Cerca de 130 pessoas de 62 municípios gaúchos participaram na manhã desta segunda-feira (3) da audiência pública sobre as perdas dos agricultores familiares e assentados da reforma agrária com as emergências climáticas - seca, vendavais e enchentes - ocorridas neste ano. A audiência foi promovida pela Comissão Mista Permanente da Defesa do Consumidor e Participação Legislativa Popular, a pedido dos deputados estaduais Edegar Pretto (PT) e José Nunes (PT).
Na ocasião, foi apresentada a Carta da Agricultura Familiar e Camponesa, que foi enviada aos deputados proponentes e será remetida ao presidente da Assembleia Legislativa, Ernani Polo, e ao governador Eduardo Leite. O documento é assinado pela Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do Rio Grande do Sul (FETRAF-RS), o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a União das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária (Unicafes/RS).
O motivo do evento, segundo Pretto, foi a falta de providências sobre os problemas dos governos federal e estadual. O deputado lembrou que em dezembro de 2019 foram registrados os primeiros pedidos de decretos dos municípios e hoje chegam a 400 que decretaram situação de emergência. “A situação é dramática, e é necessário que o poder público estenda a mão para quem precisa de ajuda, pois o que foi feito até agora está aquém do esperado”, lamentou.
Pretto disse que em janeiro, quando esteve como presidente interino da Assembleia Legislativa, foi realizada uma reunião com o governador e representações de diversos municípios e entidades da agricultura familiar. Uma das reivindicações entregue com a pauta geral dos movimentos do campo foi a sugestão da criação de um comitê do governo para centralizar ações contra a seca, que não foi atendida. O deputado ainda citou reuniões com o secretário de Agricultura do estado, Covatti Filho, e em Brasília com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e lamentou o descaso com o setor que produz o alimento essencial para a vida das pessoas.
O deputado ainda lembrou que dias atrás o governo do estado fez um anúncio de R$ 55 milhões para atender o setor, sendo que a maior parte dos recursos não vieram do governo. “É muito pouco e não estamos conformados que um estado agrícola não tenha ação efetiva diante de tudo que está acontecendo, agravado pelo momento de pandemia”. Pretto ainda citou a rede de solidariedade que se formou no RS para ajudar as famílias em situação de vulnerabilidade, com doações de movimentos do campo para trabalhadores e trabalhadoras da cidade.
O deputado Zé Nunes (PT), por seu turno, lembrou que o Rio Grande do Sul vive uma situação muito particular no que diz respeito à atenção dada à estiagem desde novembro de 2019. “Nos últimos 20 anos, nosso estado enfrentou cinco secas, o que se consolida como um problema cíclico e não ocasional. Porém, nunca vimos tão pouco caso de um governo, como no atual período. Os R$ 29 milhões em emendas federais mais os R$ 10 milhões da Assembleia são troco para o tamanho deste problema. Dividindo estes valores para os municípios, se torna impossível amenizar o problema, com tão pouco recurso”, afirmou ele.
Para Zé Nunes, mesmo após as chuvas, é impossível não lembrar que os agricultores já estão endividados. Por conta disso, defende que é fundamental pensar em políticas permanentes, de longo prazo, para estruturar o estado em relação a este tipo de sinistro. “Precisamos refletir a partir de políticas preventivas, para enfrentar as próximas estiagens, porque, infelizmente, elas virão. No início deste governo, tivemos desmantelamento da Secretaria do Desenvolvimento Rural (SDR), e com todo respeito, não temos uma política concreta na Secretaria de Estado da Agricultura. O atual governo não teve centralidade, não teve nem altivez para cobrar ações do governo federal”. Por fim, o deputado sugeriu a criação de um fundo público para secas e desastres com recursos que não caiam no caixa único, mas que sejam utilizados apenas para este fim.
Entidades camponesas se manifestam
Rui Valença, (presidente da FETRAF/RS): "Estamos vivendo no RS um dos piores momentos, o que nos deixa indignados e tristes é que começamos a tratar do tema da seca lá no meio de janeiro, quando entregamos nossa pauta e tentamos dialogar com a Secretaria da Agricultura. São oito meses aí. Dia 8 de abril tivemos uma audiência com o Covatti Filho onde foi acertado algumas coisas sobre a estiagem, como a criação de um comitê de enfrentamento à estiagem, infelizmente passado quatro meses nada foi feito. Então, 15 ou 20 dias depois da enchente, o governo do estado faz um anúncio sobre a estiagem. O que deveria é ser feito sobre a enchente. Não lembro de uma falta de atenção e de respeito com as entidades. Os poços de água são importantes, mas não são suficientes. Esperávamos recursos para minimizar a estiagem". Rui apresentou a Carta da Agricultura Familiar e Camponesa.
Adelar Pretto (dirigente do MST e integrante da Via Campesina): "Existe um descaso da situação que vivemos no campo hoje. Tivemos um ano atípico e esperamos que nunca mais volte a acontecer uma coisa dessas, porque nós na roça estamos sofrendo muito. Temos seis meses de estiagem e praticamente nada foi feito. A única ação que teve do governo do estado que nós pautamos desde o começo foi a semente do milho do Troca a Troca. Isso nos mostra o descaso deste governo com a nossa pauta e com a agricultura do Estado do RS. Sendo que houve governadores em secas semelhantes que essa, em 2012 por exemplo, o governador Tarso Genro mandou até trigo para dar para os animais, cesta básica e o cartão estiagem. E com esse governo não saiu nada e não foi por falta de alerta".
