O sufoco desse momento caótico não é fortuito. Nós o causamos, apáticos, por falta de responsabilidade.
Tudo começou quando deixamos de conversar sobre política, religião e futebol (deixamos porque nos abstivemos ou por medo do desconforto?). Escapamos das conversas sobre a santíssima trindade do tabu para não estragar o jantar em família, o churrasco com os amigos, a roda de cerveja, o intervalo das aulas ou a viagem. Fugimos da responsabilidade para não profanarmos a santidade dos momentos de descontração nem a pureza da despreocupação. Não valia à pena arriscar a paz do paraíso, afinal preocupação é coisa para se ter no trabalho.
Assuntos proibidos; mais reprimidos do que o sexo – até porque sexo é, direta ou indiretamente, o assunto: seja na piada ou na insinuação velada. Sexo só é tabu quando fica submerso num dos subtópicos da trindade, geralmente sob a política ou a religião, ou seja, sexo política ou moralmente correto. Mas aí já não se trata mais de sexo.
Mas será que, realmente, não falamos sobre política, religião e futebol? Na grande maioria das situações, não! Falamos de uma determinada moral religiosa (geralmente cristã), falamos de equipes e jogadores e falamos sobre partidarização – quando muito. Não falamos sobre política, religião e futebol porque nos afundamos em tantos pormenores opinativos que os ânimos já ficam inflamados mesmo longe do centro do problema. Atarefados com os detalhes o único objetivo é "vencer" a discussão (o que é o mesmo que dizer que achamos que deixamos os outros sem argumentos, quando na verdade a pessoa simplesmente não recorda de um fato útil para aquela situação – nunca discutimos, de fato, argumentos).
Nunca falamos, de fato, sobre fé, sobre Estado, sobre princípios nem sobre o espaço do esporte nas nossas vidas coletivas. Na maioria das vezes apenas tricotamos sem nos darmos conta de que mais importante do que tricotar é escolher os pontos do tricô. Mas nunca discutimos os pontos, pelo contrário, nem chegamos lá porque as objeções chegam na frente: "Ih, já começaram a filosofar!"; "Ai, que papo chato"; ou, nos círculos mais cultos: "Lá vem o papo 'metafísico'".
Mas daí chega o dia em que nos encontramos eleitores, crentes ou torcedores! Votamos sem saber porque para escolher alguém para fazer o que não queremos entender que deve ser feito. Rezamos para pedir (ou agradecer) por coisas sem compreender o que é fé porque o importante é alcançar o resultado. Torcemos ou choramos sem saber a razão de tanta emoção. Mesmo assim, seguimos enchendo a boca para "vencer" a discussão e entupimos as redes e os ouvidos com pormenores – falamos de partidos, de políticos, de dogmas e de equipes ou estrelas desportivas; seguimos não falando sobre política, religião ou futebol. Parecia que, antes, a vida era tranquila, que tudo estava resolvido, que bastava dar risada no churrasco para afastar os problemas para a próxima segunda-feira.
Agora estamos sentindo todo o peso da falta de coragem para encarar o desconforto – tentamos evitar o inevitável (apenas adiamos). Cada vez mais sufocados, parece-nos que a sensação de fim-do-mundo se torna cada vez mais real. E é real, porque esse mundo, o dos pormenores que nos inflamam, já não é suficiente – já não faz mais sentido pelo excesso de insignificância. O sufoco é um sintoma – positivo – de que precisamos, mais do que nunca, falar, muito seriamente, sobre política, religião e futebol.
(*) Professor universitário e mestre em comunicação.
Edição: Marcos Corbari