Neida Porfírio de Oliveira é professora. Atualmente integra o Conselho Geral do CPERS e o Diretório Nacional do PSOL. Sua trajetória se confunde com a história da categoria dos (as) Trabalhadores (as) em Educação, organizada no CPERS/Sindicato, do qual já foi vice-presidente.
Segundo ela, no curso de Letras, graças a professores militantes da esquerda, foi apresentada ao marxismo. No final da década de 1980 teve a oportunidade de participar de grandes mobilizações e assembleias que contavam com milhares de educadores e educadoras. E foi a partir desse movimento que decidiu transformar a sua militância no CPERS o centro da sua atuação sindical.
Quanto à participação das mulheres no movimento sindical, Neida acredita que quando as mulheres se levantam, revelam uma força espetacular para fazer girar a roda da história. “Desde o seu início, ao lutar por igualdade política, direito ao voto, educação, direito a bens familiares e até ao divórcio, foram as marcas de uma época determinada pela entrada das mulheres no mundo do trabalho.”
Neida destaca ainda, nesta entrevista ao Especial Mulheres na Política, que as grandes mobilizações que têm ocorrido no mundo inteiro contra a violência machista e por direitos, mas que, na sua essência são anticapitalistas, fortalecem a luta das mulheres. “Estas mobilizações são normalmente protagonizadas por estudantes, mas também por jovens trabalhadoras e significam um sopro de esperança para as mulheres da nossa classe de todas as gerações.”
Confira a íntegra da entrevista.
Brasil de Fato RS – Gostaria que tu nos falasse um pouco da tua trajetória.
Neida de Oliveira - Sou professora, passei a maior parte da minha vida trabalhando em escolas de periferia. No meu curso de Letras, graças a professores militantes da esquerda, me foi apresentado o marxismo. Desde então me tornei uma professora ativista em defesa da educação pública e sindicalista.
Militei no PT e na CUT. Em 2004, resultado do processo de ruptura com o PT, iniciamos um movimento pela construção de um novo partido, deste movimento surgiu o PSOL e também uma nova Central Sindical e Popular, a CSP Conlutas, ferramentas políticas e de luta que contribuíram para evitar a dispersão de uma vanguarda combativa decepcionada com os rumos do PT.
No entanto, a minha trajetória se confunde com a história da categoria d@s Trabalhador@s em Educação, organizada no CPERS/Sindicato. No final da década de 1980 tive a oportunidade de participar de grandes mobilizações e assembleias que contavam com milhares de educador@s.
As características destas mobilizações, assembleias massivas, quase sempre dirigidas por mulheres e com a participação de centenas de professoras e funcionárias de escolas, que saíam de suas casas, na maioria das vezes contrariando suas famílias (pais e maridos), vindas de ônibus de todas as partes do estado, muitas trazendo junto seus filhos pequenos, me ganharam para que transformasse a minha militância no CPERS no centro da minha atuação sindical.
BdFRS – Como tu avalias a participação das mulheres no movimento sindical, e qual a importância dessa participação?
Neida - As mulheres, quando se levantam, revelam uma força espetacular para fazer girar a roda da história, desde o seu início, ao lutar por igualdade política, direito ao voto, educação, direito a bens familiares e até ao divórcio, foram as marcas de uma época determinada pela entrada das mulheres no mundo do trabalho.
Entretanto, o capitalismo jamais levará às últimas consequências a possibilidade de incorporar as mulheres na produção, porque é imprescindível manter o exército industrial de reserva, sendo que, para tanto, as mulheres são parte importante, pelas limitações que suas contradições impõem. A falta de creches, restaurantes coletivos e tantas outras dificuldades são exemplos destas limitações.
Diante desta realidade, temos que admitir que a participação das mulheres no movimento sindical reflete em muito a sua condição na sociedade desigual em que vivem. Podemos dizer que a luta baseada na concepção classista do feminismo rompeu muitas barreiras, mas há muito o que fazer.
As grandes mobilizações que têm ocorrido no mundo inteiro contra a violência machista e por direitos, mas que, na sua essência são anticapitalistas, fortalecem a luta das mulheres. Estas mobilizações são normalmente protagonizadas por estudantes, mas também por jovens trabalhadoras e significam um sopro de esperança para as mulheres da nossa classe de todas as gerações.
BdFRS - O machismo se perpetua em todos os ambientes, no movimento sindical não seria diferente. Como tu analisas o quadro atual?
Neida - As mulheres trabalhadoras enfrentam muitas dificuldades para atuar. Sem ter com quem deixar os filhos, com os afazeres domésticos recaindo totalmente sobre os seus ombros, o conservadorismo das famílias e a disputa por espaço com os próprios dirigentes das suas categorias normalmente faz com que se afastem das instâncias dos sindicatos.
