A volta das aulas presenciais no Rio Grande do Sul, proposta pelo governo Eduardo Leite (PSDB) para a terça-feira (8), após o feriado da Independência, não tem repercutido positivamente entre os mais variados setores gaúchos. Muitos pais, professores e prefeitos questionam o retorno escalonado, começando pela Educação Infantil, no atual estágio da pandemia do novo coronavírus. A avaliação é que a medida acata interesses econômicos e não leva em consideração a posição da sociedade e a falta de condições estruturais para o retorno, colocando em risco a saúde e a vida de toda a comunidade.
A Associação Mães e Pais pela Democracia é contrária ao retorno presencial “enquanto não houver realmente um combate dessa pandemia, a começar com testagem em massa”, afirma Aline Kerber, presidenta da entidade. Segundo ela, a decisão vem de cima para baixo e desconhece a realidade das comunidades. “Há muitas outras demandas para uma reabertura, como a questão de ter o mínimo de estrutura nas escolas, como torneiras, banheiro adequado, limpeza, profissionais. Não tem um planejamento que nos dê segurança, nem protocolos sanitários, jurídicos e pedagógicos, o que é fundamental com essa defasagem que os alunos com certeza terão, por conta do apagão educacional”, avalia.
Aline exemplifica o perigo com a situação de Manaus, em que mais de 300 professores da rede estadual contraíram covid-19 após o retorno das atividades. “Isso é inadmissível. Aqui no Rio grande do Sul tivemos uma pesquisa amostral do CPERS Sindicato e do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) que mostrou 142 escolas com profissionais contaminados. Isso que a gente está falando de plantão, imagina com volta às aulas com aglomeração e sem treinamento, planejamento e preparação”.
O Sindicato dos Professores e Funcionários de Escola do RS (CPERS Sindicato), que desde o início da pandemia chama atenção para a falta de condições das escolas em receber os alunos de forma segura, protocolou no Ministério Público do RS um requerimento contra a reabertura. O documento argumenta que o governo gaúcho deve observar uma série de condicionantes a fim de evitar que as instituições de ensino se transformem em focos de disseminação da covid-19 e um fator de risco sanitário para a coletividade.
“Não é o momento de voltarmos agora, o governo erra novamente em dizer que os alunos da educação infantil devem ser os primeiros. Para nós devem ser os últimos, pois requer muita proximidade e quase não é possível fazer o distanciamento necessário”, afirma a presidenta do CPERS, Helenir Aguiar Schürer, que pede bom-senso ao governo.
Helenir destacou algumas necessidades que também foram reivindicadas no requerimento endereçado ao procurador-geral Dr. Fabiano Dallazen. Entre elas, a oferta de vacinas, testagem em massa com rastreamento de contatos, queda expressiva da curva de contágios e óbitos, ampla disponibilização de EPIs e materiais de higiene, condições estruturais e recursos humanos, e avaliação cuidadosa do ambiente escolar para averiguar sua capacidade de atender a comunidade com segurança.
A Frente Quilombola do RS divulgou uma carta aberta, assinada por quilombos e movimentos sociais, manifestando contrariedade ao retorno às escolas enquanto não houver segurança. O texto critica o projeto de morte que atinge as populações periféricas que resistem diariamente. Lembra que no início da pandemia, “o Estado deu um jeito de proteger a vida das pessoas brancas privilegiadas neste sistema nefasto que gira a engrenagem para moer a nossa carne negra. Organizaram home office, ensino EAD, sistemas de uberização do trabalho, para que a burguesia pudesse se sentir protegida”.
Como mães e pais de crianças e jovens em idade escolar, os signatários da carta repudiam o retorno das aulas. “Nesta fase da pandemia, o Estado nos ataca mais enfaticamente, lança suas garras sobre nós. Pressionado pelo setor econômico [empresários], que diz que precisamos de ônibus lotados e de trabalhadoras e trabalhadores aglomeradas(os), mesmo sem uma rede hospitalar capaz de receber os nossos doentes - para os quais já há contêineres aguardando seus corpos”.
