"O mundo perde um homem que ajudou a reconquistar terras indígenas entregues pelo estado às empresas de colonização, a combater a política indigenista assimilacionista da Ditadura Militar, a articular o movimento indígena de resistência contra o colonialismo criminoso que se instalava no Sul do Brasil e, também, a criar caminhos para a consolidação do direito à terra como originário, tradicional e imprescritível", lamenta, em nota, o Conselho Indigenista Missionário – Cimi, sobre a passagem da liderança Kaingang, Nelson Xangrê. De acordo com a entidade a luta de Xangrê serviu e ainda serve de referência para todos os povos indígenas do Brasil.
Abaixo a nota completa.
O Conselho Indigenista Missionário – Cimi manifesta sua solidariedade aos familiares de Nelson Xangrê e a todo o povo Kaingang por sua morte repentina. Nelson Xangrê, líder do povo Kaingang no Rio Grande do Sul, morreu de infarto aos 74 anos, em sua casa, na Terra Indígena (TI) Iraí, norte do estado.
O mundo perde um homem que ajudou a reconquistar terras indígenas entregues pelo estado às empresas de colonização, a combater a política indigenista assimilacionista da Ditadura Militar, a articular o movimento indígena de resistência contra o colonialismo criminoso que se instalava no Sul do Brasil e, também, a criar caminhos para a consolidação do direito à terra como originário, tradicional e imprescritível.
Seu testemunho e liderança, no final da década de 1970 e início dos anos 1980, transformaram a configuração fundiária do Rio Grande do Sul. Ele e seu grupo de lideranças articularam e fizeram a desocupação da TI de Nonoai, retomando aquilo que parecia já perdido, suas terras tradicionais.
Nelson Xangrê, junto a outros líderes de seu povo, como Ângelo Kretã e Augusto da Silva, consolidou o mais importante movimento de luta dos povos contra o genocídio indígena e pela retomada das terras, na década de 1970, através da articulação das grandes Assembleias Indígenas. Foi neste movimento que a luta Kaingang atingiu abrangência nacional, ao articular-se também com as batalhas travadas por outros povos, ao lado de figuras históricas como Marçal de Souza Tupã-Y, Xako’iapari Marcos Tapirapé e Xywaeri José Pio Tapirapé.
Xangrê foi líder e estrategista do povo no enfrentamento aos militares, aos arrendamentos e ao saque das terras. Ele e outros líderes escaparam ao confinamento imposto pelo Estado militaresco e tornaram-se protagonistas nas lutas em defesa da vida, das culturas e dos territórios de seus povos e comunidades. Essa luta do povo Kaingang, liderada por Xangrê, inspirou e impulsionou também outro movimento de combate ao latifúndio e pela reforma agrária, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Xangrê continuará vivo na memória do seu povo, e seu exemplo será seguido por quem luta contra as injustiças e a opressão e acredita que é possível alterar o curso de acontecimentos aparentemente inevitáveis
No contexto de uma política integracionista agressiva, que buscava negar e anular a identidade dos povos indígenas e tentava justificar-se com base numa suposta “aculturação” das populações originárias, Nelson Xangrê defendia o fortalecimento e a valorização o modo de vida tradicional de seu povo.
Seu Nelson deixa um dos maiores legados de resistência, coragem e luta pelos direitos indígenas e continuará a inspirar os povos indígenas nos estados do Sul do país. Ele é, sem dúvida, um pilar da história Kaingang e seu protagonismo serve como referência em todo o Brasil.
Xangrê continuará vivo na memória do seu povo e, com certeza, seu exemplo será seguido por quem luta contra as injustiças e a opressão e acredita que é possível alterar o curso de acontecimentos aparentemente inevitáveis.
Vá em paz! Pa’i mag!
Conselho Indigenista Missionário
Brasília, DF, 22 de julho de 2020
Edição: Katia Marko