Inúmeras vezes escutamos os homens afirmarem que fazem tudo para que as companheiras participem da vida das entidades, mas que elas não se interessam. Pura hipocrisia: as piadas machistas, os comentários sobre as roupas das mulheres, o tom de voz ameaçador – a companheira que reclama e briga, logo é taxada de louca, histérica, etc. – enfim, estes são apenas alguns exemplos do ambiente hostil que as mulheres precisam enfrentar.
Fruto do fortalecimento do feminismo classista, da experiência acumulada de uma geração que teve que “colocar o pé na porta”, estamos tendo mais espaço para combater as estruturas burocráticas e machistas dos sindicatos. O caminho é longo. Precisamos continuar exigindo a paridade nas direções, que as mulheres falem pelas mulheres, nos levantando contra o papel de “enfeitar a mesa” nas atividades, mas, principalmente, que o protagonismo das ruas seja reproduzido internamente nas entidades.
BdFRS – Como os desmontes dos últimos anos, em especial no governo Bolsonaro, têm afetado a vida dos/as trabalhadores/as, em especial das mulheres?
Neida - O governo Bolsonaro, por certo, representa o carro-chefe da contrarrevolução feminista, não foi por acaso que o segundo turno das eleições em 2018 foi marcado pela reação protagonizada pelas mulheres contra sua eleição. Mesmo assim, o seu projeto ultraliberal, machista, homofóbico e misógino foi vencedor.
Com Bolsonaro, inúmeros retrocessos estão ocorrendo, pois a sua política está centrada na criminalização dos movimentos, no ataque às liberdades democráticas e, principalmente, na retirada de direitos da classe trabalhadora. O pior é que, neste último quesito, existe unidade absoluta entre a ala militar e setores fascistas e da burguesia.
Exemplos de ataques ao conjunto da nossa classe, como: reforma da Previdência, confisco nos salários dos aposentados, privatizações, desmonte do serviço público, a aprovação da emenda constitucional do “corte de gastos”, sem contar que o braço armado do Estado está autorizado a matar a juventude negra das periferias. Vale salientar que todas estas medidas trazem consequências sempre mais cruéis para as mulheres trabalhadoras.
BdFRS – Quais os principais desafios da luta sindical?
Neida - O principal desafio dos sindicatos é organizar os trabalhadores e trabalhadoras para retomar as ruas assim que a crise sanitária estiver controlada. Será necessário avançar para além da luta corporativa e conscientizar as bases da necessidade da luta política. Por isso está na ordem do dia a mobilização para derrotar Bolsonaro/Mourão. Neste momento, é fundamental construir a maior unidade possível para enfrentar este governo.
Os Sindicatos precisam também construir e aprofundar alianças com os movimentos sociais e populares: na defesa do meio ambiente, das bandeiras democráticas, na guerra contra a discriminação, combatendo o racismo, a LGBTfobia, o machismo e todas as demais formas de opressão.
A classe trabalhadora brasileira não está derrotada, mas está desorganizada e fragmentada, a maioria dos sindicatos se burocratizou e existe uma luta fratricida em torno dos aparelhos. Será preciso reorganizar a nossa classe para encarar o desafio de construir uma nova direção.
Com certeza isto não se dará negando o passado, ao contrário, precisamos, a partir de um balanço criterioso (crítica e autocrítica), construir, o mais unitariamente possível, esta alternativa.
Para além da unidade para lutar, no calor das ruas, será possível construir um programa dos trabalhadores e trabalhadoras, com independência de classe e que se apoie nas mobilizações para fazer rupturas com a ordem vigente.
BdFRS – Que sociedade tu desejas pós-pandemia?
Neida - Atuo no movimento sindical, mas há mais de 25 anos milito sob a bandeira revolucionária do trotskismo. Defendemos que a derrota do capitalismo se dará através da revolução socialista e somente assim será possível construir uma sociedade mais justa e igualitária, esta é a estratégia para a qual dedico minha vida.
Mas vale ressaltar, a crise sanitária, juntamente com a crise econômica e política, colocou em xeque alguns pilares do capitalismo. Deixou explícito que o saber e a ciência não estão a serviço das vidas, mas sim do lucro. Que o Estado, que deveria ser responsável pelas políticas públicas, não cumpre o seu papel, pois vidas poderiam ter sido salvas se tivessem tido atendimento adequado.
Apesar de tudo, tornou-se mais acessível o diálogo com a população sobre o significado deste projeto. Por incrível que pareça – apesar de Bolsonaro – nossa fala de que um “outro mundo é possível” e que o socialismo é a saída para a barbárie capitalista começa a ter mais audiência. Também acreditamos que os laços de solidariedade entre a classe trabalhadora se fortaleceram e certamente deixarão sementes.
Sem ilusões sabemos que o pós-pandemia deixará marcas profundas, pois as crises econômica, social e política tendem a se aprofundar, no entanto, acreditamos na reação da nossa classe, apostamos que será possível passarmos da etapa da resistência para o enfrentamento. Encerro afirmando que só a luta pode mudar a vida e mais, a emancipação da classe trabalhadora será obra dos próprios trabalhadores.
Edição: Katia Marko