“Era uma mulher jovem, com toda vida pela frente, recém-formada, trabalhando, namorado novo. Tudo parecia tão bem na vida daquela linda jovem, mas infelizmente ela foi acometida por uma depressão gravíssima. Por vezes isso não depende da pessoa, não tem nada a ver com fragilidade, não tem nada a ver com falta de coragem”, afirma a psicóloga Marilia Verissimo Veronese, que passou por um caso de suicídio em sua família.
Nesse dia 10 de setembro, Dia Mundial de Prevenção do Suicídio, data instituída há 17 anos, Marilia conversou com o Brasil de Fato RS sobre esse mal que anualmente leva cerca de 800 mil ao redor do mundo a tirarem a própria vida. Conforme aponta a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o campeão em casos de transtorno de ansiedade e ocupa o segundo lugar em transtornos depressivos, que podem levar ao suicídio. O suicídio é a segunda maior causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos, atrás apenas de acidentes de trânsito.
Na conversa, a psicóloga que tem experiência nas áreas de Sociologia e Psicologia Social, com atuação também na área de Saúde Coletiva, fala sobre a necessidade de encarar o problema com informação e acolhimento, seja na família ou nos ambientes institucionais, como trabalho e escola. Fala ainda do agravamento dos problemas de sofrimento psíquico durante a pandemia e dá dicas de como agir com pessoas próximas. Também identifica lacunas nas políticas públicas e defende o cuidado sempre em liberdade.
Marilia Verissimo Veronese é psicóloga, mestre e doutora em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC-RS. Realizou estágio sanduíche na Universidade de Havana sob orientação do prof. Miguel Roca e no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES-UC) em 2003, sob orientação de Boaventura de Sousa Santos. Em 2019, fez um estágio pós-doutoral no CES-UC. Atualmente é professora e pesquisadora no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), sendo pesquisadora associada do grupo de pesquisa em Economia Solidária e Cooperativa (ECOSOL). Tem experiência nas áreas de Sociologia e Psicologia Social, com atuação também na área de Saúde Coletiva. Pesquisa principalmente nos seguintes temas: economia solidária, autogestão, trabalho, saúde, saúde mental, contemporaneidade e subjetividades.
Leia a entrevista completa:
Brasil de Fato RS - Neste mês de Setembro Amarelo ocorre a campanha nacional de conscientização sobre a prevenção do suicídio. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), são registrados anualmente 12 mil suicídios no país. Além disso há muito tabu e preconceito em relação ao suicídio. Isso dificulta que o tema seja abordado de maneira mais clara e objetiva? Quais cuidados precisamos de ter ao falar de suicídio?
Marilia Verissimo Veronese - Eu penso que há uma divisão a respeito, não há um consenso na literatura sobre isso. Alguns artigos e trabalhos que já foram escritos sobre o tema apontam um aumento de suicídios quando um caso é muito noticiado. Por outro lado, nas instituições se tomam vários cuidados para não servir de gatilho para outras pessoas que estejam em sofrimento psíquico intenso recorrerem ao suicídio. Mas quando também isso acontece em uma instituição, aqueles que ficam têm necessidade de falar sobre isso, de expressar suas tristezas, emoções acerca da tragédia. O suicídio é sempre uma tragédia e marca muito as famílias e as instituições que enfrentam esse problema.
Então eu penso que os cuidados que se tem que ter são os mesmos que sem tem com qualquer assunto delicado: tratar com respeito, com privacidade. Mas também pode-se abrir um espaço para as pessoas conversarem sobre isso. As famílias podem recorrer a cuidado de terapeutas, psicólogos, psiquiatras, etc, quando isso é possível. E o Estado, portanto o SUS, e as políticas de Saúde precisam se preparar para dar essa possibilidade para as pessoas na rede de atenção psicossocial. E nas instituições é preciso que haja também mecanismos de acolhimento da dor, do sofrimento das pessoas que ficam. Talvez oferecer canais de cuidados individuais, coletivos, eventualmente um grupo para trabalhar a questão e acolher esse sofrimento.
Algumas pesquisas apontam que quando um suicídio é tratado de forma sensacionalista, vai para a mídia, etc, pode ser gatilho ou de mais sofrimento ou de mais suicídios. Então é preciso informação clara e disponível à população, e para isso as redes de Saúde e de Assistência Social precisam ter e disponibilizar esse material de informação que tire os mitos que envolvem o suicídio. Informação clara explicando que se trata de uma situação de intenso sofrimento psíquico, de um momento drástico, o pior dos sintomas, quando o sofrimento não é mais suportado.
