O cronograma de retorno das atividades presenciais nas escolas proposto pelo governador Eduardo Leite (PSDB) tem sido alvo de diversas críticas. Para os trabalhadores e trabalhadoras da Educação Pública Municipal do Rio Grande do Sul, “o posicionamento do governador demonstra claramente sua subordinação a determinados setores econômicos e seu absoluto desprezo com a vida humana”. Em carta conjunta assinada por entidades representativas do setor, afirmam ser “desrespeitoso e irresponsável” o retorno no momento em que o isolamento social é o mais indicado para conter a expansão da covid-19.
O grupo critica a prioridade do retorno da educação infantil, que na proposta do governo seria a primeira a voltar, em 31 de agosto. “Acreditar que as crianças não compartilharão o lanche, que não se aproximarão, não se tocarão, que manterão as máscaras corretamente posicionadas por 4 horas, que manterão higiene rigorosa sem a supervisão constante de um adulto é compor uma obra de ficção”, afirma a carta, questionando a realidade de um possível retorno. “Nessa ficção, as e os educadores conseguirão manter o distanciamento se uma criança de machucar? A equipe de apoio fará o acompanhamento à distância, sem tocar no estudante? As aulas serão sistematicamente interrompidas para a higienização do espaço? Como Trabalhadoras e trabalhadores em Educação conhecemos a escola real e os riscos que a retomada precoce traz a toda a comunidade.”
Pesquisa revela contrariedade ao retorno
A terceira etapa da Pesquisa sobre Educação na Pandemia em Porto Alegre, realizada com cerca de mil professores e professoras das redes educação municipal, estadual e privada de Porto Alegre, revelou que a comunidade acadêmica é contrária ao retorno das aulas presenciais. Entre os resultados, está que 92% dos docentes são contra volta presencial de aulas sem que exista vacina contra a covid-19. Destaca ainda a falta de estrutura física para um retorno seguro, bem como os problemas que existem com a atual alternativa de aulas online.
A pesquisa foi apresentada na sexta-feira (14), apontando também que mais de 65% dos entrevistados defendem que a educação infantil seja a última a voltar. Na quinta-feira (14), Leite reconheceu que a proposta de retomar inicialmente a educação infantil é uma decisão relacionada à abertura das atividades econômicas. Para a socióloga, presidenta da Associação Mães & Pais pela Democracia e responsável técnica da pesquisa, Aline Kerber "temos muitas falas importantes privilegiando a questão econômica em detrimento às vidas. E uma concepção muito equivocada da escola como se servisse de depósito para mães trabalharem”.
Semana de debates
Para aprofundar o tema do retorno das aulas no estado, o Brasil de Fato RS e a Rede Soberania promovem uma série de lives durante esta semana. Já na tarde desta segunda-feira (17), às 16h, ocorre o debate “É viável a volta às aulas nesse contexto de pandemia?", com Aline Kerber, ao lado de representantes de duas comunidades da capital, Isabel Klein, do Comitê Contra a Fome e o Vírus da Lomba do Pinheiro, e Luana Farias, da União de Vilas da Cruzeiro.
Na quarta-feira (19), também às 16h, o debate será com representantes do CPERS e do Sinpro/RS, os sindicatos estaduais dos professores da rede pública e da rede privada, respectivamente. Já na sexta-feira (21), o debate será com estudantes.
Confira na íntegra da carta
Carta aberta à população do RS contra o retorno das aulas presenciais
As trabalhadoras e trabalhadores em Educação Pública Municipal do Rio Grande do Sul, através de suas entidades sindicais abaixo firmadas, refutam com veemência o cronograma de retorno das atividades presenciais nas escolas de Educação básica, proposto pelo Governador do Estado para consideração dos Prefeitos.
O posicionamento do Governador demonstra claramente sua subordinação a determinados setores econômicos e seu absoluto desprezo com a vida humana. Só essa premissa é capaz de explicar um cronograma descolado de protocolos de segurança sanitária e de análise minuciosa do avanço da COVID-19 em nosso Estado. A definição da prioridade de retorno dada à Educação Infantil é outra demonstração nítida de que a vida está sendo preterida em favorecimento aos interesses econômicos.
Consideramos desrespeitoso e irresponsável assumir a retomada das atividades presenciais nas escolas frente a evidente expansão da COVID-19 em nosso Estado, visto que o isolamento social é um dos principais elementos de contenção da pandemia. Se considerarmos apenas as redes municipais, com o retorno das aulas teremos 1 milhão de pessoas a mais circulando diariamente e contribuindo para a proliferação do Coronavírus. Se considerarmos também a rede estadual, as escolas privadas e as universidades, serão 3 milhões de pessoas contribuindo para a proliferação do vírus.
Entendemos que o atendimento presencial só poderá ser retomado se garantida a segurança sanitária para toda a comunidade escolar e para tal é imprescindível que:
- A curva de contágio encontre-se em níveis bem menos expressivos do que os hoje verificados;
- o sistema de saúde, hoje à beira do colapso, tenha capacidade de garantir pleno atendimento aos possíveis contaminados;
- a testagem massiva seja garantida a toda a população, principalmente, as e aos profissionais da educação e a todos estudantes antes do retorno às aulas;
- os espaços escolares sejam readequados com o objetivo de garantir o distanciamento social;
- estabeleça-se um processo de substituição imediata de todo e qualquer profissional da educação que necessite afastamento decorrente de sua condição de saúde;
- o plano de retomada tenha as trabalhadoras e trabalhadores em Educação como protagonistas, visto que serão elas e eles que o colocarão em prática.
Acreditar que as crianças não compartilharão o lanche, que não se aproximarão, não se tocarão, que manterão as máscaras corretamente posicionadas por 4 horas, que manterão higiene rigorosa sem a supervisão constante de um adulto é compor uma obra de ficção. Nessa ficção, as e os educadores conseguirão manter o distanciamento se uma criança de machucar? A equipe de apoio fará o acompanhamento à distância, sem tocar no estudante? As aulas serão sistematicamente interrompidas para a higienização do espaço? Como Trabalhadoras e trabalhadores em Educação conhecemos a escola real e os riscos que a retomada precoce traz a toda a comunidade.
As atividades remotas, criteriosamente planejadas por quem tem a Educação como profissão, estão longe do nosso ideal pedagógico, pois temos a firme convicção de que nada substitui a interação direta entre professoras, professores e seus estudantes nas salas de aula. O atendimento não presencial ora oferecido gera inúmeros desafios e imensa sobrecarga a nossa carreira, mas entendemos que hoje ele é sinônimo de amor ao próximo, é sinônimo de preservar vidas.
Portanto, reiteramos de forma veemente que a possibilidade de volta às aulas presenciais neste momento é extremamente irresponsável, afinal ano letivo recupera-se, vidas não.
Edição: Marcelo Ferreira