O Conselho Municipal de Saúde de Porto Alegre repudiou as ações tomadas pela prefeitura da Capital com relação à Saúde da Família no município. Em nota publicada na sexta-feira (25), entre diversas críticas, destacou que a gestão de Nelson Marchezan Júnior (PSDB) “desconsidera o período eleitoral e as barreiras estabelecidas pelo art. 73 da Lei Eleitoral nº 9505 de 1997, quanto à transferência de trabalhadores e equipes e repasse de recursos não previstos no orçamento, caracterizando situação de fragilidade e insegurança legal”.
Na quinta-feira (24), a prefeitura iniciou a demissão de 1,3 mil trabalhadores do Instituto Municipal de Estratégia de Saúde da Família (Imesf) e anunciou a entrega de mais 61 postos de saúde para a iniciativa privada até novembro, o que motivou protestos por parte dos trabalhadores.
“A justificativa de que essa seria uma solução definitiva para a Saúde da Família é absurda, porque desconsidera as evidências de outros municípios e do país. Tais experiências demonstraram que a contratação de Organizações Sociais para a Saúde não tem qualificado o atendimento, tão pouco gerado economicidade ao longo do tempo, além de centenas de casos de desvios de recursos, como o já vivido em Porto Alegre pelo Instituto Sollus”, afirma o Conselho.
Conforme destaca a nota, a proposta de contratualização apresentada pela gestão municipal soma mais de R$ 15 milhões em repasse mensal às entidades privadas. “Comparados aos custos atuais destinados ao Imesf de R$ 7,5 milhões – esses números, por si só, deixam evidente de que o princípio da economicidade está prejudicado.” O Conselho também lembra que a medida viola uma liminar da Justiça do Trabalho, de 17 de setembro de 2020, “que determina que não haja substituição dos empregados concursados do município por terceirizados, até que haja outra decisão a respeito da matéria”.
Sindicatos promovem debate
Nesta segunda-feira (28), o Sindisaúde-RS promove um debate sobre a situação atual do IMESF, às 19h, em sua página no Facebook. Participam da live o presidente do Sindisaúde-RS, Julio Jesien, a presidenta do Sindicato dos Enfermeiros do RS (Sergs), Cláudia Franco, o ex-presidente do Sergs, Estêvão Finger, e o advogado dos sindicatos, Silvio Boff.
A seguir, confira a nota do Conselho na íntegra:
NOTA PÚBLICA SOBRE A SITUAÇÃO DA SAÚDE DA FAMÍLIA EM PORTO ALEGRE
O Conselho Municipal de Saúde de Porto Alegre (CMS/POA), órgão permanente e deliberativo do Sistema Único de Saúde (SUS), vem a público reafirmar sua posição na defesa da incorporação dos funcionários da Saúde da Família e denunciar a situação irregular da emissão de avisos prévios pelo Instituto Municipal de Saúde da Família (IMESF).
O CMS repudia o anúncio do Prefeito e do Secretário Municipal de Saúde em coletiva para a Imprensa - da entrega de mais 61 Unidades de Saúde (US) da Rede de Atenção Básica (AB) para a iniciativa privada, que somadas às 43 US já assumidas por entidades privadas correspondem a 104 US e a totalidade das Equipes de Saúde da Família (ESF). Essa proposta fere diretamente a complementaridade prevista no SUS e representa 77% da rede de AB no município, contrariando os termos estabelecidos no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), de 2007, firmado entre a Prefeitura de Porto Alegre e os Ministérios Públicos.
A justificativa de que essa seria uma solução definitiva para a Saúde da Família é absurda, porque desconsidera as evidências de outros municípios e do país. Tais experiências demonstraram que a contratação de Organizações Sociais para a Saúde não tem qualificado o atendimento, tão pouco gerado economicidade ao longo do tempo, além de centenas de casos de desvios de recursos, como o já vivido em Porto Alegre pelo Instituto Sollus.
A proposta de contratualização apresentada pela gestão municipal para execução das atividades da AB significa um volume de mais de R$ 15 milhões em repasse mensal às entidades privadas. Comparados aos custos atuais destinados ao IMESF de R$ 7,5 milhões – esses números, por si só, deixam evidente de que o princípio da economicidade está prejudicado.
A ação do gestor da Saúde de Porto Alegre viola a Decisão Liminar da Justiça do Trabalho, de 17 de setembro de 2020, em ação ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho para a execução do TAC, que determina que não haja substituição dos empregados concursados do município por terceirizados, até que haja outra decisão a respeito da matéria.
Além de descumprir a recomendação nº 07 de 2020 dos Ministérios Públicos Federal, do Trabalho e de Contas do Rio Grande do Sul, que indica a suspensão, enquanto vigente o Estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, de qualquer demissão de funcionários do IMESF ou substituição de seus serviços.
Também contraria a deliberação da Conferência Municipal de Saúde e os Pareceres nº 01, 05 e 06 da Secretaria Técnica (SETEC) do CMS/POA, que reprovaram a contratualização das entidades para a gestão da Saúde da Família da cidade, apontando irregularidades no processo e descumprimento das Leis nº 13.019 de 2014 e nº 13.204 de 2015, utilizadas como base legal para esses contratos.
Contraria, ainda, a recomendação nº 2 de 2020 do CMS/POA, que orienta, entre outras coisas, que sejam reabertas as 7 US fechadas neste ano e que não haja mais nenhum fechamento, em especial durante o período da pandemia da Covid-19. Além disso, que qualquer alteração referente à ampliação ou diminuição de equipes existentes seja apresentada para apreciação prévia do CMS/POA, conforme Lei Complementar nº 277 de 1992, conforme decisão judicial do TRF-4.
Além do mais, o município desconsidera o período eleitoral e as barreiras estabelecidas pelo art. 73 da Lei Eleitoral nº 9505 de 1997, quanto à transferência de trabalhadores e equipes e repasse de recursos não previstos no orçamento, caracterizando situação de fragilidade e insegurança legal.
O Conselho considera temerária a atitude do gestor de colocar toda a AB da capital em risco em plena crise sanitária mundial e em estado de calamidade pública. Sendo a AB responsável por mais de 80% dos atendimentos em Saúde e relacionados à COVID-19, por consequência, coloca em risco toda a saúde da população, principalmente as comunidades mais vulnerabilizadas, que são assistidas pelas ESF.
A máxima da gestão do atual mandatário da Prefeitura de “menos Estado e mais Saúde” e de, a qualquer custo, levar adiante o projeto de empresariamento da Saúde ferem frontalmente a Constituição Federal que preconiza a Saúde como dever do Estado e direito do cidadão.
A função primordial da Saúde é o cuidado das pessoas. A Saúde da Família é a estratégia prioritária para expansão e consolidação da AB, conforme a Política Nacional de Atenção Básica, reconhecida mundialmente, e não pode ser reduzida a mero quantitativo de procedimentos gerenciados por contratos e executados por terceiros.
O CMS/POA reafirma a defesa intransigente do SUS universal, público, equitativo e de qualidade, construído coletivamente com a participação da comunidade. No qual as atribuições da Atenção Básica são de relevância pública e essenciais, na medida em que deve ser a principal porta de entrada e o centro articulador do acesso dos usuários ao Sistema, além de organizadora do fluxo dos serviços e coordenadora do cuidado nas Redes de Atenção.
Edição: Marcelo Ferreira