Esta semana o Coletivo Catarse nos apresentou motivos para articulação e animação cívica
Hoje é 11 de setembro. Dia do assassinato de Salvador Allende, que trouxe o inferno para a terra chilena. Também é data da queda das Torres Gêmeas, em Nova Iorque, tragédia que deu base à era das “guerras preventivas”, das guerras do país mais rico “contra o terror” dos países pobres.
A partir dali, avançaram processos tão inéditos de criminalização que agora, o povo que tentar construir uma nação soberana, em qualquer parte do mundo, viverá sob ameaças de bombas. Os mecanismos usados para o mal se aprimoraram, e agora são aplicados também no varejo, por interesses transnacionais. Em 2013 manifestações de rua por passagens de ônibus, nos trouxeram a guerra híbrida, o golpe de 2016, a prisão de Lula e a eleição de Bolsonaro.
“No tocante a isso aí, e daí? Pô!”, diria ele que desde então estimula o avanço de todas as mortes. Ecocídios, genocídios, servidores públicos formados em direito iniciando caça intimidatória a advogados e tratando de fragilizar a própria OAB; Deltan Dallagnol, que o mundo conhece como elemento de destaque nas ações de desmoralização da Procuradoria Federal da República, se vê ameaçado de punição surpreendente. Caracterizados os desvios de conduta, ele talvez seja proibido de receber promoções e premiações funcionais, por um ano. E nada mais.
E nós, os expectadores? Bom, enquanto os preços do arroz e do feijão vão às nuvens, o salário mínimo é corrigido para menos do que a inflação e parece que teremos que acreditar nos benefícios da água com farinha de mandioca, para fortalecimento de imunidade à covid-19. Aliás, a mais promissora das quatro vacinas em teste, aquela em que o governo vinha apostando tudo, crente que ela garantiria o sucesso curativo das milhões de pílulas de cloroquina, corre riscos. Enquanto isso, o pantanal queima como nunca na história deste país e os desastres ambientais nos ameaçam com novas zoonoses e pandemias.
Felizmente esta semana o Coletivo Catarse (CC) nos apresentou motivos para articulação e animação cívica, em defesa de nosso pedacinho da história e em favor de novos tempos para o país. O que me reascendeu este otimismo, foi ter participado de um programa Heavy Hour, e visitar todos os demais, no site do CC sobre ameaças de mineração no Pampa.
Estou seguro de que os gaúchos que acessarem os links terão muito a ganhar com isso, e daí veio motivação para este texto.
Os que escutarem irão ver que não há margem para dúvidas: estamos comprometidos com o futuro do RS e muito temos a fazer, hoje, contribuindo diretamente nesta luta ou pelo menos apoiando quem a faz. Os caminhos e as informações estão todos ali, acompanhados de boas análises e ótimas músicas.
Para motivação, reproduzo a seguir parte dos conteúdos debatidos nesta quinta-feira, em atividade iluminada pelas falas de Luna Carvalho, Bruno Pedrotti, Marcelo Cougo e Gustavo Türk.
Eles explicam como e porque, após o avanço dos eucaliptos e da soja, o Pampa se vê ameaçado por um projeto anti-vida, que conta com apoio de governos e deputados de quem não presta falar o nome. Aliás, foi também numa semana destas, e contra males menores, que o general Antônio de Sousa Neto proclamou a República Riograndense, em 11 de setembro de 1836. Perdemos aquela guerra e o massacre dos porongos nos deixou com este travo de vergonha, com esta sensação de que somos liderados por covardes que não hesitam em sacrificar gerações.
Pois bem, com a mineração aquele passado volta a nos assombrar. Na região de Lavras e Camaquã, terras ruqosas, rasas e pedregosas, a que o latifúndio pecuarista não atribuía grande valor, o imaginário gaúcho vinha sendo preservado. Ali, onde o agronegócio não conseguiu entrar com suas máquinas e venenos, vivem pecuaristas familiares, quilombolas, e outras comunidades tradicionais ameaçadas agora pela “fronteira da extração mineral”.
