Esse ano comemoramos 86 anos de conquista do sufrágio feminino no país. E 23 anos da lei de cota eleitoral que determinou 30% das candidaturas dos partidos ou coligações para cada sexo em eleições proporcionais. Em 2018, 30 anos do nascimento da Constituição Cidadã, elegemos 77 deputadas federais, maior número da história, ampliando de 11% a 15% a presença feminina no Congresso. O número de jovens, negras, pobres e LGBTs aumentou significativamente.
As mulheres são 52% da população, 52,5% do eleitorado e quase metade das filiadas a partidos políticos, mas são menos de 15% dos representantes, o que nos coloca em 157º lugar no ranking da Inter-Parliamentary Union, composto por 196 países. A Revista Forbes apontou, em matéria publicada em abril, que os lugares que estão lidando melhor com a crise do coronavírus são liderados por mulheres. Islândia, Tailândia, Alemanha e Nova Zelândia, Finlândia e Dinamarca foram apontados como exemplos de gestão de crise de saúde.
É notório que o espaço da política, principalmente de tomada de decisão, precisa ser ocupado cada vez mais por mulheres. Os movimentos de mulheres, feministas, artistas e lideranças políticas há muito repetem essa afirmação como uma resposta a um Congresso majoritariamente ocupado por homens (em sua maioria de meia-idade, heterossexuais e brancos).
Estas e outras questões relacionadas à presença feminina na política são o tema desta nova Série Mulheres na Política.
Em um intervalo de cinco meses, entrevistamos Ana Affonso, Tati Paulino, Tereza Fujii, Vera Daisy Barcellos, Alice Martins, Abgail Pereira, Neida de Oliveira, Vitalina Gonçalves, Salete Carollo, Sônia Guajajara, Sofia Cavedon, Manuela D'Ávila, Fernanda Melchionna, Maria do Rosário, Silvana Conti, Karen Santos, Misiara Oliveira e Laura Sito. Confira!
“As mulheres enfrentam muitas barreiras dentro dos partidos, porque, nos bastidores, elas organizam as lutas sociais, constroem os movimentos, lado a lado com os homens. Mas, raramente, as mulheres têm a oportunidade de ocupar espaços de visibilidade. Esse destaque para as mulheres, para a construção partidária e a defesa ideológica que ajudamos a fazer, precisa acontecer dentro dos partidos e não apenas para cumprir com determinações ou cotas.”
Professora da rede Municipal em São Leopoldo, desde 1992, Ana Affonso assumiu o primeiro concurso quando tinha 19 anos. Foi lecionar em uma escola pública, grande e de periferia. Desde então, essa é uma das bandeiras em que ela mais acredita: a defesa da escola pública de qualidade. Já foi diretora de escola e presidenta do Sindicato dos Professores do município (Ceprol), de 2001 a 2003. Um ano depois foi a primeira mulher do Partido dos Trabalhadores (PT) eleita para a Câmara de Vereadores. Em 2008 foi reeleita como a vereadora mais votada na cidade para o segundo mandato. Em 2010 se elegeu deputada estadual com 38.525 votos. Foi a única mulher eleita na região do Vales do Sinos, Caí, Paranhana e Taquari).
:: Confira a entrevista completa com Ana Affonso ::
“As mulheres organizadas no MAB começam a ocupar espaços de coordenações em nível local, regional e nacional e, em seguida, passam a discutir e construir seus espaços auto-organizados. É daí que surge a consigna ‘Mulheres, água e energia não são mercadorias’. E inicia toda uma formulação do nosso papel no MAB, na construção do feminismo popular e na transformação das estruturas opressivas e exploradoras da sociedade capitalista.”
Tatiane Paulino Bezerra iniciou sua apresentação assim: “Sou mulher preta nordestina, atingida pela Barragem do Castanhão, no Ceará.” E essa é a sua força para enfrentar as tarefas desde que ingressou nas fileiras do Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB, em meados dos anos 2000. Há 5 anos reside no Norte do Rio Grande do Sul, onde integra a Coordenação Estadual da organização e também o Movimento de Afectados por Represas em Lationoamérica - MAR, articulação de 22 países da América Latina, com representação da América do Norte e Europa, na construção de um movimento de atingidos por barragens nesses continentes.
:: Confira a entrevista completa com Tati Paulino ::
“A mulher representa 51,8% da população, chefia 45% dos lares e ainda ganha 20,5% menos que os homens, isso porque a representação é masculina. A mulher precisa e deve, cada vez mais, participar da vida política como protagonista das suas reivindicações, mas isso nem sempre é fácil. Quem assiste o machismo, a desqualificação e o desrespeito vívidos por muitas parlamentares, produzidos pelos próprios colegas, se desestimula.”
