Rio Grande do Sul

TRABALHO

Trabalhador que pega covid-19 deve ser tratado como se tivesse acidente do trabalho

Para a juíza aposentada Mara Loguércio, os trabalhadores expostos à doença são as principais vítimas

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Juiza entende que no Brasil faltou proteção aso trabalhadores
Juiza entende que no Brasil faltou proteção aso trabalhadores - Foto: Marcelo Ferreira

A juíza do trabalho aposentada Antônia Mara Vieira Loguércio entende que os trabalhadores que pegarem a covid-19 por serem obrigados a sair do isolamento para trabalhar, tanto em serviços considerados essenciais e principalmente em outros, devem ter sua situação considerada acidente de trabalho ou doença profissional. Para ela, além da questão trabalhista, cabe uma ação cível com pedido de indenização.

Como exemplo ela contou o caso de duas irmãs, funcionárias da Caixa Econômica Federal, que estavam trabalhando em casa, pois seus pais eram idosos e, portanto, do grupo de risco. "Ocorreu que com o aumento do movimento a direção da Caixa exigiu que elas dessem atendimento presencial. As duas pegaram covid-19 da forma assintomática e acabaram passando para seus pais. O casal faleceu, mas as duas continuaram trabalhando.” Segundo a juíza este é o típico caso em que cabia, além da ação trabalhista por assedio, uma ação cível com pedido de indenização, além de uma criminal contra a direção da CEF e, talvez, “até mesmo uma denúncia contra o presidente da República”.

Ela citou ainda o caso dos entregadores de aplicativos. “O entregador é uma pessoa física, tem que ele se apresentar. Em segundo lugar ele tem o trabalho continuo e exigem até que vá sábado e domingo, se ele não for não será chamado. Ele trabalha praticamente todos os dias, trabalho continuo. Não recebe o pagamento do cliente, quem recebe é o aplicativo, ou a loja que vende o produto. Tem que cumprir aquele horário, senão eles não chamam e ele tem que ser rápido, correndo todos os riscos, e não recebe o material de proteção individual. O seu pagamento é um percentual que o aplicativo estipula. Portanto tem todas as características do artigo 2º da CLT para a ser considerado empregado. Só não é porque diz na nova Lei Trabalhista que ele é autônomo, porque ele tem CNPJ, é um empreendedor”, explica Mara indignada. Ela acrescenta que convenceram até advogados e alguns juízes que não dão o vínculo, "mas o vínculo está configurado”.

O país não se preparou

A juíza lembra ainda a situação que a covid-19 encontrou quando chegou ao Brasil. “Um país que tinha retornado ao mapa da fome, passado por uma reforma trabalhista que tinha retirado todos os direitos dos trabalhadores facilitando a vida dos patrões. Houve demissões em massa e a maioria dos trabalhadores viraram empreendedores com CNPJ e nenhum direito. Os salários dos que continuavam empregados pararam de crescer e fora do grupo seleto de 1% dos mais ricos, houve um empobrecimento geral da população brasileira nos últimos cinco anos.”

Além dessa situação, conforme ela, o governo poderia ter se preparado para enfrentar a pandemia. A China anunciou, em dezembro de 2019, a existência da nova doença, e o Brasil, dois meses depois, começou a se preparar. Mas não tinha nem equipamento de proteção para o pessoal da Saúde.  Se no momento em que foi declarada a pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o país tivesse seguido as orientações do órgão, a curva epidêmica teria se achatado e a economia poderia voltar ao “novo normal”, sem ficar com este abre a e fecha.

Para ela o negacionismo do presidente da República e outras autoridades, contrariando até o próprio ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, contribuíram para criar a confusão que o país está vivendo e o patamar em que ficou com uma média de mil óbitos diários.

Os trabalhadores são as principais vítimas

Lembrou também que a indústria de frigoríficos, não se adequando ao distanciamento entre as pessoas, tornou-se um foco de difusão do vírus.

Mara salientou ainda que nem mesmo os trabalhadores da Saúde têm a proteção necessária. Segundo ela, somente os médicos e enfermeiros de hospitais recebem os EPIs necessários, como máscaras N95, protetores faciais e aventais especiais. “O pessoal da área da limpeza dos hospitais e postos de saúde, que na sua maioria são terceirizados, recebem apenas uma máscara comum de tecido e vão trabalhar na linha de frente”, ressalta.

Os garis, segundo ela, são um serviço essencial à saúde e não têm proteção especial, nem máscaras estavam usando. Apenas o equipamento de botas e macacões que usam em tempo normal, “no entanto são eles que mantêm as cidades limpas”. Para Mara, o que a elite está fazendo é colocar os trabalhadores diretamente no confronto com o vírus e é esta classe onde ocorrem mais mortes.

Outra grande responsabilidade do governo que ela entende estar falhando é o saneamento. As pessoas têm que lavar as mãos, mas uma enorme parcela da população não tem água encanada e tratada. O governo não está investindo em testagem e nem mesmo rastreando as pessoas infectadas e seus contatos. “Se o governo tivesse feito isso a tempo, como a China e o Vietnam fizeram, a economia já poderia estar funcionando em outros patamares sem expor os trabalhadores a risco de vida constante e aos seus familiares”, concluiu.

Edição: Marcelo Ferreira