Abgail Pereira, ou a Biga para os mais próximos, tem uma longa história na política gaúcha. Natural de Caxias do Sul, na Serra gaúcha, no final dos anos 1970 se filiou ao PDT, e desde 1985 está no PCdoB, partido ao qual integra as direções municipal, estadual e nacional. Sua trajetória começou no movimento sindical, mas a luta em defesa das mulheres e da classe trabalhadora sempre estiveram vinculadas.
Nos anos 2000, participou da fundação da CTB (Central dos Trabalhadores Brasileiros), integrando a direção executiva nacional e sendo a primeira secretária de Mulheres da entidade. Em 2008, iniciou sua participação na política institucional, sendo candidata a vice-prefeita de Caxias do Sul, na chapa liderada pelo petista Pepe Vargas. Dois anos depois, concorreu ao Senado Federal na chapa com Paulo Paim (PT) e teve mais de 1,5 milhão de votos.
Também foi Secretária estadual do Turismo (SETUR) no governo de Tarso Genro e em 2014 concorreu, junto com o governador Tarso Genro, ao cargo de vice-governadora do Rio Grande do Sul. E em 2018, concorreu novamente ao Senado, na chapa do senador Paulo Paim, do qual é assessora atualmente. Nesta função, compõe a Força Tarefa de Combate aos Feminicídios do Rio Grande do Sul.
Abgail acredita que a grande participação feminina no mercado de trabalho, nas últimas décadas, foi decisiva para a construção de uma nova imagem social da mulher. Decisiva, também, nas lutas por outras garantias de grande valor para a conquista da cidadania plena, como o direito universal de votar e ser votada para cargos públicos, a lei de cotas nas listas de candidaturas a cargos eletivos, o direito à posse da terra em nome da mulher rural, a lei do divórcio, as mudanças no Código Civil que estabelecem a igualdade dos cônjuges no âmbito familiar, a proibição da discriminação de gênero no trabalho, a adoção de políticas públicas de Estado, e, mais recentemente a aprovação da Lei Maria da Penha para punir a violência doméstica.
Segundo ela, neste momento ímpar em que vivemos – de uma pandemia, uma crise sanitária sem precedentes, de extremas dificuldades para as mulheres e para a humanidade – “é preciso aprofundarmos nosso entendimento sobre a contribuição da luta das mulheres para as transformações que são inadiáveis, no mundo e em nosso país, para que se compreenda que ser diferente não significa ser inferior. Os direitos das mulheres são direitos humanos!”
Confira a íntegra da entrevista, que compõe o Especial Mulheres na Política.
Brasil de Fato RS - Gostaria que tu nos contasse um pouco da tua trajetória.
Abgail Pereira - Eu nasci em 30 de julho de 1960 em Caxias do Sul, mas vivo em Porto Alegre há muitos anos. Sou Pedagoga graduada pela Universidade de Caxias do Sul, com especialização em Psicopedagogia pela Universidade Castelo Branco (RJ). Casada com Guiomar Vidor, mãe de dois meninos, Filipe e Thomaz, e avó da Rafaela e do Roger.
Minha trajetória pública sempre foi vinculada à política, à luta das mulheres e da classe trabalhadora. No final dos anos 1970, me filiei ao PDT. Mais tarde, em 1985, fui para o PCdoB. No partido, integro as direções municipal, estadual e nacional.
Em 1986, fui eleita para a diretoria do Sindicato dos Empregados em Turismo e Hospitalidade de Caxias do Sul (atual Sintrahtur) e passei a presidi-lo a partir de 1992, por três mandatos. Participei do chamado “lobby do batom”, segmento feminista que mais obteve conquistas na Constituição Federal de 1988; fui uma das fundadoras da União Brasileira de Mulheres (UBM) e liderei a luta pela implantação da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (DEAM) em Caxias do Sul, uma das primeiras do Estado.
Nos anos 2000, participei do processo de fundação da CTB, integrando a direção executiva nacional e sendo a primeira secretária de Mulheres da entidade.
Mais tarde, já em 2008, fui candidata a vice-prefeita de Caxias do Sul, na chapa liderada pelo petista Pepe Vargas. Dois anos depois, concorri ao Senado Federal na chapa com Paulo Paim (PT) e tive mais de 1,5 milhão de votos.
Com a eleição de Tarso Genro ao Governo do RS, assumi a Secretaria do Turismo (SETUR) e acredito que realizamos uma gestão inovadora e aberta ao diálogo. Em 2012, coordenei o processo que levou à aprovação da Lei 14.129, reformulando o Conselho Estadual de Turismo. Em nossa gestão, foi lançada a marca turística “Rio Grande do Sul, Um Grande Destino”. Em 2013, a Assembleia aprovou a Lei Estadual do Turismo, um marco regulatório inédito para o desenvolvimento do setor. Também implantamos o Programa Parada Tri Legal, o Pronatec Turismo e o Tchê Qualifica.
Em 2014 concorri, junto com o governador Tarso Genro, ao cargo de vice-governadora do Rio Grande do Sul. E em 2018, concorri novamente ao Senado, na chapa do senador Paim.