Coordenadora geral do Sindicato-ASUFPel e diretora da pasta de aposentados da Fasubra, Tereza Fujii se licenciou das entidades representativas para assumir um novo desafio, o legislativo. A dirigente sindical, que está aposentada após trabalhar por 40 anos na Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), acredita que é possível transformar boas ideias em ações que contribuam com a povo.
:: Confira a entrevista completa com Tereza Fujii ::
"Mesmo que se perceba o crescente número de mulheres brancas nas redações, é sabido que as diferenças são gritantes em relação aos homens quando nos referimos aos salários, e no acesso aos cargos de chefia. E, também, cabe observar que no exercício da profissão, muitas mulheres enfrentam o machismo no universo das redações, que se revela nos assédios moral e sexual, através de piadas, desrespeito e desqualificação profissional, nem sempre denunciados e que se configuram como casos de violência de gênero."
A carreira da presidenta do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do RS, Vera Daisy Barcellos, começou em junho de 1971, quando recebeu seu diploma da Faculdade de Jornalismo e Biblioteconomia da UFRGS. Com uma longa militância no movimento negro, Vera Daisy iniciou sua caminhada em plena ditadura militar, integrando, inicialmente, o Grupo Palmares idealizado pelo professor Oliveira Silveira. Também foi fundadora e jornalista responsável da revista Tição, um marco na imprensa alternativa gaúcha focada na questão étnico-racial. Nas redações dos jornais comerciais também foi pioneira, sendo das primeiras mulheres negras nas redações. Na história de 78 anos do Sindicato dos Jornalistas do RS é a primeira vez que uma mulher negra assume a presidência.
:: Confira a entrevista completa com Vera Daisy Barcellos ::
"Ser uma mulher indígena no contexto urbano é ser coletiva, carregar uma comunidade, mas não dentro de uma aldeia que é o que as pessoas idealizam. A sociedade principalmente idealiza o que ela quer, porque ela não quer ver os indígenas ocupando espaços. A sociedade não quer saber que tem indígena no contexto urbano. Somos mais de 34 mil indígenas vivendo no contexto urbano.”
Alice Martins é uma mulher indígena no contexto urbano, liderança do Centro de Referência Afroindígena do Rio Grande do Sul, coordenadora do Levante Indígena Urbano do Rio Grande do Sul e da Rede Indígena POA, que foi uma rede criada para recolher donativos para as mulheres indígenas. Incentivada pela militância de seu pai, cresceu inconformada com as desigualdades sociais. É moradora e liderança da Ocupação Baronesa, em Porto Alegre, e também morou na Ocupação Saraí e em outra ocupação lá em Pelotas, onde fez o vestibular dentro do processo das ações afirmativas para os povos indígenas. Passou para Pedagogia e agora está tentando transferência da UFPel para a UFRGS.
:: Confira a entrevista completa com Alice Martins ::
"Neste momento ímpar em que vivemos – de uma pandemia, uma crise sanitária sem precedentes, de extremas dificuldades para as mulheres e para a humanidade – é preciso aprofundarmos nosso entendimento sobre a contribuição da luta das mulheres para as transformações que são inadiáveis, no mundo e em nosso país, para que se compreenda que ser diferente não significa ser inferior."
Abgail Pereira tem uma longa história na política gaúcha. No final dos anos 1970 se filiou ao PDT, e desde 1985 está no PCdoB. Sua trajetória começou no movimento sindical, mas a luta em defesa das mulheres e da classe trabalhadora sempre estiveram vinculadas. Participou da fundação da CTB (Central dos Trabalhadores Brasileiros), foi candidata a vice-prefeita de Caxias do Sul, em 2008, e ao Senado Federal, em 2010 e 2018, na chapa do senador Paulo Paim, do qual é assessora atualmente. Nesta função, compõe a Força Tarefa de Combate aos Feminicídios do Rio Grande do Sul.
:: Confira a entrevista completa com Abgail Pereira ::
"As mulheres, quando se levantam, revelam uma força espetacular para fazer girar a roda da história, desde o seu início, ao lutar por igualdade política, direito ao voto, educação, direito a bens familiares e até ao divórcio, foram as marcas de uma época determinada pela entrada das mulheres no mundo do trabalho."
Neida Porfírio de Oliveira é professora. Atualmente integra o Conselho Geral do CPERS e o Diretório Nacional do PSOL. Sua trajetória se confunde com a história da categoria dos (as) Trabalhadores (as) em Educação, organizada no CPERS/Sindicato, do qual já foi vice-presidente.
