Rio Grande do Sul

Coluna

Democracia do trabalho, a autorregulação em nível social

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"Na democracia do trabalho, as responsabilidades pela satisfação das necessidades humanas caberiam exclusivamente aos produtores e aos consumidores, ou seja, a todos nós" - Xilogravura Ref. Tarsila do Amaral-Os Operários de Rafael Cão
Para Reich, o irracionalismo político é uma perversão da capacidade social de autorregulação

Em sua mais célebre frase, Wilhelm Reich dirá que o amor natural, o trabalho vitalmente necessário e a ciência natural são funções racionais da vida e deveriam também governá-la. Para ele, a vida social orientada por esse tripé é o próprio processo da democracia do trabalho. Mas o que seria a democracia do trabalho?

Nos capítulos finais de Psicologia de Massas do Fascismo, nos são apresentadas as suas características, e podemos perceber que se trata de um fenômeno de autorregulação social.

A democracia do trabalho, segundo Reich, não é um regime político e não pode ser instituída por meio de medidas burocráticas ou jurídicas. Ela faz parte de um processo natural de regulação da vida social e tem de se desenvolver espontaneamente a partir da auto-organização racional da humanidade. Assim, não são inclinações políticas que nos tornam habilitados a funcionar segundo a democracia do trabalho, mas a possibilidade, enquanto trabalhadores que exercem funções sociais vitais, de responsabilização pela gestão, ao mesmo tempo, da vida social e de nossas próprias vidas, que não estão separadas.

A democracia do trabalho não pode ser imposta à sociedade. Ela precisa se desenvolver organicamente. Sua base é a responsabilização de cada adulto que trabalha pelas questões vitais que digam respeito à sua própria vida e à de sua comunidade. Reich afirma que as massas trabalhadoras – ou seja, todos nós, que trabalhamos, de todas as classes, culturas, gêneros e cores – devem ser sobrecarregadas com a responsabilidade total pelo funcionamento social.

O termo “sobrecarregadas” pode parecer estranho, à primeira vista. Como se sobrecarga, aqui neste caso, tivesse o mesmo sentido de um processo sofrido, de excesso e alguma espécie de violação de limites do que é possível aguentar. Mas não. Pelo que entendo, sobrecarga, neste caso, quer dizer um estímulo de uma intensidade que ajuda a fortalecer paulatinamente a capacidade de sustentação. O corpo precisa organizar suas funções bioemocionais e psíquicas para manter, quando adulto, a estrutura que é ele mesmo. No caso dos seres humanos, que fundamos uma comunidade tão interligada e interdependente, nossa sustentação passa por estruturar a comunidade que nos sustenta, ou seja, fazer parte do funcionamento social.

A democracia do trabalho, segundo Reich, “é a soma de todas as funções da vida, governadas pelas relações racionais interpessoais, que nasceram, cresceram e se desenvolveram de uma maneira natural e orgânica” (Psicologia de massas do Fascismo). Para que ela ocorra, é necessário que as instituições sociais e suas ideologias estejam de acordo com as necessidades naturais das relações e dos grupos e indivíduos humanos.

O irracionalismo político, do qual o fenômeno do fascismo faz parte – ou seja, as ditaduras, guerras, crises econômicas provocadas por decisões e movimentos políticos, o próprio sistema capitalista, que possui uma sustentação e uma construção histórica a partir da política – propaga a peste emocional (já discutida neste artigo) e distorce nossas vidas do ponto de vista biológico. Ele é, para Reich, uma perversão da capacidade social de autorregulação, originada do nosso fracasso em reconhecer as funções naturais da vida e da não consideração destas funções na organização da estrutura burocrática e institucional da vida social.

Na democracia do trabalho, as responsabilidades pela satisfação das necessidades humanas caberiam exclusivamente aos produtores e aos consumidores, ou seja, a todos nós. Assumir a responsabilidade pelos nossos próprios destinos seria um passo decisivo para a concretização da autogestão da sociedade. A democracia do trabalho é apartidária e orientada à solução concreta de problemas. Seus verdadeiros representantes não fundarão partidos políticos para a impor como forma de organização. Ela é uma função biossociológica natural e básica da sociedade e nela, as massas de mulheres e homens trabalhadores não serão isentados de suas responsabilidades sociais, mas serão sobrecarregados com elas.

Descrição da imagem: É uma versão em estilo de xilogravura em preto e branco do quadro Os Operários, de Tarsila do Amaral. Ao fundo da imagem, à esquerda, temos grandes xaminés de fábrica e alguns prédios. Em primeiro plano, diversas cabeças de trabalhadores com olhares vazios se empilham em uma multidão.

Edição: Katia Marko