Na Assembleia Legislativa, chefiei o gabinete da liderança do PCdoB, quando a então deputada Manuela D'Ávila era líder do partido, atuando na Procuradoria da Mulher e na elaboração da Lei 15.261/19 que criou a Política de Capacitação Continuada de Mulheres para o Mundo do Trabalho.
Atualmente, assessoro o senador Paim na representação do seu mandato no RS e, nesta função, componho a Força Tarefa de Combate aos Feminicídios do RS. Em Porto Alegre, ao lado de Manuela e Miguel Rossetto, tenho contribuído para ampliar o diálogo junto à população, a fim de buscar alternativas e soluções para os problemas da cidade e construir uma Porto Alegre justa, igualitária e amiga das mulheres.
BdFRS - Como tu avalias a participação das mulheres no movimento sindical, e qual a importância dessa participação?
Abgail - Os sindicatos ainda são um espaço predominantemente masculino. A luta pela superação das desigualdades exige que os sindicatos reconheçam a discriminação e a exploração a que as trabalhadoras são submetidas. A divisão sexual e o conceito de divisão social do trabalho são utilizados pelo capitalismo para incentivar a competição entre os trabalhadores, rebaixando os salários e precarizando direitos. São questões estruturais que exigem respostas diferenciadas para homens e mulheres no mundo do trabalho, seja nas reivindicações, seja nas formas de organização sindical.
Portanto, além de encampar as lutas específicas das mulheres, como igualdade salarial e de oportunidades, é preciso criar as condições para incentivar a participação feminina nas organizações sindicais. Porém, não basta reconhecer a importância da participação da mulher em teoria. É preciso avançar na prática. Uma medida fundamental é a adoção do sistema de cotas de representatividade feminina nas entidades, uma forma comprovada de ampliar a participação da mulher nas entidades sindicais.
BdFRS - O machismo se perpetua em todos os ambientes, no movimento sindical não seria diferente. Como tu analisa o quadro atual?
Abgail - A trajetória da mulher no mundo do trabalho tem sido marcada por forte discriminação, que se inicia já na oferta de vagas majoritariamente disponibilizadas em setores secundários da economia, que pagam os salários mais baixos e estão propensos à maior rotatividade contratual e maior flexibilização, ou em trabalhos temporários, eventuais, domésticos e informais. O mito do custo do trabalho da mulher (afastamento por parto, faltas, doenças dos filhos, a não possibilidade de jornadas estendidas) a coloca em desvantagem na busca de emprego.
A essa desigualdade inicial soma-se a discriminação na remuneração comparativa ao trabalho masculino. Em todas as ocupações, o rendimento médio das mulheres, em idênticas funções, mesmo com maior escolaridade, é menor do que o dos homens, com variantes no percentual por categorias profissionais e ou regiões do país. Essa diferença vem sendo ligeiramente diminuída, mas se mantém como um dos principais indicadores da discriminação de gênero no mundo do trabalho.
Por outro lado, o baixo número de creches públicas dificulta o acesso ao mercado de trabalho e a jornada profissional excessiva — aliada à dupla jornada — sobrecarrega as mulheres e impõe riscos à saúde física e psicológica. O maior número de trabalhadores com doenças ocupacionais por esforços repetitivos é composto por mulheres. E, para completar o quadro, as mulheres também são as principais vítimas de assédio moral e sexual em seus locais de trabalho.
Não se trata de a entidade ser mais ou menos machista. Muito já se conquistou, em todos estes anos de lutas. Hoje, a grande maioria das entidades sindicais já conta com departamentos ou secretarias que tratam das demandas e das lutas das mulheres, mas é preciso que todas passem a ter esses espaços.
BdFRS - Como os desmontes dos últimos anos, em especial no governo Bolsonaro, têm afetado a vida dos/as trabalhadores/as, em especial das mulheres?
Abgail - Sob o efeito do bolsonarismo, agravaram-se as dificuldades vividas pelas mulheres. Foram reduzidos os equipamentos sociais e serviços públicos, gerando sobrecarga para a vida das mulheres, fazendo-as desdobrarem-se em múltiplas tarefas, do espaço público ao privado. Apesar das conquistas alcançadas, dos direitos adquiridos na lei, mas nem sempre na vida, ainda há muito a lutar pela inclusão das mulheres, em condições de igualdade, nos vários espaços da sociedade e a lutar contra a violência, a injustiça, os preconceitos.
Neste momento, o ultraliberalismo e a radical retirada de direitos têm nos levado a um trabalho de super-exploração. As mulheres, principalmente, têm vivido a fragmentação, a precarização do trabalho e o rebaixamento das condições de vida. Também são elas as mais atingidas pelo desemprego, pela informalidade e pela precariedade de direitos. A falta de creches públicas em número suficiente para atender à demanda e a falta de acesso aos serviços públicos de Saúde contribuem para a exclusão social dessas mulheres e de seus filhos.
BdFRS – Quais os principais desafios da luta sindical?
