Rio Grande do Sul

Coluna

Mais movimento, menos instituição

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Os tempos precisam ser de reinvenção, de reencanto. Os tempos são de mais movimento e de menos instituição - Divulgação
Onde está o sonho? Onde está a relação cotidiana com o povo? Como manter a chama acessa?

Meu artigo semanal de 9 de dezembro de 2016, três anos e meio atrás, tinha como título ‘Menos Instituição, mais Movimento’. Começava assim: “Está (quase) todo mundo se perguntando, no campo popular e da esquerda: Onde foi que erramos? O crescimento da direita raivosa, a intolerância por todos os lados, a falta de projeto, a não efetivação de mudanças estruturais, a ausência de uma utopia libertária, entre outras tantas questões da conjuntura, deixam muitas perguntas no ar.

Onde está o sonho? Onde está a relação cotidiana com o povo? Onde está a militância com causa e coragem? Cadê a utopia? Como manter a chama acesa?”

Faço a mesma pergunta hoje, 26 de junho de 2020, em ‘tempos de cólera’, com a pandemia do coronavírus afetando o mundo inteiro, e mais especialmente o Brasil, o ódio e a intolerância tendo se expandido quase ao infinito, e a existência de um governo Bolsonaro/Mourão autoritário e genocida.

Há pelo menos uma notícia boa no atual momento brasileiro. A pandemia fez ressurgir em muitos lugares, espaços e corações a solidariedade e o cuidado com a outra e o outro. Grupos de pessoas organizam-se para ajudar quem mais precisa, até porque a fome, a miséria e o desemprego tomaram conta de milhões de lares e famílias. Nas periferias, estudantes e professores mobilizam as escolas, militantes sociais se organizam para entregar cestas básicas, e assim garantir o pão diário de crianças, jovens e população em situação de rua. Fiéis de igrejas e pastorais sociais se sensibilizam e organizam ondas de ajuda. Estudantes de Universidades (ver meu artigo da semana passada ‘A cidade e a Universidade na boa luta’) saem de seus casulos e conhecem vilas e comunidades. Surgem Comitês Populares de combate à fome, como nos tempos de Betinho com a Ação da Cidadania. Temas como a renda básica universal voltaram ao debate do cotidiano.

E há outra notícia boa. Mesmo com todos os cuidados necessários por causa da pandemia, em especial por parte das pessoas em situação de risco, do uso de máscaras e da estrita observância das regras sanitárias, as ruas estão voltando a se encher, principalmente mulheres e juventude, gritando Fora Bolsonaro e Mourão, defendendo a democracia, políticas públicas com participação popular e dignidade para o povo brasileiro.

É nas ruas que acontecem as revoluções. É no ‘ninguém solta a mão de ninguém’. As pessoas e os movimentos podem transformar o Brasil, a América Latinha e o mundo, disse esta semana Oscar Jara, presidente do CEAAL (Conselho de Educação Popular da América Latina), em ‘Diálogos e Educação Popular e Cidadania’. Oscar perguntou: “O que vamos aprender neste momento histórico inédito? As situações de crise, como esta que vivemos com a pandemia, trazem oportunidades. São crise e oportunidade ao mesmo tempo.”

Num outro debate virtual via redes sociais, desses muitos que acontecem nestes tempos de isolamento social obrigatório, sobre ‘Guerras Híbridas, Revoluções Coloridas e Comunicação’, Miguel Stédile falou: “A comunicação tem que expressar um projeto de transformação.” Enviei mensagem para os organizadores do debate, a Rede Soberania: “Beleza, Miguel. Projeto de transformação comunicado nas ruas. Com muita formação. É a tarefa principal na conjuntura. Além, é claro, das iniciativas de atender no imediato a falta de comida, a ausência de trabalho e a pobreza que cresce a olhos vistos, já que o Estado e a maioria dos governos, especialmente o federal, não têm políticas públicas e praticamente não fazem nada.”

Isso é movimento. As instituições, no meio da tragédia, em geral, continuam paradas ou quase tão paradas quanto antes. A comunicação, as redes sociais, agora em evidência, devem estar a serviço do movimento, em primeiro lugar. Assim, e neste contexto, abre-se a oportunidade do debate de um projeto de sociedade que vai se converter em realidade, com muito movimento, com povo na rua, com sonhos, com utopia, como aconteceu tantas vezes na história, inclusive no Brasil.

A formação fundamental mais importante é a que se dá na luta, na rua. Era assim que acontecia com as grandes greves e ocupações urbanas e rurais de tempos atrás. Esperar saídas e alternativas via instituições – igrejas, partidos, governos, entre outras –, neste momento histórico e conjuntura, é não ter salvação à vista, nem esperança no horizonte. A não ser que alguma das instituições consiga enfrentar e superar seu lado institucional, tornando-se de novo mais movimento, o que é pouco provável, nem costuma se dar no curto prazo.

Os tempos precisam de reinvenção, reencanto, utopia. Os tempos são de mais movimento e de menos instituição. A democracia, a soberania popular, o ser Nação exigem, nesta quadra histórica, que o lado movimento se (re)apresente. E que, para sua construção e reinvenção permanentes, o lado instituição seja diminuído, profundamente renovado, e, eventualmente, em alguns casos, algumas instituições sejam até mesmo enterradas definitivamente.

Vale para a vida pessoal de cada um, vale para a comunidade, vale para o movimento social, vale para os partidos políticos, vale para as igrejas e todas as instituições incapazes de se auto-encararem, serem movimento. Ontem, 2016, e hoje, 2020, mais movimento, menos instituição. Menos instituição, mais movimento.

Edição: Katia Marko