Gervácio Plucinski (presidente da UNICAFES/RS): "Se pegarmos a agricultura familiar no RS, no último censo, somos quase 300 mil famílias. Pegando todas as propriedades nós representamos mais de 80% de propriedades rurais do estado. E nós representamos 70% dos alimentos que vão à mesa das pessoas. Trago esses elementos para mostrar a importância deste setor. Com relação a estiagem foi a maior e eu não lembro de termos 400 municípios decretando emergência por conta disso. Abrimos negociação com o governo federal e o estadual. Tínhamos promessa de avançar, mas não avançou. A nossa solicitação de criar um grupo de trabalho com outras secretarias além da Agricultura, centro do governo, isso foi prometido em audiência. É um descaso muito grande do governo conosco".
Frei Sérgio Göergen (Movimento dos Pequenos Agricultores - MPA): "Eu acho que o Covatti Filho está sendo injustiçado. Quem deveria fazer alguma coisa é o governador Eduardo Leite, mas ele ficou de costas, insensível, ausente, omisso. O que o governo fez até agora é perfumaria. A seca, estiagem, já passou. Hoje nós temos chuva até em excesso em algumas regiões. As consequências e os efeitos dessa seca não passaram e não passarão tão rapidamente. Então o papel do governo não passou e vai demorar para passar. Essa teoria neoliberal de que não há necessidade de governo é uma furada. E é essa teoria com que governa o atual governo, por isso ele ficou de costas, ausente, omisso, neste ato tão grave que atingiu o RS".
Kaliton Prestes (representando a FETAG): "O RS passou por uma seca das mais severas e temos muitas dificuldades para que os agricultores familiares possam continuar produzindo. Tudo o que foi pautado com o governo federal e o governo estadual nós tivemos avanços, mas que ficaram muito aquém das nossas expectativas e das necessidades dos nossos agricultores. E a agricultura não espera, pois é uma atividade muito dinâmica".
Juliano de Sá (presidente do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável do RS - Consea): "Nós entendemos que a questão da estiagem e da seca mexe com uma questão estratégica, que é a segurança alimentar do Estado e que não começou agora. Inclusive entendemos de grande relevância uma das iniciativas do governo do estado de, lá em fevereiro, via decreto regulamentar a Câmara Setorial da Segurança Alimentar, pois é por meio dessa câmera que se pode construir uma estratégia de uma secretaria dialogar com a outra. Porém não ocorreu nenhuma reunião ainda dessa câmara setorial. Aliás, o Consea emitiu diversas recomendações ao governador sobre medidas específicas e nenhuma foi aceita até agora. Nem em relação à pandemia, nem à estiagem".
Rafael Rafaelli (Defensor Público): "Percebemos as dificuldades que o agricultor passa em tempos de normalidade, imagina em tempos como esse de anormalidade. A Defensoria vem atuando de forma muito forte na renegociação de dívidas. Coloco aqui a instituição à disposição pois muitos agricultores ainda vão passar por dificuldades no quesito econômico. Temos a Câmara de Conciliação que pode ser uma ajuda a todos os agricultores familiares do RS".
Mário Nascimento (representando a FAMURS): "O que acontece é a demora para responder às demandas das entidades e municípios e quem está na ponta sofre as consequências. Temos pautado o governo federal, o governo do estado para que seja rapidamente liberado esses recursos. Existe um problema na Funasa pela a liberação desses recursos. Nos somamos à luta da Assembleia e entidades por políticas permanentes neste setor e que irão ajudar na prevenção de estiagem".
Promessas do governo
Representando a Secretaria da Agricultura, esteve na audiência o chefe de gabinete da Secretaria, Erli Teixeira. Ele afirmou que o Ministério da Agricultura estará no RS ao longo desta semana para tratar da última fase do Estado Livre da Aftosa. Além disso, foi realizada a construção de um site para que produtores da agricultura familiar possam continuar comercializando seus produtos. Afirmou que faz poucos dias que o secretário Covatti assinou um convênio de R$ 600 mil com três escolas agrícolas do RS, em 2019 foi dada anistia de 100% da safrinha e 60% do Troca Troca. Lembrou que cerca de 400 famílias de comunidades quilombolas do RS estão sendo beneficiadas com o fornecimento de 1.450 toneladas de calcário dolomítico pela Secretaria da Agricultura.
A audiência foi presidida pelo deputado Elton Weber (PSB), com a presença dos parlamentares Fábio Branco (MDB) e Silvana Covatti (PP), a suplente ao Senado Cleonice Back; Salete Carollo, da Cooperativa Central do Assentados do RS; Bruno Justim, do Coletivo de Desenvolvimento Regional do Litoral Norte; e Douglas Cenci, do Sindicato Unificado dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do Alto Uruguai – Sutraf.
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* Com informaçõas da Agencia de Notícias da Assembleia Legislativa
Edição: Marcelo Ferreira