Faz muito tempo o colega Moisés vem dizendo às pessoas conterrâneas sobre o grande potencial que Panambi tem para produzir e comercializar alimentos agroecológicos. Claro que não somente este lugar, assim como quase todas as superfícies de nosso planeta. Mas referindo-se ao nosso município onde nascemos e residimos — o qual faz parte do bioma Mata Atlântica está localizado em zona de clima subtropical úmido e apresenta solos ricos e diversos —, naturalmente tem todas as aptidões. Fora isso, a biodiversidade original e que ainda se conserva nas atuais florestas é muito rica.
Também, contamos com o histórico de miscigenação de culturas, onde diversas etnias contribuíram com conhecimentos diversos a respeito da biodiversidade e agrobiodiversidade, que provém inicialmente dos povos originários, graças a eles, diversos alimentos nutriram gentes invasoras ou diríamos migrantes em busca da terra prometida, como por exemplo a mandioca, o milho, determinados tipos de feijões, a batatinha (dos Andes), a erva-mate, entre outras. Os negros escravizados e os migrantes trouxeram variedades de todos os outros continentes, enriquecendo a agrobiodiversidade. A agricultura familiar, que representa uma grande diversidade de povos do campo, veio conservando e reproduzindo essa gama de agrobiodiversidade, e mesmo com a ofensiva do agronegócio — mecanizando e homogeneizando as culturas agrícolas, reduzindo a poucas culturas amplamente cultivadas, além de usar um pacote tecnológico químico tóxico, que segue avançando nos dias atuais —, ela segue resistindo e mantendo uma infinidade de ecossistemas e diversidades agrícolas.
Em Panambi, a agricultura familiar aparentemente está em decréscimo em vista da migração de jovens para as cidades, fenômeno já de algumas décadas. É impressionante a quantidade de casais idosos no campo. Além disso, quanto menos se planta manualmente e menos variedades agrícolas, mais o agronegócio compra e arrenda terras para cultivar soja, milho e trigo, ou quando não este último, variedades de pastagem ou cobertura de inverno, como aveia, azevém e nabo forrageiro, considerando também a existência de bovinocultura leiteira. Para alimentar galinhas e porcos, costuma-se comprar ração que é constituída por soja e milho transgênicos.
Por outro lado, considerando o que acontece no mundo e o trabalho de, pelo menos, quatro décadas em agroecologia no Brasil e no RS, a consciência e o consumo de produtos orgânicos tem aumentado. Mudaram-se muitos hábitos alimentares em prol do natural, crescendo o mercado de integrais, sem açúcar, menos sal, menos gorduras e sem aditivos químicos. Existem as tentativas e as concretizações quanto à criação de cooperativas, associações e grupos que trabalham com agroecologia, permacultura, sementes crioulas, plantas medicinais e plantas alimentícias não convencionais. Também se sabe que em determinadas regiões, especialmente próximas de grandes centros urbanos, tem ocorrido a migração de gente da cidade para o campo, por vezes chamados de neo-rurais.
Sendo assim, Panambi ainda espera de seus moradores iniciativas que vão por esse caminho, de gente ousada e determinada a mudar a cara da zona rural, em prol da agroecologia. Para isso é possível que existam experiências individuais que busquem esse propósito, com ou sem assistência técnica, porém não se sabe de nenhum grupo ou coletivo que poderia fazer essa mobilização.
Essa mobilização coletiva pode compreender a busca por autonomia, a reivindicação de políticas e incentivos do poder público, a formação educacional em prol da saúde, equilíbrio com a natureza, em outras palavras a Pachamama, a geração de alimentos e renda justa para as famílias e grupos que trabalham com agroecologia, enfim, a salvaguarda dos valores fundamentais para a vida, que obviamente não colocam o dinheiro em primeiro lugar, mas sim a noção, o entendimento que a forma de trabalhar com a natureza deve ser em equilíbrio, pois dele dependemos todos seres humanos e espécies viventes, para vivermos através das gerações. Nessa compreensão, os bens públicos, patrimônios terrestres, sempre foram e não podem deixar de ser compartilhados entre todos.
Primeiramente, entre cinco a seis pessoas, fizemos duas reuniões em 2019, para debatermos inicialmente as ideias em torno do potencial que Panambi tem, seja do ponto de vista natural, seja em termos de mercado consumidor ou população, a qual detém bom poder aquisitivo e representa mais de 40 mil habitantes. Fora isso, a existência de um campus do Instituto Federal Farroupilha (IFFar). Entre nós, temos a presença de um biólogo, com formação também de técnico em agropecuária e mestrado em Desenvolvimento Rural, que vive em um sítio na zona rural; um casal de guardiões de sementes, com longa experiência em sementes crioulas, plantas medicinais e confecção de remédios caseiros; e dois colegas com experiência em assessoria política, meio ambiente e educação, enfim, um grupo diverso em trajetórias e idades.
A partir do segundo encontro combinamos um programa de rádio na NW Pan FM, através da intermediação do colega Francisco, para que o Moisés, biólogo, fosse dar uma entrevista sobre o tema da agroecologia e a formação desse grupo. A fala do colega Moisés foi direcionada a abordar o contexto da agroecologia e do agronegócio, constando a calamidade pública gerada pelo uso indiscriminado de agrotóxicos, o crescimento da consciência e do mercado da agroecologia no Brasil e na Argentina e a potencialidade do município de Panambi. Quanto ao grupo não se falou muito, pois ele ainda não existe e são apenas provocações iniciais.
A partir daí a ideia seria fazer contato com o IFFar, buscando profissionais interessados em realizar atividades e projetos relacionados a essas ideias. Porém, chegou a pandemia do Coronavírus, o que paralisou nossas intenções.
O que se reflete neste momento de quarentenas é que podemos nos inspirar em diversas experiências de grupos mundo afora, como as ecovilas, agrovilas, ONGs, associações, cooperativas, grupos urbanos de apoio a sítios agroecológicos, financiamentos coletivos por colaboração, etc. Ainda necessitamos buscar parcerias que possam estar pessoalmente querendo participar de uma experiência coletiva, com o trabalho físico e mental, ou parcerias que possam se interessar em viabilizar a visita de estudantes e público em geral ao sítio do colega Moisés, no sentido de organizarmos cursos, visitas de aula, conhecimento e diálogo, ou parcerias de apoio financeiro e logístico.
Portanto, para qualquer grupo, o básico é encontrarmos pessoas que queiram trabalhar e construir algo em coletivo. Ao mesmo tempo encontrar pessoas com princípios e interesses afins à agroecologia é um desafio muito grande, porém a realidade é que ninguém nasce sabendo, e tudo se aprende durante o processo da vida. Se não encontramos pessoas já sensibilizadas, o primeiro passo é buscar trabalhar com essa sensibilização. E isso em grande parte é sinônimo de educação, a formação educacional, de valores e de vivenciar aprendizados e experiências que nos levem a cultivar a terra e a viver em equilíbrio com a mãe Terra.
* Moisés da Luz é biólogo, educador, técnico em agropecuária e mestre em Desenvolvimento Rural
Edição: Terra de Sentidos