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Coluna

​​​​​​​As bases emocionais irracionais da ideologia fascista

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Adolf Hitler (1889-1945) é recebido por apoiadores em Nuremberg, em 1933. Propaganda nazista criou o Mito - Divulgação
Para entender o fascismo, série aborda o livro Psicologia de Massas do Fascismo, de Wilhelm Reich

Em “Psicologia de Massas do Fascismo”, Wilhelm Reich irá se dedicar, entre outras coisas, a compreender o funcionamento da ideologia no interior desse fenômeno afirmando, nesse contexto, que a ideologia possui uma função objetiva e uma função subjetiva.

Do ponto de vista objetivo, a ideologia nacionalista, por exemplo, cumpre a função de solucionar dificuldades econômicas, na medida em que serve como justificativa para a expansão imperialista: a nação alemã teria, então, dada a superioridade de sua cultura e de sua “essência nacional”, o direito a conquistar mais territórios obtendo, assim, mais recursos naturais.

Além da função material e objetiva, entretanto, as bases ideológicas do fascismo teriam, também, uma função subjetiva enquanto expressões dos conflitos emocionais e da irracionalidade dos indivíduos que com elas se identificam. Reich está preocupado em compreender justamente a origem irracional da ideologia fascista na estrutura neurótica das massas. Para ele, o fascismo, por estar apoiado em concepções místicas e metafísicas, não poderia ser combatido a partir de argumentações racionais, mas apenas por meio do conhecimento a respeito da dinâmica de sua irracionalidade e da maneira como esta atende a necessidades emocionais inconscientes de seus apoiadores. Sua finalidade última é a de compreender como as dinâmicas sociais, no geral, e educativas, em particular, podem remodelar as estruturas humanas a ponto de produzir tendências tão reacionárias e irracionais.

Reich afirmará, então, que, na psicologia de massas, o führer é a personificação da nação. Para cumprir essa função simbólica, tal liderança precisa encarnar a nação em conformidade com o sentimento nacional das massas. Isso quer dizer que ele precisa poder se adaptar às necessidades emocionais destas últimas. Hitler o fez na medida em que foi capaz de despertar os laços afetivos da família nos indivíduos, encarnando a figura de um pai autoritário e atraindo para si todas as atitudes emocionais que foram, em algum momento, destinadas a esse pai. Nesse sentido, é a necessidade infantil de proteção ancorada emocionalmente nas massas que garante que, de seu ponto de vista, o líder autoritário seja efetivamente capaz de “conseguir tudo”, isto é, de cumprir suas promessas de salvação. Quanto mais desamparado um indivíduo se tornou, em consequência de sua educação, mais ele apostará na liderança autoritária.

Da mesma forma, essa tendência à identificação e à idealização constituirão a base para o que Reich irá chamar de narcisismo nacional: a autoconfiança que cada apoiador do fascismo, individualmente, retira da “grandeza da nação”. Assim, a miséria emocional, sexual e econômica de cada um será escamoteada pela exaltação da ideia de pertencer a uma raça dominante e de ter um líder “brilhante”. O que essa atitude esconde de todos aqueles que a adotam é, entretanto, o quanto cada um se deixou reduzir a uma posição cega de submissão.

Reich dedicará especial atenção à ideologia racial. Suas bases, para ele, assentam sobre a ideia de “pureza” em contraposição à de “envenenamento do sangue”. Conservar o sangue e a raça puros seria a tarefa mais sublime de uma nação, uma vez que a mistura racial representaria o declínio da Cultura e da alma de um povo.

Para Reich, a ideologia de raça tem um fundo irracional e o objetivo inconsciente de proteger a herança patriarcal da sociedade e a repressão da sexualidade a ela relacionada. Ele afirmará que a ideologia fascista coloca o patriarcado como ponto de origem da história ariana – em uma espécie de mito fundador – sem considerar o passado matriarcal historicamente comprovado dos povos.

Uma das principais características do patriarcado é justamente a maneira como nele é tratada a sexualidade. Enquanto nas sociedades matriarcais a sexualidade natural é vista com uma atitude positiva e espontânea, no patriarcado ela é colocada a serviço da sujeição econômica. Isso porque o patriarcado inaugura a era dos casamentos monogâmicos indissolúveis como forma de preservação do patrimônio e da herança, contribuindo, desta forma, para a manutenção da divisão social em classes. Tais casamentos são sustentados às custas da repressão da sexualidade e sobre as bases da resignação dos indivíduos em relação à ausência de felicidade sexual.

A moral compulsiva inaugurada no patriarcado garante a repressão sexual, sem a qual as estruturas econômicas que o acompanham não seriam sustentadas – para Reich a passividade diante da exploração econômica e da infelicidade no cotidiano está assentada na impossibilidade orgânica de experimentar o prazer.

A ideia de uma moral sublime e casta perturba a possibilidade de satisfação e impregna a sexualidade com sentimentos de culpa. A sexualidade natural é assim distorcida, dando lugar à brutalidade sexual, à repressão e perseguição da sexualidade feminina, às perversões e a toda sorte de comportamentos neuróticos. Assim, a sexualidade perversa produzida pela repressão é utilizada para reforçar o moralismo que a criou – o discurso moralista se apoia na ideia de que a sexualidade é naturalmente depravada para justificar a repressão.

Todas as sociedades que evoluíram ao patriarcado passaram a distinguir uma essência pura e casta de uma essência demoníaca e vulgar, criando essa oposição entre deus e diabo, entre o que é moral e o que é sexual.

A base emocional irracional da ideologia de raça é, então, a angústia sexual. Seus defensores, cuja estrutura psíquica se apoia nessa divisão artificial entre puro e impuro, projetam inconscientemente nas “raças inferiores” as necessidades sexuais e, assim, também as ideias de sujeira, pecado, demônio, êxtase, etc. Desta forma, tentam se purificar delas a qualquer custo. Sua própria raça seria, em contrapartida, a representação da superioridade moral, que deve ser conservada e expandida. A ideia da “degeneração cultural” é a representação da irrupção da sexualidade natural na cultura. Só é considerada como degeneração porque ameaça a moralidade compulsiva e a estrutura econômica da sociedade patriarcal.

Para Reich, a perseguição às “raças inferiores” perpetrada por um indivíduo é, em última instância, uma defesa contra o espírito dionisíaco e contra a emergência em si mesmo dos impulsos sexuais naturais.

Da mesma maneira, podemos desconfiar de que toda perseguição a inimigos “perigosos” em nome da “pureza” ou da “salvação de valores morais” constitui, em algum nível, uma atitude projetiva que visa administrar um conflito sexual individual. Diante da impossibilidade de lidar diretamente com os conflitos internos entre os impulsos sexuais naturais, sua distorção perversa e os valores morais artificiais socialmente adquiridos, uma pessoa pode viver esse conflito na forma indireta de uma tentativa de “purificar o mundo”.

Descrição da imagem: trata-se de uma fotografia em preto e branco de uma carreata. Hitler está no centro da imagem, no interior de um carro conversível, sorrindo e usando uma farda. Podemos ver apenas o vidro retrovisor do carro. Ao redor de Hitler, uma multidão, da qual podemos ver muitas mãos que tentam alcançá-lo, rostos sorrindo e braços fazendo a saudação nazista.

Edição: Katia Marko