:: Confira a entrevista completa com Neida de Oliveira ::
“Boa parte de nossas entidades sindicais, de todas as instâncias, são presidencialistas e o ‘cargo’ de presidente é ocupado por um homem. Aqui no RS, por exemplo, quando reunimos as centrais sindicais, no cargo de ‘coordenação’ todos são homens.... Mas isso não quer dizer que, nós, mulheres, aceitamos e nos acomodamos com essa situação. Há ventos de mudança dentro do movimento sindical.”
Vitalina Gonçalves, mulher, professora, 51 anos, natural de Quaraí, é militante da Educação. Também ocupou os cargos de secretária Geral da Central Única dos Trabalhadores (CUT/RS) e presidenta do Sindicato dos Professores Municipais de Gravataí (SPMG/Sindicato), mas está licenciada para concorrer à vereança em Gravataí. Esteve na linha de gente dos movimentos no estado contra o golpe à presidenta Dilma Rousseff e a condenação injusta do presidente Lula.
:: Confira a entrevista completa com Vitalina Gonçalves ::
“Não é somente a violência física que é o ápice, é o óbito, mas também a violência por parte do Estado. Várias formas de violência que acontecem e que nesse momento no Brasil aprofundam-se quando temos uma pessoa que dirige o país e que faz a gestão do Estado, desmontando todos aqueles pequenos direitos que nós fomos conquistando, seja no trabalho, na aposentadoria [reforma da Previdência], ou na implantação de megaprojetos como da mineração, que nos retira daquele território.”
Mulheres em Luta, Semeando Resistência foi o lema. Salete Carollo, dirigente nacional do MST pelo Rio Grande do Sul, ressalta que esse lema representa a importância das mulheres na luta por terra, educação, saúde, e na conquista de seus direitos. Nesta entrevista, ela conta sua trajetória no movimento que iniciou lá no acampamento da Fazenda Annoni e também fala das dificuldades enfrentadas pelas mulheres e as campanhas defendidas pelo movimento. Entre elas, há mais de uma década, está o basta de violência.
:: Confira a entrevista completa com Salete Carollo ::
"Eu já nasci militando. A minha vida inteira foi lutando contra esse anonimato, contra essa invisibilidade dos povos indígenas. Todo tempo eu queria encontrar um rumo, um jeito de como trazer essa história e essa vida dos povos indígenas para um conhecimento da sociedade. Porque eu sempre percebi que a história contada sobre os povos indígenas não é uma história real, e ainda no ensino fundamental os livros tratavam, e como tratam até hoje, dos povos indígenas como os povos indígenas de 1500, como povos do passado."
Sônia é professora do ensino fundamental, auxiliar de enfermagem, liderança indígena feminista. Mas a sua força e coragem lhe levaram a alçar voos maiores, chegando a ser a primeira mulher indígena a concorrer numa chapa à presidência da República, em 2018, aos 44 anos. Ela é uma das maiores lideranças indígenas e ambientais do país. Ocupa cargos como a Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão (COAPIMA), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e a Associação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), onde é coordenadora executiva.
:: Confira a entrevista completa com Sônia Guajajara ::
"O número de mulheres na política corresponderá à mudança cultural que pudermos provocar formando meninos e meninas mais igualitários, interrompendo a reprodução do machismo e do sexismo, que retira as mulheres da vida comunitária e pública por impingi-la com a exclusividade das tarefas de reprodução e dos cuidados com a vida. Mais ainda, a formação desigual de homens e mulheres as coloca na submissão deles, na dependência econômica e cultural e produz homens autoritários, reproduz os comportamentos abusivos, dominadores e violentos."
Sofia veio da cidade de Veranópolis para estudar Educação Física na UFRGS. Trabalhou como professora e atuou no movimetno sindical. Em 2000 foi eleita vereadora de Porto Alegre, onde atuou por cinco mandatos. Em 2018 elegeu-se deputada estadual. Atualmente, preside a Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa. Em sua trajetória está a defesa dos serviços públicos de qualidade, especialmente na área da educação e na preservação e qualificação dos espaços públicos para garantir o direito do povo ao esporte, ao lazer e à cultura.
:: Confira a entrevista completa com Sofia Cavedon ::
"Só acredito em uma realidade melhor se a gente enfrentar a desigualdade. Nossa desigualdade tem raça, tem gênero. Por isso, fazer valer a voz das mulheres na próxima eleição e em toda a luta política é o único caminho para reconstruirmos o Estado, garantirmos seu olhar atento aos mais vulneráveis. Não haverá mudança sem as mulheres na linha de frente."
