Rio Grande do Sul

Coluna

“Entre os obscuros, de mal a pior”

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Ministro Ricardo, o sinistro, não se preocupa com as queimadas, com os povos tradicionais, com a necessidade de licença ambiental para projetos de irrigação, com o uso de agrotóxicos e com tudo aquilo que possa dificultar seu empenho em acelerar as baciadas e o avanço da boiada - Foto: Vinícius Mendonça/Ibama
Precisamos eleger vereadores e prefeitos comprometidos com a saúde, o ambiente e o antifascismo

Semana interessante.

Claramente, o bolsonarismo entrou numa nova fase, mais nojenta porque agora guiada pelo “Centrão”, grupo de retidão satirizada inclusive pelo general Heleno, quando cantava a musiquinha “se gritar pega centrão, não fica um meu irmão”. Mas parece ser uma fase menos perigosa e tendente a nos afastar do golpe interno ao grupo guindado ao Planalto pelo outro golpe.

Nesta sequência, parece que estamos livres do cabo e do jipe, ou da prisão dos ministros do Supremo, recomendada por aquele outro ministro, o fujão. Nesta nova fase a perplexidade é tamanha que até Carluxo, primeiro e único vereador-federal de nossa história republicana, assumiu posição passiva e sumiu de cena.

Palmas pra juíza carioca

Também ocorreu que algumas decisões terrivelmente anticristãs, tomadas na moita por assessores presidenciais de alto nível, vêm sendo reveladas ao povão ou, pasmem, até mesmo revertidas por decisão Judicial. Destaco aqui o apoio de diplomata brasileiro ao golpe de Estado na Bolívia e as resoluções normativas do CONAMA, contra o ambiente. Estas, por causarem “evidente risco de danos irrecuperáveis ao meio ambiente”, acabaram derrubadas por decisão da Dra. Maria Amélia Senos de Carvalho, juíza da 23ª Vara do RJ. Palmas para ela.

A juíza honrou a toga e ajuda a devolver esperança de credibilidade às instituições públicas afoitamente desmoralizadas nestes imensamente longos dois anos de governo. Com a decisão da Dra. Amélia, as restingas, os manguezais e todas as redes tróficas que deles dependem, recuperam sua possibilidade de sobrevida, em que pese saibamos que o ministro Ricardo, o sinistro, continua prestigiado e não liga a mínima para relevância daqueles ecossistemas. Entende-se. Ele também não se preocupa com as queimadas, com os povos tradicionais, com a necessidade de licença ambiental para projetos de irrigação, com o uso de agrotóxicos e com tudo aquilo que possa dificultar seu empenho em acelerar as baciadas e o avanço da boiada.

É triste pensar na lamentação pública de brasileiros de sobrenome ressoante e aparente honorabilidade, acostumados a comer croissant em apartamentos parisienses (eventualmente de origem não bem explicada), relativa ao incêndio na torre da Catedral de Notre-Dame. Bela e importante obra humana, a catedral afetada foi logo defendida por todos os franceses e seu presidente, Macron, rapidamente anunciou empenho nacional em sua recuperação. Disse, e fez. Mas e no Brasil? O que pensar daqueles que aplaudiram Macron e mantêm silêncio cúmplice em relação ao que aqui ocorre, quando nossa magnífica eco-sociobiodiversidade vem sendo irresponsavelmente destruída? E isso, sem dúvida, é para sempre.

Sobre o presidente mentiroso

De outro lado, o que pensar de Lula, o operário sem dedo mindinho e ameaçado de voltar à prisão, sem provas, por conta daquele sítio do pedalinho e do apartamento que não lhe pertencem? Lula não apenas lamenta a percepção internacional do que ocorre em nosso pais, como ressalta que, na ONU, um presidente brasileiro deveria, ao invés de  mentir, se comprometer, entre outras coisas urgentes e necessárias, com “três anos de proibição total de queimadas e derrubadas, para que a natureza tenha tempo de se recuperar da destruição”, bem como em assegurar apoio e proteção aos povos indígenas que “são irmãos da natureza e guardiões do meio ambiente”.

Como interpretar tamanhas diferenças, senão levando em conta processos de deformação moral em andamento, que comprometem fundamentos básicos de ética e respeito humano? Como não pensar nas implicações da multiplicação de tais exemplos, entre as novas gerações? E o que nos caberia fazer, neste momento, para evitar o pior?

DEMOcratização dos danos dos agrotóxicos

A semana ainda permite outras reflexões, na mesma linha. Como anunciado em artigo anterior, nesta semana o STF examinaria validade da lei gaúcha dos agrotóxicos, que há 40 anos impede comercialização no RS, de venenos proibidos em seus países de origem. Para ilustrar a importância deste fato, considere-se que na água de 14 municípios gaúchos foram detectados 27 tipos de agrotóxicos, dos quais 20 (74%) estariam listados como altamente perigosos pela Pesticide Action Network e não teriam uso autorizado, na União Europeia, conforme o Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano.

Em São Paulo, onde a lei é diferente, e aquela restrição da lei gaúcha inexiste, os registros apontam os mesmos 27 tipos de agrotóxicos em 504 municípios. No Paraná, são 326, em Santa Catarina são 228 os municípios com águas contaminadas. E no Rio Grande do Sul, “apenas” 14 municípios! Muito injusto. De fato há flagrante desequilíbrio nas possibilidades de câncer, alterações hormonais, reprodutivas, genéticas, para brasileiros que bebem água abaixo e acima do rio Mampituba, e isto deve ser corrigido.

O difícil é compreender, neste ponto, as intenções dos DEMOcratas, em sua Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (Adfp) nº 221. Eles pedem, no fundo, DEMOcratização de danos, com extensão do que há de pior, para todos. Se aprovada pelo STF, aquela ADFP 221 garantirá equalização nas oportunidades do envenenamento nosso de cada dia, para os brasileiros de Norte a Sul.

Claramente, o tema exige nossa atenção e mobilização de deputados, senadores, prefeitos, ex-governadores e todos aqueles que exercem ou exerceram cargos eletivos de representação pública do povo gaúcho. Temos tempo, nesta semana o STF não examinou a questão. Mas é bom lembrar, quando esta demanda dos Demos voltar à pauta, o STF terá novo ministro, o primeiro indicado neste governo tão comprometido com a bancada Ruralista e o Centrão.

Para que este texto não ofereça apenas tristeza, vamos olhar para as oportunidades. Estamos em campanha eleitoral e disso resultarão desdobramentos correlatos a tudo que foi tratado acima. Precisamos eleger vereadores e prefeitos comprometidos com a saúde, com o ambiente, com o antifascismo e com amplo esforço nacional pela retomada da confiança, da credibilidade, da transparência e do fortalecimento das organizações públicas, com protagonismo popular. Assuma esta tarefa, faça campanha, vote e ajude outros a votarem pelo bem maior.

A mensagem final fica por conta de nosso grande poeta e cancioneiro popular, Pedro Munhoz, com seu papo reto.

Para detalhes sobre as figuras e relação de municípios com água contaminada, ver: 

https://apublica.org/2019/04/coquetel-com-27-agrotoxicos-foi-achado-na-agua-de-1-em-cada-4-municipios-consulte-o-seu/

https://portrasdoalimento.info/agrotoxico-na-agua/

 

OBS.: Depois de publicada esta coluna recebemos a notícia deste link, que será comentada na próxima semana.

* Agradeço a Naiara Bittencourt, da Terra de Direitos e a Emiliano Maldonado, da RENAP, pelo material de apoio ao texto.

Edição: Katia Marko