Rio Grande do Sul

Coluna

‘Jornalismo construtivo’

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"Para muita gente pareceu não uma entrevista, mas uma inquisição ou acusação/ringue à la Sérgio Moro" - Reprodução
Os jornalistas da Rádio Gaúcha procuraram equiparar/igualar Lula a Bolsonaro o tempo todo

A entrevista de Lula ao programa Timeline da Rádio Gaúcha no dia 10 de julho deu o que falar, com enorme repercussão no Rio Grande do Sul e até no Brasil. Primeiro, por ser uma rara entrevista de Lula a um veículo de comunicação do Sul. Segundo, pelas análises e opiniões de Lula sobre a conjuntura brasileira. Terceiro, motivo deste artigo, pela forma como os três jornalistas que o entrevistaram se comportaram.

Em resumo, sobre a entrevista: para muita gente pareceu não uma entrevista, mas uma inquisição ou acusação/ringue à la Sérgio Moro. Os entrevistadores falavam como se fossem oposição raivosa de direita, ou inimigos políticos de Lula. Mais que ouvir Lula, os entrevistadores queriam condená-lo mais uma vez e o PT, como se estes fossem responsáveis por Bolsonaro e suas loucuras e por tudo que o Brasil está atravessando nos últimos anos.

No fim de semana, 11/12 de julho, o Caderno DOC do jornal Zero Hora, do mesmo grupo de comunicação, a RBS, da qual a Rádio Gaúcha faz parte, publicou uma interessante entrevista de três páginas com o jornalista dinamarquês Ulrik Haagerup, fundador do Constructive Institute, ligado à Universidade de Aarhaus, localizada no município de mesmo nome, o segundo maior da Dinamarca. O título da entrevista é sugestivo: “A Democracia precisa do jornalismo construtivo”.

Ulrik é autor do livro ‘Como salvar a mídia e a democracia com jornalismo’. Diz Zero Hora na abertura da entrevista: “Neste momento de pandemia, em que as más notícias predominam, ele alerta que ainda é mais importante, além de informar os problemas, propor caminhos que possam indicar como solucioná-los.”

Ulrik foi perguntado sobre uma afirmação sua: ‘Nós criamos o Trump? Nós jornalistas?”. Ele respondeu: “Não sei como é no Brasil, mas eu estive nos EUA, e o cenário da mídia, assim como no Reino Unido, em debates, especialmente na TV, é assim. Você coloca os debatedores em um ringue de boxe. Tem o canto vermelho e o canto azul. Tudo é sobre quem ganha, e não sobre as ideias. E o nosso trabalho, como jornalistas, é mantê-los lutando. Já o jornalismo construtivo faz diferente. Pergunta: ‘Podemos usar nossa caneta ou microfone de outro modo que não como um punhal para atingir as pessoas?’ Quando fazemos perguntas (em um debate) como ‘há algo do que ele disse com que você concorda?’, ‘existe um meio termo?’, estamos facilitando o debate sobre possíveis soluções para problemas importantes que todos nós enfrentamos. Esse é um objetivo do jornalismo para mim.”

Ulrik: “Do mesmo modo, nós jornalistas somos ferramentas importantes para os populistas. Não conheço Jair Bolsonaro, mas sei que, na eleição brasileira, ele foi muito bem exatamente nisso. O jornalista deve refletir sobre si mesmo: você superexpôs esse líder populista, então você pode ter sido parte da razão pela qual ele foi eleito? Não estou dizendo que você mentiu, nem que deveria ignorá-lo, mas, sim, nós superexpomos visões extremas, formas extremas de comunicação.”

Os jornalistas do Timeline fizeram com Lula o contrário do que propõe Ulrik como bom jornalismo. Incoerência? Canalhice? Ou apenas mau jornalismo?

É sempre bom lembrar 1964, de como e quando quase toda a grande imprensa apoiou o golpe militar. Alguns reconheceram o erro e pediram desculpas 50 anos depois. Da mesma forma, a maior parte da grande imprensa apoiou o golpe de 2016 e o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, golpeando a democracia e inflando a eleição do atual presidente da República.

Os jornalistas da Rádio Gaúcha procuraram equiparar/igualar Lula a Bolsonaro o tempo todo, como se eles tivessem práticas, histórias e projetos iguais. Ou seja, não fizeram jornalismo construtivo, e sim jornalismo com lado prévio e determinado, jornalismo que não constrói a democracia. Fizeram jornalismo, como em 1964 e 2016, do poder dominante e do capital, sem desnudar as fake news de 2018 e as consequências do seu mau jornalismo.

‘A democracia precisa de jornalismo construtivo’ é a última frase da entrevista de Ulrik Haagerup. Os três entrevistadores do programa Timeline da Rádio Gaúcha da RBS bem que podiam aprender a fazer bom jornalismo lendo a entrevista publicada no Caderno DOC do jornal Zero Hora da mesma RBS. E ajudar a democracia brasileira, ante a tragédia que o Brasil está vivendo.

Será pedir demais?

Edição: Marcelo Ferreira