Um genocídio em andamento, com uma pandemia destruindo vidas, relações e postos de trabalho. Milhares morrendo, milhões chorando, enormidade delas, mortes evitáveis.
Os pobres desorientados, abandonados e enganados. O povo indígena abandonado à sua própria sorte. O desemprego e a fome batendo às portas de milhões. Camponeses sem apoio. A democracia ameaçada, Amazônia devastada, meio ambiente degradado e as ideias fascistas buscando legitimação na sociedade. A mentira grassando em todos os cantos.
Muitos, milhões, fiéis em Deus, assumindo-se cristãos, confusos, desorientados, com tantas palavras desencontradas. Alguns ditos representantes de Deus abençoando e defendendo este descalabro todo. E o santo nome de Deus e o Evangelho de Jesus usado para legitimar a opressão, a injustiça, o autoritarismo e o genocídio.
Vozes proféticas soavam cá e lá, importantes, significativas, porém, sem a força coletiva da investidura sagrada.
Há momentos na história em que o silêncio é o pecado da omissão.
Quando Jesus entrou em Jerusalém, montado no burrico, sinal da humildade e serviço ao povo, representava a esperança e o caminho a seguir. Numerosos discípulos, no relato de Lucas, levantaram a voz e saudaram o fulcro de vida que Jesus representava em meio à tanta injustiça, morte e opressão. Os poderosos, representados na voz dos fariseus, exigiam seu silêncio.
“Do meio da multidão, alguns fariseus lhe disseram: ‘Mestre, repreende teus discípulos’. Mas ele respondeu: ‘Eu lhes digo: se eles calarem, as pedras gritarão’.” Lc 19, 39-40.
Há horas em que há de se dizer: chega. Ou as “pedras gritarão”. Acredito que este momento soou no coração e na mente dos bispos que assinaram a Carta ao Povo de Deus. Por isto a voz profética necessária irrompeu no documento de 152 bispos católicos e ecoou pelo Brasil afora.
Há que se valorizar a coragem destes profetas. Há que se ter compreensão com os vários que, de coração, assinariam, mas que, por cuidados locais, cautelas pastorais, razões institucionais, não puderam ou preferiram não aportar seus nomes na importante carta.
Para os mornos, rezo para que a misericórdia divina seja maior do que o adágio de Apocalipse 3, 15-16.
Já os pastores católicos que defendem e apoiam o atual governo, aguardo e respeitarei sua posição pública em manifesto escrito, com seus argumentos e suas razões. Seria importante para o debate, para o pluralismo, o respeito às posições diversas, mas também, a exposição ao escrutínio público.
De resto, bendito momento que 152 discípulos gritaram antes que as pedras.
Sinal de estímulo à organização da sociedade para salvar vidas e construir processos coletivos para reestruturar a sociedade brasileira em bases solidárias, justas e fraternas, durante e pós pandemia.
(*) Frade Franciscano, autor de “Em Prece com os Evangelhos”.
Edição: Marcos Corbari