Rio Grande do Sul

CARGA TRIBUTÁRIA

“Para quem ganha pouco, não há saída sem Estado”, afirma auditor-fiscal

Avaliação foi consenso em encontro de formação promovido pela Central Única dos Trabalhadores do RS

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Debate teve como tema “A questão tributária em nosso país: injustiça fiscal e como os pobres financiam os ricos” - Reprodução

“Pagamos muitos impostos no Brasil? A carga tributária é muito alta? Os serviços públicos são ruins? O Estado gasta demais”? Esses foram alguns dos questionamentos debatidos pela presidenta e o vice-presidente do Instituto Justiça Fiscal, Maria Regina Paiva Duarte e Dão Real Pereira dos Santos, durante o encontro virtual promovido no último sábado (29) pela Secretaria de Formação da Central Única dos Trabalhadores do RS (CUT-RS).

Foi o segundo evento do ciclo de debates mensais em seis lições “Para entender o Brasil e o Mundo”, que tratou do tema “A questão tributária em nosso país: injustiça fiscal e como os pobres financiam os ricos”. Participaram mais de 180 dirigentes sindicais de todos os ramos e regiões do estado. A próxima atividade está agendada para o dia 26 de setembro.

A secretária de Formação da CUT-RS, Maria Helena de Oliveira, saudou os palestrantes e os participantes, frisando que o encontro estava sendo realizado um dia após o aniversário de 37 anos da entidade, que é a maior central sindical da América Latina. “A luta pelos direitos, a igualdade e a democracia sempre norteou a história da CUT”, apontou.

É mentira que o Brasil tem a maior carga tributária do mundo

Para Dão Real, “o sistema fiscal nos define como sociedade. Onde estamos, o que somos e para onde vamos”. O auditor da Receita Federal explicou que "carga tributária é a medida do esforço da sociedade para o financiamento das políticas públicas”.

Ele desmentiu um dos tantos mitos criados pelas elites econômicas e repetidos dia e noite pela mídia empresarial sobre a tributação no Brasil. “Dizer que temos a maior carga tributária do mundo é uma mentira deslavada”, disse.

Conforme dados de 2017, o Brasil estava no 25º lugar entre os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (ODCE). O levantamento é liderado pela França, Dinamarca, Bélgica, Suécia, Finlândia, Itália e Áustria.


Dão Real e Maria Regina, do Instituto Justiça Fiscal / Arquivos pessoais

Sem Estado, não tem saúde, educação e Previdência

“Estamos atrasados em relação aos países europeus, onde se começou o Estado do bem-estar social após o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945”, explicou Dão Real. “Para quem ganha pouco, não há saída sem Estado”, enfatizou. “Sem Estado, não tem saúde, educação e Previdência”.

No Brasil, isso só foi possível a partir da Constituição de 1988, cujo artigo 6º garante que “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”.

Assim, os tributos que pagamos estão nas escolas públicas, no Sistema Único de Saúde (SUS), nas pesquisas científicas, nos asfaltos, na segurança pública e na limpeza urbana, dentre outros serviços públicos. “Até um diretor da Globo fez um transplante pelo SUS”, exemplificou o auditor. Apesar dos avanços obtidos nos governos Lula e Dilma, a partir do golpe de 2016 várias conquistas sociais vêm sido desmontadas, representando perdas de direitos, precarização dos serviços públicos e desvalorização dos servidores.

Lucros e dividendos são isentos de tributação

“O problema não é a carga tributária, é a sua distribuição”, frisou Dão Real. Ele criticou o sistema regressivo, pois “ajuda a concentrar a renda”, ressaltando que “o sistema tributário é reflexo da correlação de forças políticas no país”. Ele explicou que se tributa renda, patrimônio e consumo. “Os pobres pagam mais porque gastam toda a sua renda no consumo. Já o rico ganha mais e, por isso, gasta menos no consumo”, comparou o auditor, mostrando que essa forma de tributação é injusta e gera concentração de renda.

Dão Real salientou que lucros e dividendos são isentos de tributação, graças a uma lei aprovada em 1995, durante o governo FHC. Ele defendeu "um sistema progressivo e tributar os super ricos, que detêm as altas rendas no Brasil" e denunciou o sistema financeiro, "que vem sugando os recursos de baixo para cima. É um sistema de extração de riquezas".

Mulheres pagam mais imposto de renda do que os homens

A auditora fez uma apresentação do estudo sobre “Tributação e Desigualdade de Gênero”, a partir de dados da Receita Federal. Foi constatada a existência de uma expressiva desproporção de patrimônio declarado no imposto de renda entre homens e mulheres, superior inclusive à disparidade de rendimentos.

Nas faixas de rendas mais elevadas, mais de 80% dos declarantes são homens. As mulheres acabam pagando alíquotas mais altas do que os homens. “A configuração tributária no Brasil acentua as desigualdades de renda entre homens e mulheres”, destacou Regina.

Tributar os super-ricos

“O Brasil tem espaço para aumentar a tributação. Há nichos, como os super-ricos, que são subtributados”, apontou Regina, chamando a atenção para a campanha que foi lançada pelo Instituto Justiça Fiscal. A campanha “Tributar os super-ricos para reconstruir o país” apresenta oito propostas de leis tributárias que isentam os mais pobres e as pequenas empresas, fortalecem estados e municípios, geram acréscimo na arrecadação e incidem sobre as altas rendas e o grande patrimônio.

Regina destacou que é preciso entrar na disputa de narrativas. “A conjuntura da pandemia é dramática do ponto de vista sanitário. Mas é uma oportunidade para rever o debate sobre o Estado. Se a saúde tivesse sido privatizada, a situação seria dramática. Sem Estado, não tem saúde”. Para ela, “a sociedade está hoje mais sensível para discutir o papel do Estado, enquanto a direita retomou a defesa do teto de gastos”.

Derrotar o tarifaço do governo Leite

O presidente da CUT-RS, Amarildo Cenci, parabenizou os palestrantes e os participantes do encontro e destacou que a falsa reforma tributária do governador Eduardo Leite (PSDB) “é regressiva”, pois, “mesmo que seja devolvida uma parte aos pobres, vai aumentar a cobrança de impostos que os pobres pagarão”.

“Temos que resistir e derrotar o tarifaço do Leite e, para isso, precisamos dialogar com prefeitos, vereadores, cooperativas e associações comerciais, a fim de pressionar o governador e os deputados da Assembleia Legislativa”, apontou. “É fundamental tributar o capital, que é trabalho apropriado”.

 

* Com informações da CUT-RS

Edição: Marcelo Ferreira