Um século que uma pandemia dessa proporção não era vivenciada pelos seres humanos do mundo todo e discutimos hoje o que será normal pós esse período.
Vemos a mídia pedir insistentemente para que o isolamento seja respeitado, mas a lógica da economia e do lucro se sobrepõem ao caos sanitário. Beiramos o total de mais de 90 mil mortos no país, um genocídio maior que as mortes que a Bomba de Hiroshima, lançada pelos EUA no Japão na década de 60.
A mídia, ao mesmo tempo em que anuncia o número de mortes diárias, também faz referência ao percentual de pessoas recuperadas da Covid. Mas que recuperação é essa? Já se perguntaram?
Ficamos ouvindo todos os dias que as UTI’s estão esgotadas, que os trabalhadores de saúde estão morrendo, estão mesmo, convivemos com uma total falta de dados e trabalhamos com dados obtidos por entidades que representam esses trabalhadores porque a condução pelo governo em todos os níveis de atenção não se preocupou, ou não tem interesse em detalhar.
Faço aqui uma reflexão como enfermeira obstétrica e trabalhadora do SUS na Atenção básica: tudo isso precisa ser discutido e mostrado que em todos os níveis de atenção, seja ele primário, secundário ou terciário a realidade da pandemia tem que ser trabalhada com responsabilidade. A atenção básica está recebendo os pacientes com suspeita de Covid e também a grande leva de pessoas recuperadas e tão anunciadas na mídia, pessoas essas que ficam com sequelas problemas renais, cardíacos, entre outros tantos, incluindo os de origem mental, porque muitas vezes várias pessoas da família foram a óbito e nem a despedida foi possível.
Para nós, trabalhadores da saúde - os mesmos que são tratados como heróis – resta o descaso dos gestores, trabalhamos na linha de frente sem testagem, sem equipamentos de segurança adequados, sem fluxos de atendimento adequados e sem adaptação para o momento critico que estamos passando.
Gostaríamos que a sociedade refletisse sobre essa rotina desumana que seres humanos iguais a todos estão submetidos em todos os níveis, ela hoje não tem nada de heroico sobra cansaço por intermináveis horas de trabalho, sim os gestores com a desculpa de menos exposição aumentaram as cargas horarias dos trabalhadores, por traz desses atos estão os trabalhadores em jornada extenuante que por não ter certeza que haverá outro EPI passa mais de 12h sem se alimentar, ir ao banheiro, beber água.
Conviver com o medo de ser o vetor das pessoas que mais ama, se submeter muitas vezes ao afastamento para que o risco seja atenuado. E quando, por força do trabalho tem o diagnostico confirmado para Covid–19, ainda tem de ouvir do gestor que o mesmo não vai fornecer a CAT (comunicação de acidente de trabalho), um direito de todo trabalhador. E pior, sob a justificativa pífia que é preciso ver o nexo para determinar doença ocupacional. Somente os que desconhecem essa rotina podem pensar que exista discussão de onde ocorreu a contaminação.
Essa é a realidade que os trabalhadores convivem diuturnamente no combate a pandemia, esses são os efeitos de uma sociedade que discuti a importância do lucro em detrimento da vida, como se essa dicotomia pudesse ser tratada, de um desgoverno que trata a maior calamidade do século como “gripezinha” e demonstra isso quando há mais de 70 dias tem no Ministério da Saúde um interino, que desconhece totalmente a gravidade das questões sanitárias.
*Cláudia Ribeiro da Cunha Franco, Enfermeira Obstétrica, Presidente do Sindicato dos Enfermeiros no Estado do Rio Grande do Sul (SERGS) e Diretora de Movimentos Sociais da CNTSS/CUT
Artigo publicado originalmente no site do SERGS
Edição: Marcelo Ferreira