Quando, infelizmente, a tragédia acontece, deve-se tratá-la com respeito e delicadeza e não transformá-la em tabu. Deve-se oferecer um espaço de escuta para aqueles que sofrem em função do suicídio.
BdFRS- A questão do suicídio traz estigmas e rotulações, a mais comum é de atribuir fraqueza às pessoas que tentam ou chegam às vias de fato. Como compreender melhor essa situação?
Marilia - Isso realmente é fruto da falta da informação adequada disponibilizada à população, que é uma obrigação das instituições de Saúde. O suicídio não é um ato de fraqueza, é muitas vezes um ato de desespero, de intenso sofrimento psíquico. Às vezes algumas pessoas se desorganizam, ficam quase psicóticas, têm um momento de ruptura com a realidade para fazer isso, um sintoma muito grave de depressão, de depressões graves, às vezes depressões que não cedem mesmo diante de medicação e tratamento.
Eu posso falar um depoimento pessoal. Houve um suicídio na minha família há cerca de 10 anos. Agora eu consigo falar sobre isso sem chorar, porque enfim o luto vai se elaborando e a gente vai se reestruturando. Mas a família leva anos para se recuperar e é uma recuperação que acho que dura para o resto da vida, lidar com as tristezas da vida. Eu sei que essa pessoa era uma guerreira, uma lutadora, fazia exercícios, tentava melhorar. Infelizmente o tratamento dela não foi bem conduzido e ela teve um episódio de depressão muito severa e acabou cometendo suicídio.
Então não está vinculado de modo algum à falta de coragem, está vinculado a um intenso sofrimento psíquico que precisa de cuidados. As pessoas que dão sinais, que podem chegar nas vias de fato ao suicídio, precisam imediatamente serem cuidadas por profissionais de saúde e pelas pessoas que cercam esse indivíduo.
As instituições precisam proporcionar acesso às pessoas para um tratamento adequado desse tipo de sofrimento intenso, que às vezes não dá sinas. Existem várias situações possíveis, às vezes a pessoa dá sinais, outras vezes não dá sinais, ela esconde. O sofrimento psíquico e a maneira como as pessoas experimentam as agruras da vida pode mudar muito. Geralmente o suicídio está vinculado a uma depressão profunda, às vezes não.
É preciso que haja acesso a cuidados em saúde mental, é preciso que se tire o estigma dos problemas de saúde mental que todos nós podemos experimentar e experimentamos ao longo da vida, em diferentes graus e diferentes níveis de gravidade.
BdFRS - Quais são os principais distúrbios relacionados à prática do suicídio? A pessoa que pensa em tirar sua vida costuma dar sinais?
Marilia - Geralmente os principais distúrbios relacionados à prática do suicídio são as depressões profundas, as depressões que às vezes não cedem mesmo diante de medicação, formas muito graves de depressão, ansiedade extrema, transtornos mentais e emocionais que levam o sujeito a experimentar um sofrimento agudo, que é insuportável para ele, para ela.
Você me pergunta se a pessoa que pensa em tirar a sua vida dá sinais... às vezes sim, às vezes não. Às vezes quem se relacionava com essa pessoa é tomada por uma surpresa, um verdadeiro espanto, incredulidade diante do fato. Às vezes aquela depressão se arrasta, a pessoa tem sintomas, não consegue reagir. Fora as pessoas que não têm acesso a tratamento e são obrigadas a lidar com uma doença grave, muitas vezes endógena da depressão.
As depressões variam muito na sua etiologia, na sua experimentação pelo sujeito. Via de regra a gente diz que a pessoa tem uma depressão endógena, ou seja, não tem uma causa externa que a deixasse deprimida ou muito triste. É uma predisposição genética, enfim, que faz com que a pessoa se incomode. Algumas pessoas têm predisposição ao diabetes, outras tem predisposição à depressão, a transtornos de humor.
E por vezes são condições exógenas, que estão fora do sujeito, que arrastam ele ou ela à depressão. Geralmente, é quando se cronifica uma situação de sofrimento, perdas muito intensas ou sofrimento social, como a falta de acesso a uma vida digna pelas questões da desigualdade social. Por exemplo, jovens que sofrem bullying experimentam sofrimento violento, uma vergonha muito grande, uma ansiedade extrema, isso é o que a gente chama de depressões e suicídio por causas exógenas, acontecimentos e objetivos da vida que por uma extrema fragilidade emocional naquele momento a pessoa não consegue lidar.
