O Instituto Novos Paradigmas (INP) reuniu, na noite desta quinta-feira (23), três ex-ministros da Justiça e da Defesa para debater a conjuntura da segurança nacional no Brasil. O painel intitulado "As Forças Armadas, Defesa Nacional, soberania e democracia" apresentou um debate doutrinário de alto nível, contribuindo com a problematização da pauta que cresce tanto na sociedade civil e como na esfera política. Participaram Nelson Jobim, ministro da Justiça do governo do presidente FHC e ministro da Defesa do presidente Lula; Raul Jungmann, ministro da Defesa do governo Michel Temer; Tarso Genro, ministro da Justiça do governo Lula e presidente do INP, sob mediação de Jorge Branco e Marcelo Daneris.
O ex-ministro Nelson Jobim abriu o debate destacando a atual destinação constitucional das Forças Armadas. Delimitadas pela Constituição de 1988, estão condicionadas à requisição ou determinação dos poderes civis constituintes, eliminando o chamado “poder moderador” dos militares. Elementos como a exclusão do poder de veto e a interiorização de militares para ações voltadas à proteção de fronteiras (principalmente na Amazônia) também afastaram as fardas das posições políticas de comando, auxiliando nesse processo de desmilitarização das funções públicas, afastando também o risco de uma intervenção militar autogerida.
Debate fundamental
Na sequência, Tarso Genro classificou o debate como “fundamental” para o processo pelo qual o país vem passando. Enfatizou que entende a participação de militares no contexto político como algo que tende a ser continuado, dentro de um processo necessário e correto, uma vez que pode se dar tanto dentro de organizações políticas quanto em transações dentro de determinados governos. “Desde que as Forças Armadas não transgridam suas funções como política de Estado, esse papel será um papel fundamental, e temos um momento lapidar para essa questão”, disse.
Genro elencou algumas das experiências que teve ao longo da vida com militares - inclusive no cárcere, como preso político -, e classificou essas relações como “excepcionas”. De acordo com ele, as Forças Armadas não estão preparando um golpe: “uma parcela está sendo cooptada por este governo Bolsonaro, mas se ocorresse um novo golpe, o que não acredito, não seria Bolsonaro a ficar no poder”, disse. Tarso também discorreu sobre a Política Nacional de Defesa, atualizada em 2005 e reatualizada em 2012, baseada rigorosamente sobre a norma constitucional de 1988, que garante a América do Sul como uma zona livre de conflitos.
Criação do Ministério da Defesa
Já o ex-ministro Raul Jungmann retoma o período da redemocratização, quando os militares acabam sendo inseridos dentro de um “vazio”. Ele explica que esse vazio se refere a uma série de elementos, estruturas e teorias que caíram ou foram reduzidas, levando a categoria do combate à subversão para uma realidade de anistia e retomada dos direitos civis. Nisto, há um vácuo em que os militares ficam em segundo plano até o governo FHC, quando se passa a debater a criação do Ministério da Defesa, no final da década de 1990.
A partir de então, se tem o início de um encaminhamento das Forças Armadas para um novo rumo dentro do agora processo democrático, ainda que de forma incipiente. De acordo com Jungmann, até então, não havia uma política ou uma estratégia de defesa para o Brasil, que vem apenas no governo Lula, com o ministro Nelson Jobim. É neste contexto que se volta a inserir os militares dentro de um real projeto de segurança nacional, atribuindo poderes que anteriormente estavam extintos à categoria, mas mantendo as rédeas da situação sob a tutela do Congresso, do poder civil.
A expectativa, neste momento, era de que surgisse um grande período de debates entre as partes, mas isto não aconteceu. O Congresso, por exemplo, não realizou debates ou audiências públicas sobre a segurança e a defesa nacionais, levando dois anos para aprovar o plano pelo governo. “Nós olhamos muito sobre os militares, mas nós temos que olhar para a alienação do poder político em definir o que são as Forças Armadas. Como estão os projetos estratégicos, os orçamentos, não há debate sobre”, disse, acrescentando que “nós não debatemos nem discutimos o papel dos militares no governo e na defesa”.
Treinamento “Guerra e inimigo”
Nelson Jobim retoma, na sequência, a falta de debate sobre o tema - inclusive por parte de grupos que lutavam pela redemocratização, que acabavam entendendo a defesa e a segurança como elementos de um Estado repressor. Jobim também aponta para o fato de que as polícias militares foram afetadas por terem sua formação e treinamento alterados na primeira metade do século XX, aproximando estes profissionais da caserna e do contexto “guerra e inimigo”, e afastando da realidade do trabalho na prática - que lidava com o cidadão e com a delinquência. Esta realidade apenas foi alterada com a Constituição de 1988, ainda que os reflexos de um treinamento de combate ao inimigo sigam sendo parcialmente refletidos nas ruas.
Tarso Genro retoma a palavra e volta a mencionar que, do ponto de vista lógico, hoje não há mais um receio de que haja um inimigo ideológico externo, tradicionalmente combatido pelos militares durante o período da Guerra Fria. “Não há nenhuma possibilidade, nas Forças Armadas, de fundir a defesa da soberania nacional com as questões políticas internas. A Guerra Fria acabou, esse assunto foi esgotado”, apontou. Entretanto, reforçou que todos os partidos políticos verdadeiramente interessados na democracia precisam ter projetos para discutir a questão das Forças Armadas e sua utilização na atualidade: “caso contrário o Brasil vai ficar empacado em uma permanente instabilidade da questão militar, e vai prejudicar nosso projeto nacional”.
“Como vamos absorver as Forças Armadas?”
Jungmann encerra o debate colocando como questão central a seguinte pergunta: “como vamos absorver as Forças Armadas?”. O ex-ministro ressalta que os militares possuem um “compromisso de vida” em defesa do país, e representam uma espécie de “seguro de vida” para os brasileiros. Ele aponta ainda que o Congresso precisa assumir suas responsabilidades acerca das atribuições das Forças Armadas e da construção da defesa nacional. “Precisamos superar e construir um futuro melhor, mais democrático, e as nossas Forças Armadas fazem parte disso, de forma indissociável.”
Por fim, o debate da noite leva a uma conclusão imediata: o país precisa discutir, dentro e fora de suas instituições, o papel adequado e as funções correspondentes às Forças Armadas no contexto de uma democracia em construção. Um plano de defesa nacional contundente, alicerçado sobre pilares contemporâneos, compõe o vasto rol de elementos que fazem parte da rede de funções a ser tecida. A partir da unanimidade dos ex-ministros quanto à vontade dos militares de permanecer ao lado das forças políticas civis, se faz mister elencar os limites e os papéis destes autores no contexto brasileiro atual - com urgência máxima!
Edição: Katia Marko