Rio Grande do Sul

Coluna

A família patriarcal de classe média como instituição formadora do reacionarismo

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"A defesa da família tradicional é uma das pedras angulares de toda política cultural fascista" - Divulgação
Para entender o fascismo, série aborda o livro Psicologia de Massas do Fascismo, de Wilhelm Reich

Em “Psicologia de Massas do Fascismo”, Wilhelm Reich argumentará que, onde quer que tenha surgido, o nacional-socialismo foi sempre um movimento das classes médias e classes médias baixas, tendo a ascensão do fascismo mostrado a grande força histórica e política dessa camada da população. Ele dirá que “na mais grave crise econômica atravessada pelo sistema capitalista (1929-1932), a classe média, representando a causa do nacional-socialismo, tomou o poder político e impediu a reconstrução revolucionária da sociedade”.

Reich buscou entender, então, as particularidades da estrutura de personalidade dos indivíduos das classes médias, partindo da compreensão de que a posição social por eles ocupada era determinante na configuração de tal estrutura. Ele concluiu que as classes médias são as que retém e conservam, com todas as suas contradições, os vários milênios de regime patriarcal. Sua estrutura emocional é marcada por uma revolta contra a autoridade, acompanhada de respeito e submissão.

Ele observa que a posição emocional da classe média é determinada pela sua posição no processo de produção capitalista, por sua posição no aparelho de Estado e pela sua situação familiar especial.

Em termos de ocupação, os setores das classes médias baixas eram compostos, em sua maioria, de pequenos comerciantes, funcionários de empresas privadas, pequenos agricultores ou funcionários públicos de baixo escalão. Essa posição social irá determinar um tipo particular de consciência e postura emocional em relação às autoridades.

Enquanto funcionários públicos, por exemplo, os indivíduos de classe média são caracterizados por uma identificação com o poder estatal. No caso de funcionários de uma empresa, a identificação ocorre em relação ao patrão. Isso se deve, segundo Reich, à sua posição intermediária entre a autoridade e os trabalhadores mais pobres.

Devendo obediência aos superiores, o funcionário de classe média é, ao mesmo tempo, o representante da autoridade do Estado ou do patrão diante dos que estão abaixo dele. Como tal, goza de uma posição moral privilegiada. Assim, em um esforço para esconder sua origem e sua posição econômica inferior, o funcionário de classe média assume atitudes e maneiras de pensar da classe dominante, estando sempre disposto e se adaptar à autoridade.

Isso produz, em sua estrutura de personalidade, uma clivagem entre sua situação econômica real e sua ideologia, que pode ser resumida na expressão “come mal, mas anda bem vestido”. Independente dos fatores econômicos que os afetam diretamente, os indivíduos de classe média estão tão emocionalmente ligados à autoridade que esta ligação se mantém absolutamente firme, mesmo em épocas de crise.

Na situação familiar dos indivíduos de classe média, Reich irá encontrar as raízes dessa grande identificação com as figuras de autoridade. Para os pequenos produtores rurais ou pequenos comerciantes, por exemplo, a família se torna uma empresa econômica: é comum que todos os seus membros trabalhem no negócio familiar para que haja economia de despesas com contratação de funcionários. Assim, há um entrelaçamento entre a estrutura familiar e a estrutura econômica, em que a hierarquia empresarial e a hierarquia familiar se reforçam mutuamente, assim como a dependência econômica e a dependência emocional em relação aos membros da família. Nesse contexto é criado o senso de apego e obediência à autoridade e à nação. Em outras palavras, para Reich, a família autoritária e patriarcal é onde se formam as bases para a reprodução da obediência à autoridade. Assim, as famílias, centralizadas pela figura hierarquicamente superior do pai, se tornam pequenas unidades de reprodução do Estado autoritário.

Os membros das classes médias baixas, para se diferenciarem dos trabalhadores, se apoiam em sua forma de vida familiar e sexual, isto é, procuram distinção a partir da conservação de um senso de moralidade “impecável”. Ou seja, uma vez que se encontram em uma situação econômica inferior à das classes médias altas, usam sua ideologia sexual moralista como forma de compensação.

As inibições sexuais são pré-requisitos para a família autoritária, e o princípio essencial da formação da estrutura de personalidade dos indivíduos de classe média. Elas são mantidas, por meio do temor religioso, na forma de sentimentos de culpa sexual fortemente enraizados nas emoções. É desta forma que o combate à sexualidade natural terá a família autoritária como seu principal agente.

No interior das famílias o pai será o representante da moral, reproduzindo nos filhos uma atitude de submissão para com a autoridade. Estes, além da mencionada submissão, desenvolverão uma forte identificação com a figura do pai e, posteriormente, com todas as figuras de autoridade. As mulheres, por sua vez, tenderão a adotar uma atitude de resignação, que esconde uma revolta sexual recalcada. Deste tipo de relação resulta a atitude passiva e obediente do indivíduo de classe média baixa diante da figura do führer.

Reich irá observar que a soma dessas atitudes moralistas culminará, para as classes médias baixas, em ideias exacerbadas (e não atos!) de honra e dever, que são uma constante na ideologia fascista. Apesar de poderem ser desonestos na prática, os indivíduos fascistas ficam extasiados diante dessas ideias.

A inibição da sexualidade natural gera uma forte diminuição da autoconfiança dos indivíduos que é compensada, em alguns casos, pela brutalidade sexual e, em outros, pela rigidez. Em todos os casos é desenvolvida uma compulsão para controlar a própria sexualidade. Essa é, para Reich, a base orgânica para o desenvolvimento das concepções patológicas e altamente emocionais de honra, dever, coragem e autodomínio que fazem parte do imaginário fascista. No Brasil, por exemplo, honra e dever aparecem muito bem representados na figura dos “cidadãos de bem”, que se consideram grandes bastiões da moralidade.

O sentimento nacionalista, para Reich, também será produzido nas subjetividades a partir da ligação de dependência familiar que, como vimos, se expressa particularmente nas classes médias devido a sua situação econômica: “as concepções de pátria e de nação são, no seu fundo emocional subjetivo, concepções de mãe e de família. Nas classes médias, a mãe é a pátria da criança, tal como a família é a sua nação em miniatura”.

A forte fixação ao núcleo familiar, baseada em dependência econômica e na luta inconsciente contra os próprios impulsos sexuais naturais (repressão sexual), bem como uma identificação com as figuras de autoridade e com as classes superiores são, para Reich, os germes de formação, nas classes médias, da estrutura biopsicológica do indivíduo reacionário. Não à toa, a defesa da família tradicional é uma das pedras angulares de toda política cultural fascista.

Descrição da imagem: trata-se da foto de uma típica família de classe média em uma mesa de café da manhã com leite, waffles e frutas. Da esquerda para a direita, temos um menino de uns 12 anos de idade, uma menina que deve contar 10 anos, uma mulher e um homem adultos. Atrás deles há uma janela através da qual se pode ver árvores e o céu azul. Todos estão sorrindo e olhando uns para os outros.

Edição: Katia Marko