Então, para lidar com isso é preciso, por exemplo, combater o bullying nas escolas, fazer uma educação para a saúde mental. Falta isso nas nossas instituições. Às vezes até por tabus relativos aos transtornos mentais que a gente não enxerga e que algumas pessoas minimizam ou desqualificam. Mas esse sofrimento que a gente não vê pode ser muito intenso, a tal ponto desesperador que a pessoa não consegue seguir vivendo e é a única saída que ela vê para parar de sentir um sentimento que é realmente insuportável. Para isso precisamos que as instituições disponibilizem informação, canais de expressão de sofrimento e dê encaminhamento desse sofrimento para um tratamento com profissionais da saúde.
BdFRS - Nestes tempos de pandemia, o isolamento social, a acumulação de trabalho e outros fatores relacionados a esse período podem agravar este quadro?
Marilia - Em relação aos tempos de pandemia e isolamento social, acumulação de trabalho, necessidade de aprender coisas novas e de lidar com tecnologias que muitas vezes não se tem nem acesso as condições materiais e concretas adequadas, eu diria que sim. São situações sociais que podem agravar o quadro das pessoas que já tem sofrimento psíquico anterior ou daquelas que podem desenvolver esse quadro.
Então novamente eu digo que nós precisamos nos preparar para essas situações, precisamos oferecer aqueles fatores mitigadores que estão presentes nas pesquisas. Recentemente eu participei de um grupo de geração de dados vinculado ao estado, do governo do Rio Grande do Sul, o Comitê de dados com profissionais de diversas secretarias. Pediram a nossa participação como profissionais da saúde mental e da saúde social e nós identificamos na literatura, inclusive em vários artigos publicados recentemente, pós-pandemia, que os fatores de risco agravam muito o quadro. É preciso então identificar os fatores que podem mitigar esses riscos.
Como as instituições oferecem suporte individual? É preciso ter nas instituições acolhimento do sofrimento e identificação. Então, te que fazer pesquisa, convidar os seus profissionais para falar sobre o que eles estão experimentando, oferecer um cuidado, um suporte individual, oferecerem informação clara.
Informações contraditórias, governos que não assumem a responsabilidade na condução da pandemia, ministros da Saúde sendo demitidos porque quiseram seguir as orientações da Organização Mundial da Saúde, as orientações que a ciência provê nos caos de emergência sanitária como as pandemias, isso tudo deixa as pessoas muito inseguras e ansiosas. E algumas que já tinham tendência a transtornos e agravos psíquicos anteriores ficam ainda mais fragilizadas.
Precisamos informar claramente, disponibilizar acesso à informação adequada, de qualidade, baseada em evidências científicas e que possam orientar as pessoas. E que possam servir de suporte para o medo, ansiedade, medo de se contaminar, de contaminar outras pessoas. Os profissionais da saúde, da educação e outros profissionais que são obrigados a ter contato social ficam muito vulneráveis a esse sofrimento e a essa ansiedade, e isso sim pode agravar o risco de suicídio.
BdFRS - Como tu avalias as políticas adotadas quando falamos em suicídio e saúde mental. E a importância de cuidar da saúde mental?
Marilia - Eu acho que existe historicamente uma lacuna das políticas públicas no campo da saúde mental e do suicídio, com relação à importância de uma educação para saúde mental. É importante incorporar isso desde a educação infantil, para que nós possamos entender que os agravos da saúde mental, os sintomas que a gente experimenta, as depressões, as ansiedades, os transtornos psicossomáticos, a gente somatiza e expressa no corpo o nosso sofrimento, isso tudo faz parte da vida das pessoas.
Todos e todas vamos experimentar em maior ou menor grau esse sentimento. Pessoas submetidas a condições de vida muito ruins em termos de desigualdades, pessoas vítimas da pobreza extrema, pessoas que trabalham muito e mesmo assim não conseguem se sustentar, pessoas que têm predisposição a adicções como ao álcool e outras drogas licitas e ilícitas, pessoas que sofrem racismo, que sofrem discriminação pela sua identidade de gênero, pela sua orientação sexual, essas pessoas sofrem muito.
