Ocupo esta Tribuna Popular em nome do Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito, entidade da vida civil, instalado em 4 de abril de 2016, no salão de atos II da UFRGS, que reúne atualmente mais de 300 profissionais universitários de diferentes áreas de conhecimento e atuação profissional e tem como objetivos a luta em defesa da democracia e do estado democrático de direito, pelo desenvolvimento nacional autônomo com equidade social.
Agradeço ao professor Benedito Tadeu Cesar que, no exercício da coordenação geral, construiu minha indicação para esta honrosa missão.
Aceitei essa indicação porque tendo uma vida dedicada à educação sendo duas vezes Presidente do CPERS quando enfrentamos a ditadura militar e construímos o maior sindicato da América Latina, duas vezes eleito Presidente da CPB, hoje CNTE, duas vezes eleito diretor da Organização mundial dos professores, dirigente da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados quando Deputado Federal e Presidente da Subcomissão de Educação na Assembleia Nacional Constituinte em 1988, senti-me desafiado a dar minha modesta contribuição ao enfrentamento de uma situação inaceitável que é a nomeação do professor Bulhões como reitor da UFRGS. Não se trata aqui de legalidade, mas de legitimidade. Como sabemos, nem tudo o que é legal, é legítimo, até porque, no caso presente, estamos diante de uma lei com fulcro no entulho autoritário da ditadura militar. Bem nos alertou o saudoso amigo e companheiro na Câmara e na Assembleia Nacional Constituinte, o saudoso professor Florestan Fernandes de que esse entulho deveria ser removido, não se fez e hoje ainda serve a algum desatino.
A escolha de reitores para as Universidades Federais se dá via consulta à comunidade universitária. Feita a consulta nos termos da lei e do estatuto da UFRGS de forma virtual, foram votados pela ordem, em primeiro lugar o Reitor Professor Rui Vicente Oppermann, em segundo lugar a Professora Karla Maria Muller e em terceiro lugar e distante o professor Carlos André Bulhões Mendes.
Seguindo os trâmites, tal resultado foi encaminhado ao Conselho Universitário, órgão superior da Universidade composto por um colegiado de 77 membros que aprovou a consulta e organizou a lista tríplice e a encaminhou ao Ministério de Educação para, finalmente. chegar ao Presidente da República para a nomeação do Reitor, sempre na convicção de que seria respeitada, conforme tradição já firmada, de que este seria o primeiro da lista, ainda mais tendo em conta a expressiva maioria obtida pelo primeiro colocado o Professor Rui Oppermann. Num total de 77 membros do Conselho Universitário, o Professor Oppermann obteve 45 votos, a Professora Karla Maria 29 votos e o Prof. Bulhões 3….3 votos. (veja abaixo o vídeo com a íntegra do pronunciamento de Hermes Zaneti)
Como o Presidente da República tem, costumeiramente, afirmado sua legitimidade por ter obtido mais de 50 milhões de votos na eleição presidencial, seria razoável pensar que valorizaria quem tem votos e goza da admiração e prestígio comprovados na avaliação eleitoral a que se submeteu. Mas não, escolheu quem não tem votos, e daí a questão da legitimidade que castra a autonomia, senão vejamos. Em Zero Hora de ontem, em longa entrevista de página inteira o escolhido do Planalto afirma que assim que for a Brasília agradecerá ao Ministro da Educação e, se tiver oportunidade, ao Presidente da República, por ter sido o escolhido. O problema é que isso mostra o sentimento de servir a quem deve o favor da nomeação e não o de lutar pela autonomia da Universidade. Isto ficou claro quando o mesmo ungido pelo poder central, em entrevista ao Programa Bom Dia Rio Grande, na RBS/TV, em 18/9, disse que” pouco do recurso público será destinado aos programas sociais, no que eu concordo e que vai se tornar mais difícil o acesso à verba pública”. Tenhamos em mente que no orçamento para 2021 a UFRGS já terá uma redução de 16% sobre o orçamento de 2020. Sem legitimidade, como fará para mobilizar a universidade na busca de verbas necessárias à manutenção da excelência dos trabalhos que a universidade vem desenvolvendo e que a credencia em alto conceito na comunidade nacional e internacional, a ponto de ser avaliada, pelo próprio MEC, como a melhor Universidade Pública do Brasil, consecutivamente, nos últimos 8 anos.
Há um ponto, senhoras e senhores vereadores, da mais alta gravidade. Tentando desconstruir um trabalho sério que a universidade vem desenvolvendo na área de ensino, pesquisa e extensão, com 45.000 pessoas, sendo 27.400 alunos de graduação, 12.500 alunos de pós-graduação, mais de 2.900 docentes, 91% deles com doutorado, 2.500 técnico-administrativos, com atividades de extensão comunitárias alcançando 50.700 pessoas, é o de ser acusada de esquerdismo, de alinhamento político partidário, de alinhamento ideológico. Essa acusação é sim para justificar a implantação de um viés ideológico pretendido pelo senhor Presidente da República, em afirmações reiteradas pelo ex-ministro da educação e nunca desmentidas pelo atual .
Escrevemos no artigo 207 da Constituição Federal que “As Universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial..”. Esse princípio Constitucional está sendo desrespeitado, agredido, porque um reitor sem legitimidade não consegue mobilizar a comunidade na defesa desses princípios.
Tomemos como exemplo sua afirmação de que os recursos escassos devem priorizar os programas sociais e que ele apoia isso. Não há que se cogitar de fazer escolha entre essas duas opções. A luta da Universidade deve ser a de construir uma sociedade mais justa, mais igualitária, libertando-a da escravidão do rentismo, da escandalosa dívida pública que, segundo o próprio Presidente, consome mais de 1 bilhão de reais por dia, só de juros, sendo mais de 3 bilhões diários se considerarmos juros e encargos.
Senhores vereadores e senhoras vereadoras, eu os conclamo a uma luta séria e dura, mas necessária à defesa do grande serviço que a UFRGS tem prestado ao município cujo povo a Câmara aqui representa. Defender a nomeação do primeiro colocado na lista votada na Comunidade Universitária, professor Rui Vicente Oppermann, é defender o valor do voto, é defender a democracia, é defender um trabalho que vem sendo feito com qualidade, numa universidade plural, crítica, competente, que tem orgulhado Porto Alegre, o Rio Grande e o Brasil. O prestígio de nossa universidade é um cartão de apresentação para Porto Alegre e para o Rio Grande. Não podemos deixar que a comprometam.
(*) Advogado, professor, ex-presidente do CPERS, ex-deputado federal constituinte.
Edição: Sul 21