lobo.”
Dicas: Sua história foi contada em 2011 no filme “Violeta foi para o Céu”, do diretor Andrés Wood. É um belo filme para lembrar Violeta, deixo a dica pra quem não teve a oportunidade. Outro, de 2016, é o Curta Metragem de animação, muito sensível, que se chama “Cantar con Sentido – Una biografia de Violeta Parra” com direção de Leonardo Beltrán, direção de arte de Cecilia Toro e roteiro de Pablo Greene. De minha parte espero, junto ao Ói Nóis Aqui Traveiz, apresentar em breve “Violeta Parra - uma Atuadora!” em companhia do músico Mário Falcão.
Edição: Katia Marko