Esse sofrimento social também é um risco.Precisamos de políticas públicas voltadas para saúde mental que não sejam preconceituosas, que não sejam estigmatizantes. Que sejam oferecidas à população informação precisa acerca da saúde mental, acerca da saúde psíquica, ela é tão importante quanto à saúde dos nossos corpos.
As nossas mentes, as nossas psiquês, a nossa dimensão emocional, tudo isso faz parte do nosso corpo, é um sistema só. Saúde mental e saúde física a gente não separa mais porque são partes de um processo saúde-doença. A gente não está sempre bem e nem está sempre muito mal, nós experimentamos situações onde a gente se sente mais saudável e onde a gente se sente menos saudável.
Isso tudo precisa ser informado à população sem estigmas, sem essa figura do louco, essa figura do “eu não sou louco, eu não preciso de tratamento”. Não! É preciso mudar essa representação popular do transtorno psíquico, saber que ele faz parte da vida. O cuidado que é oferecido às pessoas que tem sofrimento psíquico precisa ser um cuidado em liberdade, um cuidado na comunidade.
Nós tivemos no Brasil todo um processo de reforma psiquiátrica, de luta sem manicômio, um movimento social da luta antimanicomial que é muito importante para que se fale sobre isso, que se tire o estigma e a carga negativa do estigma sobre as pessoas que experimentam o sofrimento psíquico. Todo mundo experimenta, o grau e a gravidade do sofrimento é o que varia. Algumas pessoas conseguem passar a vida inteira sem episódios mais graves e outras vão ter episódios mais graves porque algumas doenças como esquizofrenia e outras tem os seus fatores de etiologia, ou seja, de origem, que não dependem das condições externas e sim daquilo que nós trazemos do potencial genético para desenvolver a doença.
Mas as doenças são biopsicossociais, elas têm um fator biológico que é a predisposição e elas têm um fator social que são as relações que a gente estabelece com a nossa vida, o nosso entorno, a nossa comunidade. Se essas relações vão ser saudáveis ou não é um fator que pode predispor, é a parte psicossocial, se nós vamos sofrer bullying, se nós vamos sofrer preconceito, se vamos ser submetidos a condições de pobreza extrema, se nós vamos ser de alguma maneira prejudicados pela vivência, da vida coletiva. O psico significa justamente as relações que vamos estabelecer, se vamos ter cuidadores que vão nos oferecer um cuidado adequado quando a gente é criança, que vão poder fazer que a gente desenvolva um psiquismo saudável ou não. Aí vai depender também muito da vivência que a gente tem, das instituições, desde a familiar até as escolares, que vão nos formar enquanto cidadãos, cidadãs, sujeitos sociais. Dai vem o biopsicossocial e é preciso dar atenção a todas essas áreas.
BdFRS - Como devem agir familiares ou pessoas próximas a alguém que apresenta crise aguda de saúde mental e afirma não ver mais sentido na vida ou que faz uma tentativa de suicídio?
Marilia - Muitas vezes isso é visto de uma forma pejorativa, ‘ah quer chamar atenção’. Não, essa pessoa está pedindo socorro e ela precisa ser ajudada. Ninguém experimenta sofrimento psíquico porque quer, ninguém está fazendo fita, ninguém está sendo mimado nem nada disso. O sofrimento psíquico, o sofrimento mental e emocional é uma experiência muito dolorosa. A pessoa pede socorro, ela dá aviso às vezes, e eles são pedidos de socorro. É preciso cuidar dessa pessoa, encaminhá-la para tratamento com profissional, quem não puder pagar por um profissional deve procurar o posto de saúde para se informar sobre qual é o Centro Psicossocial ou CAPS que a pessoa pode procurar para receber atendimento. E sem dúvida estar próxima a essa pessoa, não deixar ela sozinha, estar sempre acompanhada, e acompanhada por um profissional da saúde que vai avaliar e ver se é necessário medicação ou não.
Essa questão da medicação eu também gostaria de falar... o antidepressivo. Certamente existe um abuso, uma hipermedicação do sofrimento que a gente precisa evitar. Por outro lado uma medicação antidepressiva bem indicada pode salvar vidas e a pessoa pode fazer uso quando ela realmente precisar. Então não é sair medicando todo mundo porque está triste. O antidepressivo precisa ser prescrito com todo cuidado por um profissional que vai saber fazer uma indicação adequada. Tristeza não é depressão, tristeza tem que ser acompanhada, tratada com carinho, com afeto de quem está perto dessa pessoa. Tristezas fazem parte da vida.
