Rio Grande do Sul

Educação

Pesquisa aponta que 92% dos docentes são contra volta presencial de aulas sem vacina

Esse é um dos resultados da terceira etapa da Pesquisa sobre Educação na Pandemia em Porto Alegre

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Durante apresentação virtual da pesquisa, nesta sexta-feira, representantes de entidades do setor reprovaram condução da educação no município - Reprodução

A conclusão da terceira etapa da Pesquisa sobre Educação na Pandemia em Porto Alegre, realizada com cerca de mil professores e professoras das redes educação municipal, estadual e privada da capital é que não há possibilidade de um retorno às aulas sem o vislumbre da vacina contra covid-19. O resultado foi divulgado na manhã dessa sexta-feira (14).

Os dados apontam ainda que 65,6% dos educadores entendem que a educação infantil deva ser a última a voltar, ao contrário da proposta de retorno começando pelos mais jovens anunciada pelo governo estadual. Elaborada pelo Comitê Popular Estadual de Acompanhamento da Crise Educacional no Rio Grande do Sul, a pesquisa foi realizada entre os dias 23 e 28 de julho, por meio de um questionário online.

Conforme destacou Daniel Momoli, do Comitê Popular Estadual de Acompanhamento da Crise Educacional no RS, as etapas anteriores revelaram a dimensão de como a desigualdade do acesso à educação aumentou de modo assustador durante a pandemia.  De acordo com ele, a primeira etapa indicou a materialização da exclusão a partir de informações obtidas sobre o desemprego, o não acesso à internet e a computadores. Na segunda etapa os resultados indicavam a ruptura no vínculo dos estudantes com a escola e a perda do interesse nas aulas. “Fomos percebendo uma desesperança das famílias que possuem suas filhas e filhos principalmente na rede publica de ensino”, destacou.

A terceira etapa revela a percepção dos professores durante a pandemia. De acordo com os dados, 21% dos professores de Porto Alegre dizem necessitar do auxílio emergencial nesse momento. Em relação às condições para realização das atividades de ensino, apenas 22% dos professores respondentes possuem computador e internet com banda larga. Além disso, 85% dos respondentes afirmaram que estão trabalhando muito mais do que antes.

Retorno das aulas e a realidade dos professores

“Professores esgotados, trabalhando com sua própria estrutura, atendendo individualmente de madrugada, fazendo vaquinha para aluno ter celular e para ter alimento”, pontuou a socióloga, presidenta da Associação Mães & Pais pela Democracia e responsável técnica da pesquisa, Aline Kerber, sobre a realidade dos educadores durante esse período. 

Aline chamou atenção sobre a retomada do ensino, em especial o infantil. “Algumas sinalizações que nos preocupam são em relação ao posicionamento de algumas professoras da educação infantil da rede privada, que se expressam em relação ao retorno das aulas, o que vai de encontro ao que quer a comunidade escolar, em sua maioria”. Na atual pesquisa mais de 65% dos entrevistados defendem que a educação infantil seja a última a voltar.

“Temos muitas falas importantes privilegiando a questão econômica em detrimento às vidas. E uma concepção muito equivocada da escola como se servisse de depósito para mães trabalharem”, salientou. Ainda sobre o retorno de aulas acontecer no modelo de rodízio, com intuito de evitar aglomeração, 73,3 % dos entrevistados disseram ser contrários.  

Para a diretora de Educação, Formação e Cultura do Sindicato dos Professores do Ensino Privado do RS (Sinpro/RS), Margot Andras, o retorno das aulas só deve ocorrer quando tiver segurança. Segundo ela, a pesquisa mostra claramente a dificuldade que está se tendo para fazer a manutenção das aulas remotas ou domiciliares, assim como a manutenção dos postos de trabalho no ensino privado, principalmente no ensino infantil que está sendo mais pressionada para o retorno às aulas.