Abgail - A grande participação feminina no mercado de trabalho, nas últimas décadas, foi decisiva para a construção de uma nova imagem social da mulher. Decisiva, também, nas lutas por outras garantias de grande valor para a conquista da cidadania plena, como o direito universal de votar e ser votada para cargos públicos, a lei de cotas nas listas de candidaturas a cargos eletivos, o direito à posse da terra em nome da mulher rural, a lei do divórcio, as mudanças no Código Civil que estabelecem a igualdade dos cônjuges no âmbito familiar, a proibição da discriminação de gênero no trabalho, a adoção de políticas públicas de Estado, e, mais recentemente a aprovação da Lei Maria da Penha para punir a violência doméstica.
No entanto, a superação dessas desigualdades parte, necessariamente, da busca pela igualdade de oportunidades. Para tanto, é urgente que haja oferta de creches públicas em quantidade suficiente para responder a demanda, aliada à extensão da licença-maternidade de 180 dias para todas as trabalhadoras, obrigatória e não facultativa. Fundamental também é a necessidade de combater a diferenciação salarial entre homens e mulheres.
Ao mesmo tempo, é imprescindível a ampliação das políticas públicas de Estado com vistas à difusão de uma nova imagem social da mulher e de combate à violência e à discriminação, inclusive com medidas que reforcem a concepção de compartilhamento do cuidado dos filhos entre homens e mulheres, bem como as que garantam os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres atendidas pelo SUS.
Consequentemente, defendemos políticas públicas que visem possibilitar na vida:
- A igualdade de oportunidades e por condições de trabalho, que reflitam a presença e atuação da mulher como trabalhadora e cidadã, garantindo a capacitação das mulheres para o mercado de trabalho;
- O enfrentamento da violência contra a mulher, que passa pela implementação de política que contemple a prevenção, a assistência e o combate aos vários tipos de violência que atingem as mulheres.
- A melhoria e a ampliação dos serviços que atendem as mulheres em situação de violência, como Delegacias de Defesa da Mulher, Centros de Referência, Casas Abrigo, Defensorias Públicas, das redes de atendimento às mulheres vítimas de violência, envolvendo os vários serviços, organismos de controle social e sociedade civil, além de campanhas educativas e da implantação da Notificação Compulsória.
- Ampliação dos direitos humanos e de cidadania, particularmente no combate a violência, à discriminação racial, geracional e de orientação sexual.
- Aliado a essas questões específicas de gênero, o avanço das conquistas sociais, com a redução da jornada de trabalho sem redução de salário.
- A revogação da EC 95, que congelou investimentos em saúde, educação, segurança e assistência social, atingindo diretamente a vida das mulheres.
Todas essas mudanças caminham juntas com a necessidade de conquista de maior espaço e representatividade.
BdFRS - Que sociedade tu desejas pós-pandemia?
Abgail - A história demonstra que as maiores conquistas do movimento feminino estão diretamente ligadas ao avanço das conquistas de toda a sociedade. Por isso, nesse importante momento da vida nacional, em que se aproximam as eleições para as câmaras de vereadores e prefeituras, as mulheres veem a possibilidade de dar mais um grande passo para a superação das desigualdades de gênero.
Precisamos avançar no rumo da construção de um novo projeto político para o Brasil, com crescimento econômico sustentável e com valorização do trabalho, de forma a garantir o progresso social, o fim do desemprego e a erradicação da miséria.
E é nesse rumo que as mulheres querem que o país avance: o rumo das mudanças, da execução de um novo projeto nacional de desenvolvimento que contemple as reformas que o povo necessita, com soberania, democracia, valorização do trabalho e mais direitos sociais. E é por isso que, nas eleições deste ano, as trabalhadoras devem deixar claro o seu lado, posicionando-se firmemente pela mudança e pela consolidação da democracia, impedindo qualquer tentativa de retrocesso neoliberal da direita e dos setores responsáveis pelo drama vivido pelo povo.
Neste momento ímpar em que vivemos – de uma pandemia, uma crise sanitária sem precedentes, de extremas dificuldades para as mulheres e para a humanidade – é preciso aprofundarmos nosso entendimento sobre a contribuição da luta das mulheres para as transformações que são inadiáveis, no mundo e em nosso país, para que se compreenda que ser diferente não significa ser inferior. Os direitos das mulheres são direitos humanos!
Portanto, reafirmo meu compromisso e luta pela melhoria e ampliação de políticas públicas para as mulheres como direito de todas e dever do Estado, para que possamos garantir mais qualidade de vida, principalmente para as trabalhadoras do povo.
As mulheres continuarão fazendo história. Seguirão rompendo barreiras, derrubando tabus. Com sensibilidade, graça e ousadia, continuarão deixando sua marca e sua contribuição na história da evolução das relações sociais. As mulheres têm a cara da esperança. Por isso, estão atentas, porque, acima de tudo, querem esperançar e acreditam na perspectiva do avanço da luta pela construção de uma sociedade avançada, sem opressão, sem discriminação.
Edição: Katia Marko