Rio Grande do Sul

Coluna

Por que a humanidade economicamente miserável apoia sua própria opressão?

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“O fascismo, na sua forma mais pura, é o somatório de todas as reações irracionais do caráter do homem médio” - Domínio Público
Psicologia de Massas do Fascismo, livro de Wilhelm Reich para entender a subjetividade do fascismo

Já afirmei nesta coluna que Wilhelm Reich (1897-1957) descobriu que a estrutura do ser humano neurótico está disposta em três camadas.

A mais próxima da superfície é um estrato narcísico, composto por ajustamento social, generosidade, polidez e autocontrole falsos, e tem a ver com a imagem de si mesmo nutrida por alguém. A camada intermediária é composta por impulsos destrutivos, inveja e ódio. Ela é gerada pela frustração dos impulsos amorosos naturais de um indivíduo ao longo de seu processo de desenvolvimento. Por ser contrária à moral da sociedade, essa camada precisa ficar oculta. A terceira camada, mais profunda, é o cerne biológico, de onde partem os impulsos sexuais naturais, a compaixão genuína e o amor.

Os agrupamentos sociais, políticos e ideológicos, segundo Reich, têm correspondência com esses níveis da estrutura humana. Assim, podemos afirmar, por exemplo, que o liberalismo, que viabiliza a livre exploração capitalista em nome da “prosperidade geral” e da “distribuição igualitária espontânea das riquezas”, corresponderia à camada mais superficial, a um verniz de polidez que esconde uma intenção destrutiva. As sociedades primitivas matriarcais, baseadas na distribuição igualitária da riqueza e no trabalho mais conectado às leis e aos ritmos naturais, estaria em correspondência com o cerne biológico humano. Já o fascismo seria a expressão política e ideológica da camada intermediária de impulsos destrutivos que se desenvolve na estrutura biopsicológica humana como produto da repressão sexual.

“Psicologia de Massas do Fascismo” é o livro em que Reich apresentou esta e muitas outras ideias a respeito desse fenômeno, que ele busca analisar do ponto de vista das subjetividades. É importante termos sempre em mente que, do ponto de vista reichiano, estas últimas são compostas de arranjos mentais e biológicos.

Neste livro, que dará origem a uma série de artigos que publicarei de agora em diante, Reich tenta fornecer um conhecimento bem fundamentado dos processos biológicos e psicológicos que geram o fascismo, por entender que apenas o conhecimento a respeito das leis da vida e de sua distorção poderia levar ao correto enfrentamento desta doença social. Para ele, o fascismo não será eficazmente combatido por meio de estratégias e manobras políticas, mas apenas perante a organização natural do trabalho, do conhecimento e do amor.

Esse livro foi pensado entre 1930 e 1933 na Alemanha, época da ascensão do partido nazista ao poder com a eleição de Hitler. Portanto, essa é a experiência imediata que fornecerá as bases para a reflexão de Reich acerca desse fenômeno. No entanto, Reich afirma que é um erro considerarmos o fascismo como uma experiência localizada em um único país, ou como obra de um partido político. Ao contrário, o fascismo é um fenômeno internacional que permeia todos os corpos da sociedade humana de todas as nações justamente porque ele emana da estrutura humana distorcida: a partir de sua experiência com o tratamento das neuroses Reich descobriu traços do pensamento e do sentimento fascistas em todos os indivíduos.

O fascismo, para Reich, é o somatório de todas as reações irracionais do caráter do homem médio, que é subjugado, sedento de autoridade e, ao mesmo tempo, revoltado. É, portanto, “a atitude emocional básica do homem oprimido da civilização autoritária da máquina”; um amálgama de sentimentos de revolta e ideias sociais reacionárias.

Reich tenta explicar a contradição do fato de que o fascismo é um movimento abraçado pelos trabalhadores e pelas classes médias baixas, que surge em um momento de extrema crise social, com empobrecimento e acirramento das dificuldades materiais vividas por amplos setores populacionais. Do ponto de vista das condições materiais objetivas que estavam sendo vividas, seria razoável esperar que os cidadãos lutassem para modificar as estruturas econômicas no sentido da distribuição de riquezas. O que aconteceu, ao contrário, foi que, nessa situação, amplos setores das massas populares buscaram a solução de seus problemas no fascismo. Como isso foi possível?

Reich lança as bases da psicologia de massas entendendo que seria absolutamente necessário explicar o que torna humanamente possível essa escolha irracional, a qual não poderia ser explicada pelas condições socioeconômicas, mas sim pelas condições psíquicas e biológicas das massas. Ele dirá que a estrutura psíquica das pessoas desenvolve as mesmas contradições da estrutura social, e busca entender como a estrutura social pode se reproduzir em nossa estrutura psíquica e emocional.

Apesar de a crise social ser um fator objetivo que deveria levar, de um ponto de vista lógico e saudável, ao engajamento social baseado na clareza de consciência a respeito da própria situação e à responsabilização pela transformação das condições estruturais que geram a miséria material, o que aconteceu na prática foi uma clivagem: as condições econômicas pediam uma transformação revolucionária da sociedade, mas as condições psíquicas e ideológicas de amplos setores da população penderam para o reacionarismo.

A psicologia de massas proposta por ele seria importante por justamente fornecer a resposta a respeito dessa contradição. Para ele, em última instância, a distorção irracional das atitudes e da consciência humanas está assentada na repressão sexual perpetrada no seio das civilizações autoritárias. Para que isso fique mais claro, é importante entendermos a função social da repressão sexual tal como exposta por Reich.

Com o advento das sociedades patriarcais autoritárias e a divisão das sociedades em classes, surge a repressão da sexualidade. Neste ponto, os interesses sexuais gerais passarão a atender aos interesses econômicos de uma minoria: a repressão sexual favorece que a energia vital humana possa ser economicamente explorada. A repressão sexual, incutida nas pessoas desde cedo, tem a função de torná-las dóceis, medrosas, tímidas e submissas. Ela tem o efeito de paralisar as forças de rebelião porque, em um contexto de repressão sexual, qualquer impulso vital passa a estar associado ao medo. Há, então, uma paralisação do pensamento e espírito críticos: “A estrutura autoritária do homem é basicamente produzida (…) através da fixação das inibições e dos medos na substância viva dos impulsos sexuais”.

Assim, a inibição das necessidades materiais levaria à revolta. Ao contrário, a inibição das necessidades sexuais leva ao medo da liberdade e ao conservadorismo. Reich observou que a energia sexual reprimida se transforma em uma atitude moralista contra a sexualidade e contra os impulsos vitais. Estes últimos seriam os únicos capazes de tornar as pessoas responsáveis por uma revolta justa contra a miséria social reproduzida no sistema capitalista.

Descrição da imagem: trata-se de uma fotografia em preto e branco retratando uma manifestação de rua. Nela, um conjunto de pessoas vestidas de preto segura uma grande faixa de tecido também na cor preta em que se pode ler a seguinte frase, em italiano: il fascismo non passerà.

Edição: Katia Marko