Cada dia que passa se agrava ainda mais a situação dos leitos hospitalares no estado do Rio Grande do Sul. O ápice dessa situação ocorre na região Metropolitana. Também conhecida como Grande Porto Alegre, ela é composta por 34 municípios, sendo a área mais densamente povoada, concentrando 4,3 milhões de habitantes, 38% da população total do Estado. É também a quinta com maior concentração urbana do país.
Devido ao clima do estado, a chegada do inverno sempre traz desafios ao sistema público de saúde. Com a pandemia causada pelo novo coronavírus a situação se tornou mais tensa e preocupante. “Com a chegada do inverno no Rio Grande do Sul, a situação se agravou e muito. Todos os anos os hospitais sofrem com superlotação por doenças do frio. Neste ano, com a pandemia, os números são mais preocupantes”, afirma o prefeito de São Leopoldo, Ary Vanazzi.
Os números, monitorados pela Secretária de Saúde do Estado comprovam a situação emergente dos leitos hospitalares, e faz soar o alarme. Das macrorregiões acompanhadas pelo monitoramento da covid-19, referentes às internações hospitais, apontam a região Metropolitana como a que apresenta a situação mais alarmante. Com cerca de 69 hospitais, e 1.151 leitos UTI adulto, tem taxa de ocupação de 82,9%, ou seja, 954 ocupados. A cidade de São Leopoldo, de acordo com os dados da secretaria, atingiu os 100% de sua capacidade, seguida de Novo Hamburgo, com 96,9%. Vale salientar que a cidade leopoldense conta com apenas um hospital, enquanto sua vizinha hamburguense tem três, sendo um público e dois privados.
Com uma população estimada de 236.835 pessoas, a cidade tem 1675 casos até o momento, sendo 251 ainda ativo, e 36 vítimas fatais.
Conforme salienta o prefeito, nessa entrevista ao Brasil de Fato RS, por duas vezes, o município solicitou a cooperação do governador Eduardo Leite. “Primeiro na habilitação de leitos de UTI. Iniciamos o combate à doença com 10 leitos intensivos e 30 clínicos. Destes, primeiro foram habilitados cinco e nesta semana, mais cinco. Conseguimos doação de cinco respiradores por uma empresa e compramos outros cinco. Então, nos próximos dias contaremos com 20 leitos de UTI Covid.”
Além de lidar com o colapso na rede de saúde, outro desafio está no combate às fake news. “Temos uma oposição de extrema-direita que opera com mentiras para atrapalhar o trabalho sério, inclusive com desrespeito aos profissionais de saúde que se dedicam a salvar vidas. Já tivemos que recorrer à Justiça e à Polícia, tal o nível das fakes que circulam na cidade. A mais recente, e mais grave, é a de que kits de medicamentos sem qualquer comprovação de eficácia precisam ser distribuídos à população.”
Confira abaixo a entrevista completa.
Brasil de Fato RS - O senhor encaminhou, no dia 30 de junho, um ofício ao governador Eduardo Leite pedindo ações mais firmes em relação ao combate à pandemia, especialmente na região Metropolitana e Vale do Sinos. Já no início de julho, os hospitais da Capital e de outras cidades apresentavam alta taxa de ocupação por pacientes com a doença. Ficamos sabendo nesse fim de semana de um caso de um morador leopoldense que foi até o Hospital Centenário com suspeita de covid-19. Ao chegar lá foi informado que não tinha médico para atender caso de suspeita, e indicaram uma UPA. São Leopoldo, assim como praticamente todas as cidades da região Metropolitana está marcada como zona vermelha. Como está a situação do município?
Ary Vanazzi - Sim. Nós estamos enfrentando esta pandemia, desde o primeiro caso, em março, com bastante seriedade e com a prioridade em salvar vidas. Passamos por dificuldades, como em todo mundo, porque precisamos lidar com a crise sanitária e também com a crise econômica, que já atingia o país e se agravou na pandemia.
Pedimos, por duas vezes, a cooperação do governador Eduardo Leite para o nosso município. Primeiro na habilitação de leitos de UTI. Iniciamos o combate à doença com 10 leitos intensivos e 30 clínicos. Destes, primeiro foram habilitados cinco e nesta semana, mais cinco. Conseguimos doação de cinco respiradores por uma empresa e compramos outros cinco. Então, nos próximos dias contaremos com 20 leitos de UTI Covid.
Também solicitamos o apoio do Estado para a implantação de um protocolo regional, envolvendo todos os municípios próximos, já que é grande a circulação intermunicipal inclusive pelo transporte, metrô principalmente. Neste quesito, não obtemos retorno. O governador faz protocolos de distanciamento, mas achamos que falta firmeza em alguns casos, jogando para os municípios as responsabilidades.
Um exemplo é o socorro financeiro a pequenos e médios empresários, que não pode ser feito pelos municípios. Os bancos financiadores são do Estado ou governo federal e pouco tem sido feito neste sentido.
