Rio Grande do Sul

LUTO E LUTA

Artigo | 100 mil mortes de 100 mil vidas

"O Brasil está em frangalhos com uma coberta curta que só cobre uma minoria e para maioria é reservada a necropolítica"

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Ato simbólico em Copacabana, no Rio, neste final de semana: "Vamos continuar tolerando o intolerável?" - Rio da Paz

A Paz Inquieta
Dá-nos, Senhor, aquela PAZ inquieta
Que denuncia a PAZ dos cemitérios e a PAZ dos lucros fartos.
Dá-nos a PAZ que luta pela PAZ!
A PAZ que nos sacode com a urgência do Reino.
A PAZ que nos invade, com o vento do Espírito,
A rotina e o medo, o sossego das praias e a oração de refúgio.
A PAZ das armas rotas na derrota das armas.
A PAZ do pão da fome de justiça,
A PAZ da liberdade conquistada,
A PAZ que se faz “nossa” sem cercas nem fronteiras,
Que é tanto “Shalom” como “Salam”,
Perdão, retorno, abraço…
Dá-nos a tua PAZ,
Essa PAZ marginal que soletra em Belém e agoniza na Cruz
E triunfa na Páscoa.
Dá-nos, Senhor, aquela PAZ inquieta,
Que não nos deixa em PAZ!

Pedro Casaldáliga,
PRESENTE, PRESENTE, PRESENTE!

 

100 mil mortes! Superior ao número de vítimas do H1N1, em que morreram 2.098 pessoas, de 2009 a 2010. Superior à bomba atômica mandada pelo EUA para explodir em Hiroshima, na qual morreram entre 60 mil e 80 mil seres humanos.

100 mil pessoas que poderiam ser a população de municípios inteiros. Segundo o Censo do IBGE de 2010, 95% dos municípios do Brasil possuem menos de 100 mil habitantes.

Qual é o limite da tolerância? Vamos continuar tolerando o intolerável?

A todos e todas que venceram a batalha da covid-19, permaneçam fortes, sempre saímos fortalecidos de uma batalha.

Mas o Brasil está em frangalhos com uma coberta curta que só cobre uma minoria e para maioria é reservada a necropolítica, ou a política para a morte.

100 mil mortes e quem mais avança nessa contagem, perde. Perdemos vidas, famílias perdem seus queridos e queridas e nesse quesito o Brasil só perde para os EUA. Alguns dirão: “ah, agora tudo é culpa do Bolsonaro”? E respondemos, nesse momento sim!

As 100 mil mortes pesam sobre o presidente da República, nesse momento histórico, pois esse governo teve tempo para organizar e planejar, pelo menos com três meses de indecência, após o primeiro caso no mundo, e nada fez.

A única coisa que o vemos fazer é andar para todo o lado do país, infectando e fazendo propaganda de um remédio sem comprovação da sua eficácia para a covid-19. O consumo de cloroquina pelos brasileiros cresceu 358% durante a pandemia, conforme o Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma), mesmo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) informando que a hidroxicloroquina é ineficaz no tratamento da covid-19.

Todavia, a produção e a propaganda da cloroquina têm sido eficazes para engordar as contas dos proprietários da Apsen, de Renato Spallicci, que triplicou em abril a produção de Reuquinol, substância base. Outro laboratório que se beneficia com o “garoto propaganda” do governo é o laboratório Germed, de Carlos Sanchez, autorizado a vender a cloroquina no país, e o laboratório Cristália de Ogari, de Castro Pacheco, filiado ao DEM, em que é, inclusive, segundo-suplente do líder do governo no Senado, Eduardo Gomes (MDB-TO).

Como bom seguidor dos EUA, o governo Bolsonaro só não superará os números de mortes daquele país, pois existe no Brasil o SUS. Um Sistema Único de Saúde, universal e que, embora as várias investidas para destruí-lo, segue firme e salvando vidas. Ainda cabe ressaltar que, o único laboratório estrangeiro autorizado a vender cloroquina no Brasil é o francês Sanofi-Aventis, que tem Donald Trump como acionista.

Nesse momento em que várias análises devem ser feitas para contribuir na análise da terrível desgraça que assola esse país, acabamos por nos deter a essa, pois foi a única atitude desse governo em relação a pandemia do coronavírus no Brasil. Mas, continuamos argumentando para responder a pergunta: “ah, agora tudo é culpa do Bolsonaro”?

Estamos em período de calamidade pública, em carácter de emergência. Nessa condição é possível aumentar gastos que não estavam previstos, bem como os gastos ocorrem de forma emergencial e por isso com reduzida burocracia, o que faz com que os recursos cheguem de forma mais rápida para atender as demandas e necessidades do povo. E o que faz o governo Bolsonaro nessa conjuntura?

Compra deputados e senadores com emendas parlamentares, sem estudo de viabilidade técnica, sem levantamento de informações, sem verificação em massa, sem quaisquer avaliações técnicas para planejamento de ações que possam reduzir as consequências dessa pandemia. Recursos para “os amigos do rei” em que se aproveitam do desespero do povo para “passar a boiada”, como dito e divulgado amplamente pelo ministro do Meio Ambiente, Salles.

O governo não faz nada com relação à Saúde, tampouco na Economia. “Ah, mas ele criou o Auxílio Emergencial”, dirão outros em sua defesa. Já tivemos a oportunidade de refletir sobre esse benefício e ratificamos que essa foi uma vitória do campo progressista desse país, que ainda confere alguma dignidade à classe político-partidária do Brasil.

100 mil vidas tiradas por um vírus, desconhecido até então, mas que todos os países, com exceção do Brasil e EUA, justamente por não conhecerem e não saberem de suas consequências, tomaram todas as medidas para proteger seu povo, no tempo certo e preservaram o que temos de substancial nessa existência, um corpo com vida.

Sinceramente, não compreendemos como Bolsonaro, Guedes e sua turma conseguem dormir. De fato, não será “o sono dos justos”. São 100 mil mortos, e nos perguntarão “ah, mas agora é tudo culpa do Bolsonaro”? E nós respondemos: Sim! 100 mil assassinados com a arma da negligência, com a arma da ignorância, pelo dogmatismo religioso que bloqueia a compreensão da desigualdade histórica e injusta desse país, pela arma que conserva os privilégios, pela arma da ganância, tudo orquestrado e chancelado por esse governo. FORA BOLSONARO!

* Letícia Chimini é militante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), assistente social, doutoranda em Serviço Social pela PUCRS

Edição: Marcelo Ferreira