Esse seria um ato simples e insignificante não fosse a enorme carga moral que é colocada sobre ele
Já em 1923 Wilhelm Reich afirmava que a perturbação da função genital era o mais importante sintoma das neuroses. Essa afirmação não era apenas um palpite. Era fruto de um trabalho de investigação clínica a respeito do funcionamento genital concreto de seus pacientes. Além disso, do acesso aos conflitos sexuais de mais de duzentos pacientes atendidos na Policlínica Psicanalítica de Viena por meio de entrevistas e casos gravados. Assim Reich descobriu que não havia sequer um neurótico que não possuísse perturbações em sua função sexual.
As práticas de masturbação – isto é, a maneira como alguém estimula seu genital (com as mãos? Com objetos? Que objetos? Com que velocidade? Com que frequência?), as fantasias que acompanham essa estimulação, o fato de alguém chegar ou não ao clímax e as sensações que experimenta durante e após o ato – mostraram ser um rico caminho para adentrar os conflitos sexuais das pessoas e para entender a maneira como estas manejam a sua energia corporal e como lidam com o prazer. Então, em 1922, Reich publica um artigo chamado “A especificidade das formas de masturbação”. Neste texto ele escreve que “em nenhum paciente sequer a masturbação era acompanhada pela fantasia de experimentar prazer em um ato sexual”.
Alguns pacientes homens espremiam seus genitais entre as coxas e imaginavam estar sendo surrados ou torturados. Outros fantasiavam que seus pênis eram armas que perfuravam seus parceiros. Algumas mulheres tinham a fantasia de estar sendo violadas e utilizavam objetos pontiagudos para estimular seu genital. Podiam também ter a fantasia de que suas vaginas tinham dentes que iriam arrancar o pênis de seus parceiros. Outras mulheres sequer se masturbavam e não ousavam colocar a mão nos genitais, exceto para a rotina de higiene.
Reich viveu em uma época em que predominava a concepção de que a masturbação era uma prática nociva que deveria ser erradicada entre as crianças e jovens. Era comum que as crianças fossem ameaçadas de ter suas mãos ou genitais arrancados, ou advertidas de que o ato da masturbação acarretaria doenças como sífilis e tuberculose, ou de que as levaria para o inferno. Essa atitude negativa a respeito da autossatisfação acompanhava o contexto mais geral da repressão da sexualidade.
Ainda hoje é possível observarmos que a neurose anda de mãos dadas com a repressão sexual e com a impossibilidade de obter satisfação genital. Ainda hoje as pessoas se sentem envergonhadas e culpadas ao se masturbarem, ou o fazem compulsivamente, como resposta a frustrações ou como descarga da emoção de raiva, por exemplo. A masturbação adquire muitas funções, exceto aquela mais simples e natural: a de oferecer uma descarga prazerosa da tensão corporal. Além do mais, cresce atualmente em nosso país as concepções conservadoras que defendem a prática de abstinência sexual para a juventude, que condenam a masturbação.
Reich escreveu um bocado a respeito desse ato, que seria tão simples e insignificante não fosse a enorme carga moral que é colocada sobre ele. Para Reich, essa prática, em um contexto saudável de desenvolvimento psicossexual, representaria uma transição da sexualidade infantil para a maturidade sexual – fase em que a satisfação seria obtida diretamente pela relação sexual e a masturbação deixaria de ser tão interessante. Então, antes de discutirmos se ela é ou não um ato saudável, seria, para ele, uma questão cientificamente mais rica se pudéssemos discriminar as circunstâncias em que ela é saudável ou não.
A masturbação começa na infância, como uma arranhadela ou fricção no genital para aliviar uma sensação de comichão. A criança leva as mãos ao genital quase por acaso, para aplacar a sensação de tensão no órgão, e aos poucos descobre que esse ato gera prazer. Assim ela vai aprendendo a se masturbar e passa a repetir voluntariamente o processo.
Podemos ver que a masturbação tem a princípio a função de aliviar uma tensão corporal e repousa portanto sobre causas naturais. Por outro lado, durante a maturidade sexual, após a puberdade, a satisfação sexual que acontece somente pela masturbação estaria condicionada socialmente, dada a impossibilidade de os jovens terem relações sexuais – o que ocorre devido a timidez, falta de um local adequado para viver a intimidade, medo provocado por uma atitude antissexual de seus cuidadores, proibições explícitas dos pais, etc.
A masturbação pode adquirir contornos prejudiciais também quando é usada para refrear o impulso dos jovens de buscar parceiros com quem possam se relacionar sexualmente de forma prazerosa. Na vida adulta, a masturbação como única forma de descarga pode ter o mesmo efeito.
Se às crianças é permitida a masturbação – se elas crescem em um ambiente que lida de forma afirmativa e espontânea com a sexualidade – esta se desenvolverá naturalmente. No caso de ela ser proibida, mal vista, punida em casa ou em sermões que podem ocorrer em ambientes religiosos ou na escola, por exemplo, passará a despertar sentimentos de culpa, ansiedade, medo e arrependimento. As crianças e jovens tentarão reprimir seus impulsos, ou se masturbarão com pressa. Assim começarão a surgir as perturbações corporais verdadeiramente prejudiciais, que impedirão o desenvolvimento saudável da excitação sexual.
Reich pôde observar em seus pacientes adultos os efeitos negativos da proibição da masturbação, que é uma das primeiras formas de repressão do desenvolvimento natural da sexualidade. Além disso, não podemos esquecer que a atitude negativa dos adultos diante das manifestações da sexualidade infantil (brincadeiras sexuais entre crianças, curiosidade a respeito e seus próprios genitais ou dos genitais dos adultos, esfregar seus genitais em objetos ou tocar os genitais), o alarde, as lições de moral, etc., provém do fato de as manifestações espontâneas das crianças e jovens ameaçarem seus próprios recalques sexuais.
Descrição da imagem: Trata-se de uma pintura. Ao centro uma grande rosa de cor salmão, com o centro vermelho. Duas mãos femininas, de uma mesma pessoa, interagem com essa flor como se esta fosse uma vulva. Uma das mãos introduz os dedos indicador e médio no centro da flor. A outra mão segura as pétalas acima desse centro, como se fosse um clitóris. As unhas estão com o esmalte vermelho descascando. No dedo anelar de uma das mãos há um coração flexado tatuado. Em volta desta cena há flores azuis acima e borboletas azul abaixo.
Edição: Katia Marko