“Está muito claro essa pressão do negligenciamento do caráter educacional da escola.  Cada vez mais a pressão está sendo pela escola como espaço de onde eu vou deixar as crianças para poder voltar a trabalhar”, afirmou a diretora que também destacou a irresponsabilidade do governo estadual, que deveria estar se preocupado com essa questão. 

Na avaliação do doutor em Filosofia e representante da Seção Sindical ANDES-UFRGS, entidade que compõe o Comitê, Rafael Cortes, há um conjunto de argumentos extremamente precários, falhos e falaciosos que vão se somando para defender o retorno às atividades. “Nós estamos no pior momento da pandemia aqui no RS. Não é o momento de pensar em retornar as atividades presenciais, principalmente na educação, em todos os níveis. As autoridades municipais e estaduais devem traçar estratégias públicas realmente comprometidas com a garantia do direito à educação para estudantes da educação básica no período de pandemia”, avaliou. 

Condições precárias

Diretora do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), Cindi Sandri destacou o desmonte que o governo municipal está realizando em todas a políticas sociais da cidade, inclusive na educação. Além dos ataques aos direitos conquistados, como o fim do difícil acesso e a possibilidade de trabalhar em turno inverso, ela ressaltou a mobilização dos professores para atender uma demanda que o executivo não contempla na integralidade. "Temos professores atendendo com os próprios equipamentos, fazendo vaquinha para comprar alimentos para as famílias", expôs.

De acordo com Cindi, o problema das famílias que são atendidas pela rede pública municipal é a falta de comida, seja pela perda do emprego ou porque a alimentação vinha da escola para seus filhos. “Infelizmente é uma pena que não tenhamos conseguido superar esse lugar de atendimento e acolhimento que a escola faz. Fazemos isso porque o governo municipal não responde de forma a atender a realidade”.

Para Margareth Fadanelli, da Associação das Escolas Superiores para a Formação Docente (AESUFOPE), os dados refletem a situação dos professores e toda a precarização do trabalho docente. “Isso põe à mostra o quanto nossos professores estão dando conta das situações mais adversas para que o vínculo de pertença com os alunos continue acontecendo. A questão de vidas preservadas é o nosso ponto principal de luta e de preservação”, afirmou, ressaltando também a saúde mental dos professores, que está chegando ao limite.

“De março até agora reinventaram suas práticas pedagógicas, às quais não foram preparados. A intensificação do trabalho docente que já vinha acontecendo por outros motivos, agora mais do que nunca esse ensino remoto emergencial coloca os professores em um espaço de trabalho nunca antes pensado”, avalia.

Coordenadora do Instituto Dakini, uma das entidades que compõe o Comitê, Angela Spolidoro frisou que o debate nesse momento deve voltar-se às condições indispensáveis para o formato de aulas remotas em vigor. “É fundamental o acesso à equipamentos, à rede de internet banda larga, a uma rotina de trabalho que não leve nossos professores e professoras à exaustão e esgotamento”, ressaltou.

Para Daniel Momoli, não se pode permitir que nenhuma medida seja adotada ou tomada sem um diálogo amplo com a sociedade. “Temos que ter a compreensão que nosso papel é dialogar com a sociedade, com o poder público para que as políticas públicas sejam elaboradas de modo a garantir o direito à vida, à proteção, à educação e à saúde”. 

Outros dados da pesquisa 

83% dos docentes que responderam a pesquisa são do sexo feminino;

77,1% estão enviando os exercícios pela internet;

54,6 % estão realizando aulas e falando com os alunos ao vivo;

32,3% gravam aulas on-line;

15,2% estão enviando tarefas e exercícios impressos para a escola;

55,1% dor professores da rede privada disseram que sua renda diminuiu durante a pandemia, enquanto na rede pública estadual foram 51,1% e na rede pública municipal 44,2%;

Sobre as dificuldades 32,1% responderam que a maior barreira é ter que revezar o computador com outros membros da família.

Na próxima semana acontece a divulgação da quarta e última etapa da pesquisa. Acompanhe aqui a divulgação dos dados da terceira etapa da pesquisa.

 

Edição: Marcelo Ferreira