Agora para depressões profundas é preciso muitas vezes o uso da medicação, associada a psicoterapia, associada a vários outros elementos de tratamento desse transtorno tão grave e que leva tantas vidas, tantas vidas jovens. Aliás o grupo maior de risco é de mulheres jovens, que foi o caso que mencionei que houve na minha família, era uma mulher jovem, com toda vida pela frente, profissão, recém-formada, trabalhando, namorado novo. Tudo parecia tão bem na vida daquela linda jovem, mas infelizmente ela foi acometida por uma depressão gravíssima. Por vezes isso não depende da pessoa, não tem nada a ver com fragilidade, não tem nada a ver com falta de coragem. Tem a ver sim, talvez, com certo azar genético de ter tido a predisposição para uma depressão tão profunda.
Então não minimizem o sintoma do sofrimento psíquico. Às vezes as pessoas são cuidadas com todo carinho e afeto e mesmo assim acontece o suicídio porque a depressão é uma doença insidiosa, que às vezes engana, a pessoa parece que melhorou mas não melhorou.
Então fazer sempre o tratamento, acompanhamento com profissionais de saúde que poderão oferecer esse cuidado, informar sobre isso e principalmente lutar contra o preconceito e a desinformação no campo da saúde que não é dividida entre mental, social, física, é tudo uma coisa só. Precisamos promover a saúde e evitar os agravos à saúde.
BdFRS - Na sua opinião, quais ações preventivas institucionais podem contribuir para evitar o suicídio e também ajudar a identificar e tratar sintomas de adoecimento mental?
Marilia - Penso que as instituições precisam em primeiro lugar atentar e criar políticas de prevenção. Sempre é melhor prevenir que remediar, especialmente o suicídio, que é um evento em um sintoma gravíssimo. É preciso ter cartilhas, material informativo, vídeos que possam levar uma informação correta a partir de dados científicos sobre sintoma, sobre identificação e sobre o tratamento.
Nas universidades, por exemplo, nós já temos o desenvolvimento de setores de acolhimento psicológico ao aluno, para que o sujeito possa ter um amparo no suporte individual ao seu sofrimento. E aos professores e professoras também, para que fiquem atentos aos colegas, que possam avisar que o sujeito está sofrendo e possam servir de suporte uns para os outros. Isso é ter relações sólidas. É daí que vem a origem da solidariedade, não vamos deixar os nossos companheiros e colega se sentindo sozinhos, vamos acolher uns aos outros no sofrimento.
O primeiro ponto é criar relações sólidas dentro das instituições, evitar a competição exacerbada, evitar o assédio, evitar situações que possam agravar o adoecimento. E ter canais de comunicação para informação e de acolhimento, ouvidorias, e principalmente a criação de rede. Existe no Brasil a Rede de Atenção Psicossocial, que são vários pontos da rede de atenção básica à saúde. Os postos de saúde às vezes não têm especialistas em saúde mental. Deve-se treiná-los para fazer essa identificação, esse acolhimento.
E professores e professoras também, que a gente possa ser formada na nossa profissão para a identificação e cuidado do sofrimento psíquico que faz parte da vida e que nós precisamos prevenir, para que não se torne um adoecimento mental efetivo. Quando se tornar, aí nós precisamos oferecer então, via Rede de Atenção Psicossocial, um cuidado humanizado. Um cuidado que não exclui o sujeito da vida em sociedade, porque assim ele só vai ficar mais doente.
Manicômio não é a solução, nós precisamos de cuidado em liberdade, na comunidade, usando medicação quando necessário, com terapias, oficinas de terapia ocupacional, encaminhamento para trabalho.
Já existem instituições que fazem isso. Eu mesma faço pesquisa junto ao Geração Poa, que faz parte da Rede de Atenção Psicossocial e é focado na formação para o trabalho, tem psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, etc, que identificam e cuidam.
Quando o sujeito experimentar um risco agudo de suicídio, de agressão hétero e autoinfligida, aí cabe uma internação pontual, em leito em hospital geral. E não internação em manicômio. Manicômio nunca mais! Cuidado em liberdade, em comunidade, com as melhores evidências científicas sustentando a formação dos profissionais especialistas ou não no cuidado ao adoecimento mental.
Edição: Marcelo Ferreira