Rio Grande do Sul

PRIVATIZAÇÃO

Governo do RS avança com venda da CEEE em meio a tentativas de reverter processo

Entidades apoiam ação no STF que contesta fim do plebiscito para privatização; audiência debate impactos nesta quinta

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Movimentos populares e oposição afirmam que venda vai gerar alta nas tarifas e queda na qualidade do serviço - foto Fernando Vieira/CEEE

Trabalhadores, movimentos sociais, sindicatos e partidos de oposição seguem trabalhando na tentativa de reverter o processo de privatização da Companhia Estadual de Distribuição de Energia Elétrica (CEEE). Novas movimentações e debates colocam o tema em evidência novamente nesta semana. Entre as críticas à entrega da empresa pública gaúcha à iniciativa privada promovida pelo governador Eduardo Leite (PSDB) estão argumentos como o encarecimento da tarifa, queda na qualidade do serviço prestado, demissões e perda da capacidade de crescimento do estado.

O governo estadual continua na articulação da privatização da CEEE, após conseguir a aprovação da retirada da necessidade de realização de plebiscito para a venda da empresa e também da CRM e Sulgás, em 2019. Na semana passada, publicou no Diário Oficial do Estado (DOE) um aviso de abertura de data room, uma sala de informações do processo de desestatização da estrutura de distribuição (CEEE-D) exclusiva para investidores interessados no negócio.

A CEEE foi dividida em duas partes para sua venda: a CEEE-D e os braços de geração e transmissão. O leilão da distribuição estava previsto para ocorrer ainda em 2020, mas deve ficar para janeiro de 2021. Conforme o governo, devido a dificuldades impostas pela pandemia. Já a geração e transmissão está prevista para ir à venda em maio de 2021.

Entidades questionam fim do plebiscito no STF

A fim de barrar o processo, o Sindicato dos Engenheiros do Estado do Rio Grande do Sul (Senge/RS) e a Federação Nacional dos Engenheiros (FNE) ingressaram no Superior Tribunal Federal (STF) com dois pedidos de admissão como “Amici Curiae” em Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) que questionam a retirada na necessidade do plebiscito para a privatização das empresas públicas. Nesta segunda-feira (21), ingressaram na ADI movida pelo PDT e, no dia 11 de setembro, na ADI movida pelos partidos PT, PSOL e PCdoB.

A ADI 6.325, ajuizada pelo PDT, também questiona a autorização dada pela Assembleia Legislativa, através da Emenda Constitucional nº 77/2019, para a formação de monopólios privados no setor de energia elétrica do estado. Conforme destaca o sindicato, isso consiste em afronta à Constituição Estadual de 1989 e à Constituição Federal de 1988, que vedam tal prática.

Nesta petição, apresentada ao ministro do STF Luís Roberto Barroso, Senge e FNE manifestam que, além de contribuir com as alegações apresentadas pelos autores da ADI, as entidades “demonstrarão que não houve alteração do contexto social para que o legislador atual retirasse o instrumento de participação democrática do texto constitucional” e que apresentarão elementos de que a representatividade dos votos válidos na última eleição em relação àqueles que inseriram o plebiscito, não configuraria vontade da maioria popular, mas sim de uma minoria, em franco desrespeito ao Estado de Direito”.

Debates e audiência pública

A fim de debater os prejuízos da possível privatização e os passivos do grupo CEEE, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul promove uma audiência pública virtual, nesta quinta-feira (24), às 9h30. Proposta pelos deputados petistas Jeferson Fernandes e Edegar Pretto, será transmitida pela TV Assembleia e pela página no Facebook da Comissão de Segurança e Serviços Públicos.


Debate realizado pelo MAB precede audiência pública desta quinta-feira / Reprodução

Em live promovida pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e transmitida pelo Brasil de Fato RS e pela Rede Soberania na terça-feira (22), Edegar Pretto destacou que esta audiência pública é uma tentativa de compreender melhor o processo que ocorre “em silêncio e obscurantismo”. “É irresponsável prosseguir com a privatização, em tempos como agora, em que os ativos estão desvalorizados, não se coloca às claras nem o calendário, nem o processo, nem o preço e qual modalidade o governo pretende estabelecer nesta venda.”

O deputado recordou que a necessidade de plebiscito para a privatização das empresas públicas foi aprovada em 2002 e colocada na Constituição Estadual, a fim de evitar traumas como a venda de parte da CEEE realizada pelo então governador Antônio Britto. “Em 1996, na época do MDB, perdemos dois terços da receita da CEEE e herdamos 88% dos passivos trabalhistas quando a CEEE foi dilapidada, e o ‘filé mignon’ foi repassado para a iniciativa privada. Hoje não se tem portas onde se possa reivindicar, tudo é atendimento online com robôs. Por isso em 2002 foi colocada essa emenda na Constituição, aprovada por unanimidade na Assembleia legislativa”.

A secretária estadual de Meio Ambiente da Central Única dos Trabalhadores (CUT-RS), Eleandra Raquel da Silva Koch, lembrou que o processo de “esquartejamento” anterior levou a uma desestruturação do trabalho, aumento da terceirização e consequente crescimento de acidentes de trabalho. Para ela, defender a CEEE pública é estratégico para o desenvolvimento do estado.

“A gente não fala só de empregos diretos e indiretos. A CEEE abrange uma cadeia produtiva que estrutura a economia gaúcha. Não é a toa que Brizola estatizou e CEEE, ela teve papel fundamental na industrialização do estado. Quando a gente fala do ponto de vista de geração de renda, são indiretos e diretos e também uma enorme cadeia produtiva que é sustentada por esse papel estratégico que essa companhia tem ao longo do tempo”, destacou Eleandra.

Ela recordou ainda um estudo realizado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) em 2019, que apontou no processo de privatização de década de 1990 a perda de 50 mil empregos diretos. Destacou ainda a precarização “que leva a uma queda dos serviços e destruição do serviço público, parecido com o que a gente vive no governo Bolsonaro, fazendo um gancho, que traz a reforma administrativa e tenta desmoralizar e sucatear o serviço público".

Pela coordenação nacional do MAB, Leonardo Maggi exemplificou a queda na qualidade dos serviços com a privatização. “Agora mesmo, nesses últimos eventos climáticos, vendavais, nós da região do Alto Uruguai, nossos produtores de leite atendidos pela RGE chegaram a ficar 15 dias sem luz, perderam toda a produção de leite. Produtores de aves e suínos tiveram fortes prejuízos porque a companhia da região, que era da CEEE e foi privatizada, simplesmente não dava o interesse majoritário, sucateia suas equipes, o atendimento piora significativamente.”

“São três hidrelétricas mais lucrativas, a gente ouve tanto falar que a CEEE da prejuízo, esse governo quer vender um dos setores que mais dá lucro, que sustenta a empresa. Um gesto sem dúvidas injustificável desse governo com consequências irreversíveis para um estado já com sérias dificuldades”, avaliou Leonardo. Ele também citou um estudo realizado pelo MAB que conclui, como resultado da venda, um grande aumento da tarifa aos consumidores.

O dirigente vê com preocupação o “gesto criminoso” do governo em um período onde a população luta para ficar viva. “O MAB vê com indignação e sentimento de revolta, dado o grau de oportunismo desse governo de abrir venda desse patrimônio num ambiente onde nós lutamos para nos proteger e temos que fazer essa luta virtual, diferente daquelas que a gente costuma fazer, já que além de defender a CEEE temos que nos proteger”, afirmou.

Assista ao debate do MAB

Edição: Katia Marko