Aqueles gaúchos subsistem em sistema de verdadeira simbiose com um ecossistema até aqui considerado de pouca serventia. São modos de vida culturalmente relevantes, com suas crenças, seus mitos, suas músicas, suas profissões. Alambradores, domadores, tosquiadores, benzedeiras, pecuaristas e campeiros que remontam à experiência ancestral de adaptação do homem ao Pampa. Excluídos e esquecidos até que o governo Lula, em 2006, reconheceu a ampla categoria de agricultores familiares (LEI Nº 11.326, DE 24 DE JULHO DE 2006), dando início a políticas públicas em seu favor, se defrontam agora com isso.
Mario Quintana talvez acreditasse de fato que os poderosos podem tudo no Pampa onde “quem não é fazendeiro, é boi”. Mas ele estava errado. Há um limite. Os sem terra e com pouca terra sabem disso, são muitos e estão organizando suas ações contra a loucura da mineração no Pampa. E precisam de ajuda porque a luta é muito desigual.
Luna e Bruno explicam isso, que também se evidencia nos documentos organizados pelo Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa, bem como nas ações de tantas outras organizações populares que não se curvam ao drama. A luta é desigual e talvez a mineração tenda a avançar porque os gaúchos vêm se tornando cada ano mais acomodados na omissão e porque ali a verdade não está em consideração. A partir de ações planejadas e executadas em conformidade com os preceitos das guerras híbridas, há mais de meia década, agentes interessados na destruição do Pampa e das comunidades que ali vivem, vêm desenvolvendo suas estratégias. Táticas de comunicação, cooptação e ilusionismo.
Trabalhando de forma macia, constroem aos poucos uma noção, entre membros das comunidades locais, que “o mal é bom, e o bem pior”. Vendem ilusões com pílulas adocicadas, ajudando na pintura de muros, distribuindo bolas e camisetas, financiando programas de rádio, patrocinando churrascos e gineteadas... Estão cevando num povo generoso a ideia de que ali houve um passado rico, que era “bom pra todos” e pode ser revisitado. Com o testemunho dos casarões e da mitologia de riquezas perdidas, tratam de construir uma espécie de orgulho pátrio por um passado que nunca houve.
Os habitantes daquelas regiões são descendentes de povos que animam um território marginalizado porque também padece de preconceito e verdadeiro racismo ambiental. Uma terra de esquecidos, cuja exploração e sacrifício os poderosos decidiram que será recuperada com a esterilização do solo, a contaminação das águas, da instalação de uma realidade que se constata em todos os locais dependentes da mineração. Vai ser permitido? A realidade das árvores cobertas de pó de carvão se estenderá aos pulmões das crianças, antecipando a morte dos idosos no Pampa?
Mas há quem acredite que disso virão melhoras e desprezam o fato de que barragens de rejeito, se rompidas, atingirão o rio Santa Maria, Don Pedrito e Rosário do Sul. E daí, Pô?
Os links do CC mostram que é falso o discurso de extrativismo sustentável, expondo a maldade de quem trabalha em favor da degradação e miséria dos outros. Mostram que estão errados aqueles que confiam na impunidade, ou de punições tão fakes como aquela do Deltan. Se entende. São parecidos, na disposição e no descompromisso com a verdade, aqueles que propõe mineração ao céu aberto, aqui, e a prisão sem provas, acolá. Sempre para os outros, sempre na terra dos outros.
Os pecuaristas familiares, os povos quilombolas e as comunidades tradicionais do Pampa sabem que seu modo de vida, sua cultura, sua história, serão extintos com a mineração. E se erguem contra isso. E pedem nosso apoio. Como reagiremos? Vamos apoiar um novo massacre dos porongos? E depois? Comer churrasco no Harmonia?
O Coletivo Catarse convoca todos que merecem respeito para mobilização em apoio aos moradores do que resta de um Pampa milenar, que alimenta o imaginário de todos os gaúchos. Ou também somos daquele outro tipo de gaúcho, os que “só no canto, pela terra têm amor”?
Edição: Katia Marko