Rio Grande do Sul

EDUCAÇÃO

Prefeitura de Porto Alegre propõe aulas presenciais em desacordo com regra estadual

MP-RS recomendou que município não autorize retorno; educadores criticam falta de diálogo com a comunidade escolar

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Presidentes de 65 conselhos escolares da rede municipal de ensino assinaram manifesto contrário à proposta - Igor Sperotto

A Prefeitura de Porto Alegre pretende que o retorno das atividades presenciais nas redes municipais pública e privada de ensino inicie de forma escalonada já na próxima segunda-feira (28). Além de criticada por educadores e entidades, a proposta não leva em consideração uma recomendação feita pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) no dia 17 de setembro. Nela, é solicitado que o município se abstenha de autorizar o retorno em “desconformidade com os termos dos decretos estaduais e portarias relacionados ao sistema de distanciamento controlado para prevenção do contágio da covid-19”.

Nesta quarta-feira (23), porém, o governo de Marchezan Junior encaminhou ao governo estadual o detalhamento do cronograma e dos protocolos para a retomada, após reunião entre as secretarias estaduais e municipais de Saúde e Educação e a Procuradoria Geral do Município (PGM). No dia 28 de setembro retornaria a alimentação, atividades de apoio e adaptação da educação infantil. As aulas das escolas de Educação Infantil, do 3º ano do ensino médio, educação profissional e Educação de Jovens e Adultos (EJA) retornariam no dia 5 de outubro. A partir de 13 do mesmo mês, fica autorizada a alimentação em todas as escolas, além de atividades de apoio. Já a data prevista para retorno do ensino fundamental 1 e educação especial é 19 de outubro. Por fim, retornaria no dia 3 de novembro o ensino fundamental 2, ensino especial e 1º e 2º anos do ensino médio.

Com relação aos protocolos sanitários, está o distanciamento mínimo de 1,5m entre as pessoas para escolas de ensino fundamental e médio; evitar contato entre as turmas com escalas para intervalos, uso de refeitório, entrada e saída, entre outras áreas comuns; limite de uma pessoa por vez em espaços de convivência, como sala dos professores, salas de descanso; evitar a presença de pais, cuidadores e outros visitantes no interior da escola; uso de máscara obrigatória a partir do ensino fundamental 2 e higiene dos ambientes.

Marchezan quer autorizar aulas na bandeira vermelha

A regra estadual, porém, permite que somente municípios que estejam há, pelo menos, duas semanas sob bandeira laranja ou amarela. Porto Alegre, classificada há várias semanas como região de alto risco epidemiológico no modelo de combate à covid-19 adotado pelo governo estadual, não cumpre esse requisito, motivo da recomendação do MP-RS. Conforme a promotora de Justiça Danielle Bolzan Teixeira, a medida tem caráter preventivo, visa a proteção integral das crianças e dos adolescentes e evitar eventuais demandas judiciais de responsabilização.

A promotora também recomendou, entre outros pontos, a criação de Centro de Operação de Emergência em Saúde para a Educação (COE-E) no municipal, que fique com a responsabilidade de determinar e avaliar o cumprimento dos protocolos sanitários. Esta é outra recomendação também não observada pelo Executivo, que articulou os protocolos a através do seu Comitê de Enfrentamento ao Coronavírus.

Contrária à proposta da prefeitura, a Associação dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Educação do Município de Porto Alegre (Atempa) avalia que as escolas devem permanecer fechadas. Segundo Maria José da Silva, diretora geral da Atempa, os trabalhadores tiraram um indicativo de greve sanitária, pois a cidade não apresenta índices seguros de contaminação e óbitos por covid-19.

Educadores sinalizam greve sanitária

“Estamos trabalhando com conceito de greve sanitária”, afirma. “Não é um debate corporativo, estamos tratando de saúde pública. Não existe testagem de fato, estamos dialogando com pessoas que trabalham na pesquisa, tivemos uma live com o reitor da UFPel, Pedro Hallal, e ele disse que não temos condições de abrir. Os protocolos precisam iniciar pela testagem. O prefeito e o secretário dizem que não queremos trabalhar, não é isso, temos provocado o diálogo e conversado com a população, fizemos várias sondagens nas comunidades e a população não está preparada e não quer enviar seus filhos para a escola.”

