O avanço da pandemia tem colocado em xeque a capacidade de leitos em muitos municípios gaúchos, destacando os que compõe a região Metropolitana e mais recentemente os da região serrana que já ultrapassam a capacidade de 80%. Entre os casos preocupantes está o da capital gaúcha, cuja maioria dos hospitais ultrapassa a capacidade de 90%, como pode ser visto no monitoramento realizado pela Secretaria municipal de Saúde. Nesse cenário é evidente a sobrecarga dos profissionais de Saúde, assim como a indisponibilidade de profissionais com a devida qualificação profissional.
Em entrevista ao Brasil de Fato RS, Cláudia Daniel, presidenta do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Rio Grande do Sul (Cosems/RS) e secretária municipal de Saúde de Nova Araçá, fala sobre a situação das secretarias municipais de Saúde. De acordo com ela se não houver o número de profissionais devidamente qualificados e em número necessário no momento adequado, haverá restrição na capacidade instalada de leitos, tendo em vista a escassez de profissionais para atuarem, sendo os mesmos, primordiais para que funcionem os monitores cardíacos, respiradores e operem os cuidados necessários para cada paciente.
“Além disso, a pandemia já demonstra um comportamento distinto em diferentes localidades, tendo como principal influência as questões sociais. Destacamos a vulnerabilidade, e sendo esta, predominante e que se agrava, quando associada às doenças cardiovasculares e diabetes, quando demonstradas pelo cenário epidemiológico que no Rio Grande do Sul se acentua de forma considerável, se comparada a outras realidades no país. Isso demostra a necessidade constante, de não haver aglomerações, tão pouco, o contato com pessoas que têm de manter a rotina de exposição em locais diversos”, argumenta.
Veja abaixo a entrevista completa.
Brasil de Fato RS - Há apontamentos em muitos lugares de carência de profissionais da Saúde e vários municípios onde os leitos de UTI ultrapassam 50% de sua capacidade. Qual o diagnóstico atual das secretarias de Saúde nesse contexto de pandemia, quais são as principais queixas, desafios?
Cláudia Daniel - São fatores que têm registros de ocorrência em municípios de distintos tamanhos. O primeiro fato, em relação a carência de profissionais, é que o mesmo se dá, não pela falta de profissionais com formação na área da Saúde, mas sim, pela indisponibilidade de profissionais com a devida qualificação para atuarem nas unidades de terapia intensiva, tendo em vista a necessidade de habilidade prática para atuação e cuidado dos pacientes que necessitarem.
Quanto ao segundo fato, o mesmo tem ocorrido de forma mais recorrente nas últimas semanas, principalmente pelo avanço da pandemia e as baixas temperaturas no estado, os quais têm acontecido simultaneamente, o que eleva o número da demanda de pacientes não somente afetados pela covid-19, mas também, de outras síndromes agudas respiratórias. A exemplo disso, um dos fatores que comprovam esta ocorrência é que nos últimos 10 anos houve o menor registro até o momento de crianças que demandam cuidados em serviços de saúde, por apresentarem sintomas associados a alguma síndrome respiratória aguda grave – SRAG, tendo em vista, que os mesmos não estão expostos, neste momento, aos ambientes de compartilhamento de convívio coletivo, o que os expõe a contaminação de diferentes vírus e bactérias em circulação, as quais alguns podem não ter desenvolvido imunidade até o momento da exposição.
É importante destacar, quanto ao fator de associação entre ambos os apontamentos, é que se não houver o número de profissionais devidamente qualificados e em número necessário no momento adequado, haverá restrição na capacidade instalada de leitos tendo em vista a escassez de profissionais para atuarem, sendo os mesmos, primordiais para que funcionem os monitores cardíacos, respiradores e operem os cuidados necessários para cada paciente.
BdFRS - São Paulo é o estado brasileiro campeão nos casos de covid. Contudo o município de Araraquara, no interior de São Paulo, tem a menor taxa de mortalidade por covid-19 do estado, e uma das menores taxas de letalidade do Brasil. Para o prefeito de Araraquara, Edinho Silva, o segredo foi agir rápido, dando a devida atenção e respaldo às recomendações e decisões da equipe gestora de saúde. Entre as medidas adotadas está a expansão do horário de atendimento das redes básicas regionais, criação de um serviço de telemedicina, criação de "equipes de bloqueio", criação de centro de referência de coronavírus, criação de inquéritos epidemiológico, construção de um Hospital de Campanha com 51 leitos (30 leitos de enfermaria e 21 leitos de UTI) em apenas 5 semanas. Tais medidas poderiam, deveriam ser adotadas nas cidades do RS?
Cláudia - Medidas como estas e até com condições além destas, já foram tomadas pelos municípios, no início da pandemia no RS, ainda em março e abril, como o serviço de coleta domiciliar para diagnóstico por RT-PCR, atendimento e acompanhamento de pacientes em domicílio e monitoramento dos sinais e sintomas. Já é perceptível, que estas medidas ainda em março e abril, possibilitaram uma organização e verificação da dinâmica de funcionamento dos serviços, e processos de trabalho das equipes de Saúde, com maior antecedência, o que contribui para organização local e diálogo com a população, tendo em vista que em outras localidades do país, infelizmente o mesmo não foi possível ser feito, devida a velocidade com que a pandemia avançou e a propagação acelerada de casos da covid-19.
É importante destacar, que mais do que abrir novos serviços, a pandemia já tem demonstrado a necessidade primordial de organizar os serviços já existentes, dando aos mesmos a capacidade necessária e a resolutividade aos atendimentos demandados, em tempo oportuno, para controle e bloqueio da propagação do vírus, principalmente em populações com comorbidades.
BdFRS - Especialistas da UFRGS projetam o pico do novo coronavírus para o mês de agosto. Tendo em vista a proliferação no estado, os municípios, na área da saúde do RS poderão entrar em colapso? Quais são as recomendações emergenciais que devem ser tomadas?
Cláudia - A questão dos cenários que poderão colapsar, demanda avaliação constante, e praticamente diária, tendo em vista que a pandemia cresce em ritmo acelerado, com alteração constante, em horas. Além disso, a pandemia já demonstra um comportamento distinto em diferentes localidades, tendo como principal influência as questões sociais. Destacamos a vulnerabilidade, e sendo esta, predominante e que se agrava, quando associada às doenças cardiovasculares e diabetes, quando demonstradas pelo cenário epidemiológico, que no Rio Grande do Sul, se acentua de forma considerável, se comparada a outras realidades no país. Daí a necessidade constante de não haver aglomerações, tão pouco, o contato com pessoas que têm de manter a rotina de exposição em locais diversos.
Quanto a ações estratégicas e de atuação emergencial, é válido sempre destacar a importância da efetividade da comunicação uniforme e coesa com a população, o monitoramento efetivo dos sintomas mais recorrentes que a população tem apresentado nos serviços de Saúde. Além disso, o controle constante e contato entre os gestores que compõem uma mesma região, tendo em vista a circulação dos cidadãos, tanto por escolha própria, quanto por demanda de acessar um serviço de Saúde que de conta de maiores agravos.
Edição: Katia Marko