Rio Grande do Sul

CARTA ABERTA

Articulação em Defesa da Educação do Campo critica retorno das aulas presenciais

Para a AEDOC/RS, proposta do governo estadual não demonstra preocupação com a vida, mas com a economia e o lucro

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Grupo também chama atenção ao risco da precarização do ensino, principalmente no campo - Marcos Santos/USP Imagens

A Articulação em Defesa da Educação do Campo no Estado do Rio Grande do Sul (AEDOC/RS) manifesta preocupação com a proposta de retorno das aulas presenciais no estado. Composta por diversos movimentos sociais, profissionais de instituições superiores de educação, escolas básicas do campo, indígenas, quilombolas e pescadores, a AEDOC/RS é contrária ao retorno. Em carta aberta publicada no final de agosto, o coletivo avalia que, após ouvir diversos segmentos sociais, não existem condições sanitárias para preservar a vida dos estudantes, famílias e trabalhadores.

“Entendemos que a proposta de retorno das aulas presenciais não demonstra a preocupação com as precauções necessárias para preservar a vida e nem com a qualidade da educação, mas com as atividades econômicas e com o lucro. O governo não considera a opinião da sociedade, da comunidade escolar e da maioria dos prefeitos que se demonstraram contrário ao retorno das escolas, nesse período pandêmico”, diz o texto.

A AEDOC/RS chama a atenção também ao risco da precarização do ensino, ainda mais com relação à realidade do campo. Afirma defender a escola como vital no processo de socialização das comunidades camponesas, pescadoras, quilombolas, indígenas, pequenos agricultores, assentamentos, acampamentos e outros povos que vivem trabalham e produzem alimentos, culturas e conhecimentos. “Portanto, as escolas devem se constituir como um dos instrumentos de defesa da vida, organizando atividades a seus estudantes, com o caráter de vínculo entre, escola, estudante, família e comunidade, com estímulos aos estudos e a compreensão do momento de crise sanitária, que estamos vivendo”, defende.

Confira a carta na íntegra:

CARTA ABERTA SOBRE A RETOMADAS DAS ATIVIDADES PRESENCIAS NAS ESCOLAS PÚBLICAS EM TEMPOS DE PANDEMIA DE COVID-19.

A Articulação em Defesa da Educação do Campo no Estado do Rio Grande do Sul – AEDOC/RS, fruto da mobilização e resistência dos trabalhadores e trabalhadoras do campo, composta por diversos movimentos sociais, profissionais de instituições superiores de educação, escolas básicas do campo, indígenas, quilombolas e pescadores reafirma seu compromisso com a defesa da vida e do direito à educação.

Só é possível haver educação se houver vida. Neste momento nossa tarefa fundamental é cuidarmos de nossas vidas e da vida um dos outros, por isso reafirmamos que não é o momento da reabertura das escolas.

Entendemos que a proposta de retorno das aulas presenciais não demonstra a preocupação com as precauções necessárias para preservar a vida e nem com a qualidade da educação, mas com as atividades econômicas e com o lucro. O governo não considera a opinião da sociedade, da comunidade escolar e da maioria dos prefeitos que se demonstraram contrário ao retorno das escolas, nesse período pandêmico.

O retorno às aulas aumenta o risco de contaminação de estudantes e servidores/as públicos/as e de seus familiares. Não se tem garantia do cumprimento dos protocolos de saúde no transporte escolar, no distanciamento orientado para salas de aulas, na merenda escolar, bem como a falta de equipamentos de proteção individual o que eleva o número de possibilidades de casos de Covid-19 nos municípios, nas escolas e nas comunidades, tornando mais grave o quadro de mortes.

Diante deste cenário, após ouvir diversos setores sociais, afirmamos e apresentamos os seguintes posicionamentos:

– Somos contrário ao retorno das aulas presenciais: não há condições sanitárias para que se preserve a vida de nossos estudantes e de suas famílias, bem como aos profissionais da educação, desde o atendimento nas Unidades Básicas de Saúde e nos hospitais, bem como, materiais de proteção como máscaras e álcool gel, com garantia de uso adequado dos mesmos;

– Só é possível retornar às aulas mediante disponibilidade de vacina para toda a população ou outras medidas onde realmente não haja riscos de contaminação;

– Reivindicamos que o processo de ensino aprendizagem não seja atrelado ao ano civil de 2020, mas compreendido como um ciclo contínuo de formação humana e correspondentes aprendizados; O aprendizado correspondente ao ano letivo, para os estudantes de nossas escolas está comprometido em função de que:

a) a falta de acesso à comunicação, em especial à internet, dos povos do campo, indígenas, quilombolas e pescadores dificultam as condições para a realização das aulas remotas;

b) sabemos que várias escolas têm se organizado e feito valiosos esforços para fazer chegar aos estudantes atividades impressas e via a internet, entretanto após ouvir depoimentos de professores/as, estudantes e comunidades, demonstramos preocupação com o risco de precarização do processo de ensino aprendizagem;

c) Considerar que a aprendizagem pode ocorrer de forma tão precarizada é um desrespeito ao trabalho pedagógico das escolas, a função social da mesma em nossa sociedade, bem como o trabalho dos educadores e educadoras e a limitação do ato de estudar e aprender dos nossos educandos e educandas do campo;

d) Há uma pressão demasiada do governo nas escolas e nos educadores para que estes deem conta de garantir a efetivação das aulas nas plataformas online, que não condizem à realidade destes sujeitos, havendo uma sobrecarga de atividades e funções aos educadores, que em síntese, não são de suas responsabilidades. As educadoras e educadores precisam de autonomia pedagógica, do contato, do diálogo, princípio básico na organização de seu trabalho com as suas respectivas turma;

e) O Conselho de Classe proposto pelo estado, desvirtua o verdadeiro sentido dos Conselhos de Classe, quando os mesmos colocam-se como instrumento pedagógico e de apoio à aprendizagem, devendo ser um momento de avaliação das condições da escola e de sua comunidade na análise dos programas e atividades que poucos tiveram acesso; assim, não reconhecemos o Conselho de Classe proposto pelo Estado.

Por fim, defendemos a escola como vital no processo de socialização das comunidades camponesas, pescadores/as, quilombolas, indígenas, pequenos agricultores, assentamentos, acampamentos e outros povos que vivem trabalham e produzem alimentos, culturas e conhecimentos. Portanto, as escolas devem se constituir como um dos instrumentos de defesa da vida, organizando atividades a seus estudantes, com o caráter de vínculo entre, escola, estudante, família e comunidade, com estímulos aos estudos e a compreensão do momento de crise sanitária, que estamos vivendo.

Nossa prioridade é a vida! Ano letivo se recupera, vidas não.

Porto Alegre, 27 de agosto de 2020.

Articulação em Defesa da Educação do Campo no Estado do Rio Grande do Sul AEDOC/RS

Edição: Marcelo Ferreira