Foi pelo WhatsApp que a trabalhadora doméstica Ângela Maria Anselmo Leopoldino, 61 anos, fez uma descoberta que considera reveladora: os direitos humanos, assegurados pela Constituição, também foram feitos para ela. “Sempre entendi que direitos humanos eram para defender bandido. Depois da aula, percebi que é uma coisa muito bonita, vai além do que imaginava. Está dentro do trabalho, protege idosos, crianças e mim mesma”, reflete Ângela, moradora da Barra do Piraí (RJ).
O novo aprendizado chegou a ela, que é diretora do Sindicato das Trabalhadoras Domésticas de Volta Redonda, não por uma mensagem de amigo ou pelo grupo de família no zap, e sim durante o curso de Formação Domésticas com Direitos, uma capacitação online, gratuita e inédita promovida pela Themis - Gênero, Justiça e Direitos Humanos e pela Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), com apoio de Care International, Ministério Público do Trabalho e Agência Francesa de Desenvolvimento.
Assim como ela, outras 400 mulheres, entre diaristas, faxineiras, cozinheiras e cuidadoras, estão participando do curso, uma oportunidade de conhecer seus direitos, passo fundamental para o acesso à justiça. “Mesmo com a forte discriminação, o emprego doméstico é a fonte de renda de milhões de famílias e uma alternativa de autonomia econômica para mulheres, por isso é importante a categoria estar organizada, junto aos seus sindicatos, o que também será facilitado pelo curso”, explica Jéssica Miranda Pinheiro, coordenadora do projeto Mulheres, Dignidade e Trabalho, da Themis.
Para garantir que ninguém fique de fora da capacitação, as participantes recebem recarga para o celular durante todo o tempo do curso, fornecida pela Themis. O curso está dividido em 10 módulos, que vão desde direitos humanos, trabalhistas e previdenciários da categoria até sindicalismo e feminismo. Audioaulas, videoaulas, filmes, cards com resumos do conteúdo, poesias e músicas compõem o material enviado às sete turmas no WhatsApp semanalmente.
“O construtivismo foi a concepção de educação que nos permitiu partir da dimensão afetiva na construção do conhecimento, valorizando os saberes e as faltas relacionadas à desigualdade no acesso aos direitos desta categoria de trabalhadoras. Daí a escolha pela promoção de aprendizagens técnicas (informações e conceitos) e de aprendizagens dramáticas (reflexão sobre experiências práticas e estéticas, no contato com a arte)”, explica Virgínia Feix, coordenadora pedagógica do projeto.
As salas de aula virtuais até nome tem: Laudelina, Ernestina Pereira, Nila Cordeiro, Maria do Carmo, Maria de Lurdes, Aparecida da Silva e Odete Conceição As nomenclaturas fazem referência a importantes figuras defensoras dos direitos das mulheres e das trabalhadoras domésticas no Brasil. As turmas contam com monitores estudantes de Direito da UniRitter. A comunicação pode ser no grande grupo ou de modo privado. As trabalhadoras também têm acesso à Clínica de Direito do Trabalho da instituição de ensino, que oferece assessoria jurídica para suas consultas trabalhistas.
Ao final de cada módulo, há um questionário de avaliação com cinco questões objetivas com base nos ensinamentos do módulo. Mas, de acordo com Virgínia, o objetivo não é aprovar ou reprovar, e sim consolidar a aprendizagem que o próprio exercício de avaliação promove, além de possibilitar o registro da participação e a consequente certificação.
Cada mulher que concluir o curso receberá um certificado de 60h/aula da UniRitter em uma formatura online, prevista para 31 de outubro. Ângela, que comemora uma maior participação das colegas nas reuniões do sindicato em Volta Redonda após o início do curso, já tem planos para quando concluir a capacitação: “não sei não, mas acho que vou fazer uma faculdade de direitos humanos”. Não necessariamente existe uma graduação com esse nome, mas o despertar para o conhecimento, por si só, pode fazer florescer ideias e alimentar sonhos.
Edição: Marcelo Ferreira