Maria José ressalta o perigo do retorno das aulas levarem a um aumento nos casos de covid-19 na cidade, já que muitas das escolas municipais encontram-se em comunidades que convivem com a precariedade. “Criança não apresenta sintomas, pode levar o vírus para a família, que pode ter alguém do grupo de risco. Nossos alunos vivem em comunidades mais vulneráveis, com famílias numerosas, vivendo com dificuldades de organização, poucas condições de espaço físico, questões importantes para prevenir e combater o vírus.”

Para a diretora da Atempa, o Executivo não leva a educação como uma prioridade. “Depois de longo período de silêncio, o governo lançou a plataforma Cortex para atender parte dos alunos. Mas ela não é pedagógica, as escolas estão mandando atividades no contato com alunos, como já acontecia anteriormente através de outras plataformas”, afirma. E questiona também a questão do acesso: “O governo anunciou a gratuidade dos dados, mesmo assim boa parte dos alunos não acessa por questão de equipamento, pela família ter apenas um aparelho celular”.

Conselhos Escolares criticam proposta

Soma-se à posição da Atempa um manifesto assinado por presidentes de 65 conselhos escolares da rede municipal de ensino. O documento traz as questões apontadas por Maria José e também o fato do município estar sob bandeira vermelha no distanciamento controlado, como apontou o MP-RS. Traz ainda questionamentos como: precariedade estrutural das escolas municipais; salas que não garantem um distanciamento mínimo para os estudantes e trabalhadores; poucos trabalhadores de limpeza; falta de um levantamento de quantos professores e professoras são de grupo de risco; falta de diálogo com a comunidade.

A seguir, o manifesto traz quatro decisões dos conselheiros:

1) Nos colocarmos a favor do retorno às aulas presenciais desde que todas as questões de segurança sanitária e saúde pública sejam atendidas e garantam a vida de crianças, jovens, seus familiares e profissionais envolvidos com o funcionamento das escolas;

2) Nos colocarmos contrários ao calendário proposto pela Prefeitura e a secretaria de Educação sem nenhum diálogo e garantias mínimas previamente discutidas;

3) Não seremos responsabilizados pela perda de vidas ou consequências para a saúde de nossas comunidades e perguntamos: o prefeito e o secretário se responsabilizam por nossas vidas ou graves consequências à saúde causadas pela covid-19?

4) Solicitarmos que seja feita uma audiência presencial com todos os protocolos de segurança atendidos com o prefeito e o secretário de Educação junto com os Conselhos Escolares, acompanhada pela promotoria de infância e juventude, Conselho Municipal de Educação, membros da Comissão de Educação da Câmara de Vereadores, dos Conselhos Tutelares, da Atempa, do Simpa, além de representantes da área de saúde para discutir sobre a viabilidade de um retorno às aulas presenciais de forma segura a fim de iniciar um diálogo sobre o tema.

O que diz a gestão municipal

A reportagem do Brasil de Fato RS contatou a Secretaria Municipal de Educação (Smed) questionando a posição do município frente à recomendação do MP-RS e aos questionamentos dos educadores. A Smed critica o sistema de bandeiras adotado pelo governo estadual e afirma que a cidade já teria condições de um retorno seguro das atividades escolares presenciais. Confira a resposta:

"A Secretaria Municipal de Saúde afirma que os indicadores do método de bandeiras possuem dificuldade de aplicação em um município com o tamanho de Porto Alegre, referência para atendimento de todo o Estado. Pelos parâmetros estabelecidos, a Capital chega, com muita dificuldade, à bandeira laranja, e somente porque em 31 de agosto o escore de 1,50 foi passado, na 6ª revisão do protocolo, de vermelho para laranja. Para o reinício das aulas, o regramento estadual exige duas semanas em sequência em laranja. Tal condição pode inviabilizar o acesso ao ensino ainda em 2020 para crianças que há mais de seis meses estão sem o contato presencial com o professor – ou, ainda pior, deixar Porto Alegre sujeita à suspensão de eventual retorno, o que significaria uma perda irrecuperável para todo o sistema educacional do município. Com relação à situação epidemiológica, a ocupação dos leitos de UTIs e enfermarias vem caindo, o número de casos confirmados diários também registram queda, além da redução de atendimentos por síndromes gripais nas unidades de saúde e tendas. A análise técnica permite afirmar que a Capital tem condições de retornar às aulas com segurança levando em conta a necessidade dos alunos de retomarem as atividades presenciais – especialmente os da educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental, que não se beneficiam muito de atividades remotas, e do ensino profissionalizante e EJA, necessário para que trabalhadores e jovens consigam emprego em meio à retomada das atividades econômicas."

Edição: Katia Marko