Os tempos que vivemos abrem espaço para ações, apesar de e além de serem ‘tempos de cólera’
Os tempos que vivemos abrem espaço, apesar de e além de serem ‘tempos de cólera’, pelas ameaças crescentes à democracia e pelo ódio e intolerância reinantes, para ações, exemplos e histórias que dão esperança.
O Consea/RS (Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional), presidido por Juliano de Sá, promoveu uma conversa virtual com o título ‘Segurança Alimentar e Nutricional, Solidariedade para enfrentar a Fome’, no dia 22 de julho. Teve a participação da Emater/RS, da Cáritas/RS, da Ação da Cidadania/RS e do Comitê contra a Fome e contra o Vírus da Lomba do Pinheiro, com presença de pessoas de todo Rio Grande do Sul e até de todo Brasil, e transmissão da Rede Soberania/Brasil de Fato RS. O Consea/RS coordena o Comitê Gaúcho de Emergência no Combate à Fome e articula-se com outros Comitês que têm o mesmo sentido.
Foram ricos depoimentos de como estas instituições e entidades, cada uma no seu espaço e nas suas possibilidades, dado as poucas políticas públicas hoje existentes e, muitas vezes ou em geral, dada a ausência dos governos, a começar pelo governo federal, ajudam quem está com fome, está na miséria e está desempregado nestes tempos de pandemia. ‘A fome tem pressa’, disseram todas e todos, na expressão conhecida de Betinho.
Eliane Brochet falou de como a Cáritas RS, nas suas atribuições, articula as Cáritas Diocesanas gaúchas, as paróquias e comunidades, articula-se com outras entidades e com o Comitê do contra a Fome do Consea/RS e estimula a campanha É TEMPO DE CUIDAR.
Leila Ghizzoni e as Emater de cada município gaúcho trabalham com os governos municipais, com agricultores familiares em cada região e município gaúcho organizados em redes de solidariedade.
Melissa Bergmann recordou a história da Ação da Cidadania contra a Fome e pela Vida desde os tempos de Betinho e hoje, em tempos de pandemia e com a volta da fome a muitos lares, de novo está presente nos municípios envolvendo diferentes comunidades, instituições e entidades e a boa vontade de cidadãs e cidadãos.
Rui Antônio de Souza falou em nome do Comitê contra a Fome e o Vírus da Lomba do Pinheiro. A Lomba do Pinheiro é um conjunto de vilas populares na Zona Leste e periferia de Porto Alegre e Viamão, com uma longa história de luta e mobilização de lideranças e de seus moradores, desde os anos 1970, com as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), Associações de Bairro, movimentos culturais. Hoje, 2020, conta com o Conselho Popular da Lomba do Pinheiro, com o Núcleo de Reflexão Política da Lomba do Pinheiro e um Cursinho Popular, o KiLomba, espaços que, como salientou Rui, impulsionaram a formação do Comitê contra a Fome e o contra o Vírus.
Na instalação do Comitê, meses atrás, foram decididos três encaminhamentos principais: elencar quem precisa de alimentos e organizar a entrega para essas pessoas; fazer o mapeamento das campanhas feitas na Lomba e os pontos críticos para ajuda urgente; passar carro de som pela Lomba falando da doença, da importância de ficar em casa e da proposta de renda mínima.
O Comitê conta com a presença e participação das lideranças das muitas vilas, através das Associações de Bairro, da Paróquia São Francisco de Assis e outras instituições religiosas, das escolas locais, num grande mutirão de enfrentamento da fome, da miséria e do desemprego. Fazem distribuição de alimentos, de cestas básicas, de máscaras, kits de material de higiene, incluindo álcool gel, botijões de gás, roupas, fazendo sopões e quentinhas, e de tudo mais que muitas famílias hoje precisam para sua sobrevivência. Tudo feito e tendo participação direta das lideranças de cada vila ou das ruas das comunidades.
Não se fica, no entanto, apenas na assistência imediata. São mobilizações na ponta e ações na base. Na feliz expressão de Rui Antônio de Souza, faz-se formação na ação. Todas as quintas- feiras reúnem-se lideranças e pessoas atendidas para conversar sobre o que está acontecendo, o que está sendo feito e o que ainda há por fazer. Em primeiro lugar, escutar as pessoas, dar-lhes vez e voz. Depois, conversar sobre temas como Economia Solidária, saúde, educação, políticas públicas, participação popular, democracia, para que as pessoas comecem a entender o que está acontecendo, compreender as razões porque estão com fome, não têm emprego, e do porque os governos pouco aparecem ou nem aparecem. E todas e todos começarem a agir solidária e coletivamente.
É a formação na ação. Não é apenas a solidariedade na ação. É ação e formação juntas. É formação e conscientização à base da solidariedade. Dar assistência e doações resolvem o problema imediato. O fundamental é incluir na caminhada a própria população e suas lideranças. E apoiar a sua auto-organização, para que, compreendendo os acontecimentos e as políticas, possam agir e exigir seus direitos. Assim, as novas lideranças que surgem desse processo sentem-se amparadas e poderão, em momentos seguintes e no futuro, serem protagonistas em suas próprias comunidades e nas comunidades vizinhas. Alimentam-se o amanhã, o sonho, a utopia.
Paulo Freire, que completaria 100 anos em 19 de setembro de 2021, e cuja comemoração de centenário está em preparação, ficaria feliz vendo estes exemplos. Estão vivas a Pedagogia do Oprimido, a Educação como Prática da Liberdade, a Pedagogia da Esperança, acontecendo e sendo reiventadas na vida das pessoas e nas comunidades.
Esperançar, na expressão de Paulo Freire, não é esperar que as coisas aconteçam, ou caiam do céu. Esperançar é fazer acontecer, criando e construindo esperança e futuro. A história, no meio da crise, apresenta uma oportunidade. O amanhã, o depois da pandemia será o que e da forma como for construído desde agora.
Edição: Katia Marko