A carta critica ainda a forma como o governo vem desenvolvendo as aulas virtuais, que não é capaz de garantir acesso à maioria da população. “Afirmam pesquisas que mais de 70% de estudantes negros/as não têm computadores e celulares para o ensino à distância ; 4,8 milhões de crianças e adolescentes de 9 a 17 anos de idade vivem em domicílios sem acesso à internet no Brasil. Além disso, não há uma relação de respeito entre as escolas e as comunidades quilombolas, muitas ignoram a nossa existência.”
Governo joga responsabilidade no colo dos prefeitos
O calendário proposto prevê a volta do Ensino Infantil já no dia 8 de setembro. Em seguida, a proposta prevê o retorno do Ensino Médio geral e Ensino Superior em 21 de setembro; do Ensino Médio estadual em 13 de outubro; do Ensino Fundamental – anos finais em 28 de outubro e do Ensino Fundamental – anos iniciais em 12 de novembro.
Apesar da proposta, o governo estadual buscou uma forma de se redimir de possíveis problemas, ao deixar a decisão final sobre o retorno a cargo dos municípios. "É um calendário para autorizar, ou deixar de restringir, mas não obrigar um retorno. Os municípios poderão tomar suas decisões, respeitando os prazos mínimos para o retorno, que começa em setembro, mas vai até novembro. Algumas pessoas entendem de maneira equivocada de que voltaremos agora a movimentação de milhares de alunos, o que não é verdade", disse o governador ao anunciar o novo calendário.
Na reunião de apresentação do calendário, realizada na terça-feira (1), a Federação das Associações de Municípios do RS (Famurs) seguiu com a posição de contrariedade, destacando a pesquisa que apontou que 93,75% dos prefeitos são contrários a aulas no atual momento da pandemia. “O estado, que deveria ser o primeiro a nos dar segurança, só vai retornar daqui a 45 dias. Nós, municípios, teremos que fazer o experimento, o teste e correr o risco de ter alunos contaminados, enquanto o estado espera e, se tudo der certo, voltar em 45 dias. Mais uma vez a responsabilidade fica com os prefeitos e prefeitas”, reprovou o presidente da Famurs e prefeito de Taquari, Maneco Hassen.
Os prefeitos e secretários municipais da região Metropolitana de Porto Alegre (Granpal), em reunião nesta quinta-feira (3), também avaliaram que a situação da saúde ainda não está estável e o reinício das aulas colocaria vidas em risco. “Também precisamos de tempo para organizar as nossas estruturas de educação e pensar pedagogicamente na qualidade do ensino das crianças”, destacou a presidente da Granpal e prefeita de Nova Santa Rita, Margarete Ferretti, que também é professora.
Os prefeitos da Granpal destacaram alguns pontos a serem observados. Entre eles uma retomada diferente para a rede pública e a privada, a escuta de atores sociais nos municípios e avaliação de toda a estrutura das escolas e do transporte escolar. De comum acordo entre os prefeitos está o alto risco do retorno iniciar pela Educação Infantil.
Municípios já se posicionam por não retornar em 2020
A Associação dos Municípios do Centro-Serra (AMCserra) também é contrária. A entidade encaminhou para a Famurs, nesta quinta-feira, um documento assinado pelo presidente, o prefeito de Cerro Branco, Jorge Hoffmann. Nele, a AMCserra informa que realizou levantamento junto aos 12 municípios associados e todos manifestaram ser contrários ao retorno das aulas da Educação Infantil no dia 8 de setembro e ao cronograma de etapas apresentado pelo Estado. Alguns prefeitos da região defendem, inclusive, que as escolas não devem retornar com atividades presenciais neste ano letivo.
Os 23 prefeitos integrantes da Associação dos Municípios da Zona Sul (Azonasul) manifestaram unanimidade na posição de não retorno de atividades presenciais em escolas públicas municipais até o fim do ano de 2020. A decisão foi anunciada em reunião virtual nesta quinta-feira (3). A expectativa é que o assunto seja debatido com mais profundidade junto ao governo estadual.
Conforme os prefeitos, a decisão é motivada pelo elevado número de contaminações na região, que atravessa o pico da pandemia. “Nunca vimos tantos casos confirmados como nas últimas semanas. Há um número exponencial em todos as localidades”, sustentou o presidente da Azonasul, Luis Henrique Pereira da Silva, prefeito de Arroio Grande. Além disso, o expressivo volume de gastos necessários para a adaptação aos protocolos inviabiliza qualquer tentativa de recomeçar neste momento.
Edição: Katia Marko