Manuela é jornalista e mestre em Políticas Públicas pela UFRGS. Além de vereadora, foi deputada federal e deputada estadual. Em 2018, concorreu à vice-presidência da República na chapa com Fernando Haddad. Atualmente, é presidente e fundadora do Instituto E Se Fosse Você?, ONG voltada para criação de conteúdo de combate à fake news e ódio nas redes.
:: Confira a entrevista completa com Manuela D'Ávila ::
"As políticas para mulheres devem ser pensadas por nós, mulheres, pois somente nós sabemos os problemas que em geral nos acometem, decorrentes da discriminação de gênero e da desigual divisão sexual do trabalho de nossa sociedade patriarcal."
Feminista, ativista social, sendo referência na luta por transporte público de qualidade, moradia digna e popular, defesa do serviço público, defesa da leitura e educação de qualidade e combate aos privilégios, foi vereadora de Porto Alegre por 10 anos. Na última eleição, foi a mulher mais votada para o Congresso Nacional.
:: Confira a entrevista completa com Fernanda Melchionna ::
“O mais grave quando mulheres públicas são atacadas é repercutir na sociedade a ideia de que as mulheres não servem para exercer o poder. O que ocorreu com a presidenta Dilma, além dos claros objetivos de mudar o modelo político e econômico do país, foi a aplicação de uma estratégia de caráter misógino para destruí-la também enquanto mulher. Para isso, usou-se e usa-se a violência simbólica, a ameaça, a requisição permanente de nossas atenções, daí ao invés de trabalharmos temos que nos defender”.
Pedagoga, mestre em Educação e Violência Infantil e doutora em Ciência Política, começou a militância no movimento estudantil secundarista e como professora da rede pública municipal e estadual obteve notoriedade no movimento sindical. Defensora dos Direitos Humanos, Maria do Rosário foi uma das deputadas mais atacadas nos últimos anos no Brasil.
:: Confira a entrevista completa com Maria do Rosário ::
"Em um país marcado pela severa opressão patriarcal, romper com a desigualdade de gênero nas esferas de poder, seja no Legislativo, Executivo ou Judiciário, é tarefa de muitas gerações. E embora o avanço de ocupação de espaços de poder pelas mulheres seja perceptível na sociedade brasileira, ainda há muito que evoluir para se alcançar a necessária paridade de direitos."
Nascida em 1964, nos dias de chumbo da ditadura militar, a professora aposentada pontua que os dias atuais lembram aqueles tempos passados, e que são permeados por violência, mordaça e barbárie.
:: Confira a entrevista completa com Silvana Conti ::
"O papel da mulher negra na sociedade e na política é um devir, a comunidade negra analisando e se posicionando em relação aos fatos corriqueiros de violência e exploração a que somos expostas ajuda a forjar essa consciência coletiva que é necessária para entendermos qual o nosso papel coletivo e histórico."
Mulher negra, jovem, a representante parlamentar do PSOL, na Câmara Municipal de Porto Alegre, é também professora da rede estadual.
:: Confira a entrevista completa com Karen Santos ::
"As mulheres, no decorrer da história, vêm atuando na política, e no Brasil não é diferente. Não temos nenhum momento significativo como Nação que não tenha tido a presença das mulheres, nas bases dos movimentos políticos, ou mesmo exercendo suas lideranças, apesar de muitas vezes a história oficial invisibilizar estas lideranças femininas."
Feminista, ativista em Direitos Humanos e integrante da Executiva Nacional do PT, Misiara Oliveira iniciou cedo sua atuação política
:: Confira a entrevista com Misiara Oliveira ::
"Nós mulheres negras somos apenas 2% da Câmara dos Deputados, nossa sub-representação está coerente com a nossa condição cidadã neste país. Somos as maiores vítimas de violência, ocupantes dos piores e mais precarizados postos de trabalho, logo com os menores salários, e com acesso à saúde mais precarizado, etc. Importante considerar o fato que somos 1/4 da população do Brasil. Por isso, e tantas outras coisas, figuras como de Marielle e Benedita da Silva são tão importantes, representam milhares de nós, invisibilizadas inclusive pela agenda política dos setores de esquerda e progressistas."
Vice-presidenta do PT Porto Alegre, jornalista e servidora municipal da Prefeitura de Porto Alegre, Laura abre o especial falando da importância da representatividade e de aspectos sociais e políticos.
:: Confira a entrevista com Laura Sito ::
Edição: Katia Marko