BdFRS - A Sociedade Riograndense de Infectologia (SRGI), em nota divulgada neste domingo (12), afirmou que há evidente risco de colapso no sistema de saúde em algumas regiões do RS caso não haja maior rigor nas regras de distanciamento social para controlar a covid-19. Mas também observamos uma forte oposição por parte da sociedade em adotar as medidas recomendadas? Como tem sido a atuação da prefeitura e como pretende enfrentar a alta ocupação no seu sistema de saúde?
Vanazzi - É fato que o governo Bolsonaro mais atrapalha do que ajuda no combate à pandemia. Principalmente pela atitude do presidente de negar a gravidade da doença e trabalhar pelo não-isolamento, a única medida, segundo a ciência, eficaz para baixar as curvas de contaminação.
Nós já editamos decretos duros de fechamento e sofremos, como todos os gestores, fortes pressões de setores econômicos e da oposição bolsonarista. Estamos em permanente diálogo com quem se dispõe a conversar. Adotamos a interdição das praças, locais de muita aglomeração, colocamos regras rígidas para missas e cultos religiosos, protocolos sanitários no caso de comércios e serviços essenciais e flexibilizamos ou endurecemos com algumas categorias conforme a curva de contaminação e a lotação do sistema de saúde permitem.
Com a chegada do inverno no Rio Grande do Sul, a situação se agravou e muito. Todos os anos os hospitais sofrem com superlotação por doenças do frio. Neste ano, com a pandemia, os números são mais preocupantes. Mas defendemos junto à nossa população a necessidade de isolamento e afastamento social. Estimulamos o uso de máscaras e medidas de higienização. Sanitizamos vias públicas e prédios. Temos conseguido em parte a cooperação da comunidade.
BdFRS - Em São Leopoldo, a prefeitura também enfrenta uma forte oposição de grupo da extrema-direita com a disseminação de fake news. Esse tem sido um fator que influencia no avanço da doença no município?
Vanazzi- As fake news são o mal de nosso tempo e o que nos faz demandar energias que poderiam ser utilizadas para o bem da população. Em São Leopoldo não é diferente. Temos uma oposição de extrema-direita que opera com mentiras para atrapalhar o trabalho sério, inclusive com desrespeito aos profissionais de saúde que se dedicam a salvar vidas. Já tivemos que recorrer à Justiça e à Polícia, tal o nível das fakes que circulam na cidade. A mais recente, e mais grave, é a de que kits de medicamentos sem qualquer comprovação de eficácia precisam ser distribuídos à população. Esta medida vem sendo defendida inclusive por um conjunto de prefeitos da região. Não assinamos e nem apoiamos qualquer tipo de protocolo neste sentido, mesmo que isso nos acarrete um certo isolamento e muitas dores de cabeça. Seguimos firmes na defesa da ciência.
BdFRS - Como a prefeitura de São Leopoldo está se articulando com outros municípios para enfrentar a pandemia?
Vanazzi - Continuamos firmes e convictos de que somente um protocolo regional de isolamento seria eficaz no combate à pandemia. Levamos esta proposta a todos os encontros, reuniões e contatos políticos. Na última semana, reunimos mais de 50 entidades e movimentos sociais, que também sugerem esta articulação conjunta entre os municípios. É uma luta árdua. Infelizmente, há gestores mais preocupados com o período eleitoral, em não perder apoios e agora se agarram em protocolos "salvadores" completamente inócuos.
Resumindo nossas ações:
1 - Instalamos no Hospital Centenário uma área exclusiva para a covid, com 30 leitos clínicos e 10 de UTI. Agora os intensivos serão aumentados para 20.
2 - Nossa rede básica funciona como atendimento de casos mais leves e com a política de testagem. Testamos mais de 2% de nossa população, o que nos faz ter uma ideia melhor do nível da contaminação.
3 - Temos serviço de busca ativa em casos de focos e surtos, com acompanhamento dos casos positivos e seus contatos. Dentro dessa política, interditamos empresas e determinamos a sanitização e acompanhamento de todos os funcionários.
4 - Instalamos, num local que antes sediava um convento, em parceria, um Centro de Apoio ao Hospital Centenário. Para este local são enviados os pacientes menos graves e que necessitam de isolamento. Especialmente aqueles que não têm condições de se isolar em casa.
5 - Criamos um programa de segurança alimentar, com distribuição de kits de alimentação para alunos de nossa rede municipal de educação e famílias em vulnerabilidade social. Já distribuímos mais de 50 mil cestas básicas. Com apoio da comunidade, criamos redes de solidariedade também para doação de máscaras e materiais de higiene aos mais necessitados.
6 - Estamos providenciando a contratação de profissionais para atendimento intensivo, embora as dificuldades sejam grandes, pois não há muitos disponíveis no mercado.
7 - Para continuar com nossa política de testagem, frente à escassez de insumos por parte do governo federal, compramos mais 3 mil testes, que serão feitos pelo nosso laboratório municipal, credenciado para isso.
Edição: Katia Marko