A vida das nossas filhas e filhos precisa estar em primeiro lugar!
Estamos em um momento totalmente excepcional na educação em virtude da pandemia. Uma curva ascendente de contágio e de vitimização letal pela covid-19 se apresenta - tanto no Brasil quanto no RS e em Porto Alegre. A capacidade das UTIs na capital já está em alerta – aumentou a ocupação em 35% nos últimos três dias e temos 78% de ocupação desses leitos hoje. São pelo menos 710 mil casos testados e confirmados e 37 mil mortes no Brasil por conta do novo coronavírus, sendo 291 mortes e mais de 12 mil infectados no RS até o dia 8 de junho. Portanto, impossível de se pensar em volta às aulas presenciais sem antes muitas ações e protocolos serem formulados com transparência e participação social, especialmente da comunidade escolar gaúcha.
Estamos sem aulas presenciais desde março, quando principiava o ano letivo. A Associação Mães e Pais pela Democracia foi uma das primeiras a pedir pela suspensão das aulas no dia 12 de março, a partir do que depreendíamos da análise comparada com outras realidades mundiais. Desde então, a maioria das escolas da rede de ensino privada gaúcha conseguiu oferecer ensino remoto e à distância aos seus alunos, não sem sacrifícios de toda a comunidade escolar – de mães e pais a professoras e professores.
O Governo do Estado do RS, por sua vez, informou que as escolas da rede pública estadual tiveram contato com no máximo 35% do alunado no período, conforme informou a Secretaria Estadual de Educação (SEDUC) em live do Governo do Estado. O secretário estadual de Educação Faisal apresentou ontem que, nesta primeira semana de ensino remoto, inaugurada em 1º de junho, somente cerca de 15% dos alunos e professores acessaram a plataforma classroom do Google for Education. A escola está muito distante dos alunos de escola pública e esse distanciamento não se deve aos professores e professoras, mas sim, à administração pública estadual, de muitas gestões que não deram a centralidade que a educação precisava.
Temos participado do debate permanente na Comissão de Educação da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (ALRS) há pelo menos um mês. Entre alguns consensos discutidos nesse fórum está o de que não temos como pensar em voltar às aulas presenciais agora – algo que ficou “fora do lugar” em relação ao calendário e cenários apresentados pelo Executivo. Ora, é evidente que decisões com esse grau de impacto na vida pessoal e educacional dos nossos filhos e filhas e de milhões de vidas do nosso estado demandam necessariamente um amplo debate, em que os protocolos apresentados possam ser discutidos com os desafios concretos das escolas públicas estaduais. Em vez disso, o governador sinalizou para uma reabertura gradual das escolas privadas, começando, a nosso ver, inexplicavelmente, pelas escolas de educação infantil.
Por que precipitar a retomada das aulas presenciais de escolas particulares em um contexto em que as evidências apontam para uma curva de acelerado crescimento em nível nacional com impacto também no RS, a exemplo de Porto Alegre? A vida das nossas filhas e filhos precisa estar em primeiro lugar! Nem o Estado do Maranhão, que tem liderado nacionalmente esse debate, discute um calendário com claro sinal de reinício breve do ano letivo no auge da pandemia no país – parece-nos que estamos flagrantemente colocando a “carroça na frente dos bois”.
Claro que a educação remota é uma forma de redução de danos, e não é desprezível, pelo contrário. Todavia, no caso do Estado RS, precisamos saber quais as reais condições de estrutura, viabilidade do exercício docente e discente desde o ambiente doméstico, alunos e professores têm acesso à internet e a computador. Quem fica de fora do ensino oferecido? E o que fazer? Não podemos virar as costas para a educação mediada pela tecnologia, mas ela não substitui a educação escolar presencial e as diferentes contribuições da escola para a construção de subjetividades e sociabilidades abertas ao reconhecimento das diferenças e a promoção da diversidade. Falta afeto, falta interação entre alunos e professores, nitidamente, e os professores e alunos que estão com aulas online estão esgotados e com um sentimento de “apagão educacional”, como aponta Daniel Cara. Talvez porque a aceleração brutal da jornada de transformação digital que se seguiu ao espanto da pandemia não permitiu uma maior reflexão por parte da comunidade escolar sobre aspectos metodológicos.
Não se trata de reproduzir no meio virtual as mesmas práticas educacionais do ensino presencial tradicional. As tecnologias podem ser estratégicas na volta às aulas presenciais, no reforço e nas atividades extras, sobretudo com o ensino híbrido (dias alternados entre aulas presenciais e remotas). Proporcionar os meios para que esse processo ocorra no ensino público e na regulação do privado é missão indelegável do governo estadual e, a nosso ver, este deveria ser o foco do nosso debate, sobrevindas as possibilidades fáticas de se falar efetivamente em retomada das aulas presenciais, do que, infelizmente, estamos muito longe...
O que não pode acontecer em um contexto de pandemia é acessarmos os protocolos de volta às aulas com as questões sanitárias por meio de um “furo jornalístico” – vazamento do documento, como aconteceu há três semanas aqui no RS. No meu entendimento, os últimos protocolos e portaria podem abrir brechas para que as instituições públicas e privadas tenham atendimentos diferenciados ao alunado e isso é ilegal. De igual modo, parece não levar em consideração as especificidades da infância e da juventude, as questões pedagógicas e as questões jurídicas também estão sendo desconsideradas, ou, no limite, secundarizadas.
Além do mais, nos quatro cenários dos cinco apresentados de volta às aulas pelo Governador no mês passado, a Educação Infantil iniciava o retorno gradual das aulas, crítica contundente da FAMURS nesse sentido também. Talvez porque à época do lançamento desse encaminhamento sequer houvesse diretora pedagógica na SEDUC, como denúncia(s) recebida(s) por mim nesse período.
Achamos, ainda, muito inconveniente o fato de o CPERS não ter sido convidado a dialogar e a debater essas questões tão sensíveis para a educação gaúcha nem as mães e pais e talvez também nem o Conselho Estadual de Educação. Foi só o SINEPE, o sindicato patronal, que se envolveu, por quê? Precisamos de respostas e que elas não sejam meramente ideológicas como o governo justificou para não ouvir o CPERS. E mais: precisamos que os Comitês Operacionais Emergenciais para a Saúde nas escolas incluam as equipes das UBS e as comissões previstas precisam incluir, por óbvio, as professoras e professores.
Percebe-se a falta de padronização das escolas nesse momento de educação remota emergencial, entre as redes e entre as escolas da mesma rede, dispersando e aprofundando o processo de desigualdade já posto na educação escolar.
O desafio é mitigar essa problemática da desigualdade com um plano pós-pandemia com foco na equidade e na gestão escolar democrática – uma verdadeira transformação na educação. Mas antes disso precisamos de avaliação diagnóstica com foco nas questões pedagógicas dos alunos, na saúde mental, em especial dos educadores. Em uma pequena amostra de 40 escolas estaduais pesquisadas pela Comissão de Educação da ALRS já se conseguiu identificar que faltariam em virtude de serem população de risco ao vírus do novo coronavírus pelo menos 70 professores e mais de 74 funcionários de escola. Imaginamos o déficit para as mais de 2.000 escolas estaduais!
As boas práticas internacionais de reerguimento da educação depois de pandemias, terremotos e catástrofes apontam que avaliação diagnóstica, coordenação, liderança, transparência, intersetorialidade e comunicação são o caminho para reconstruir a educação. E o nosso caminho para reorganizar os direitos de aprendizagem passa pela Base Nacional Comum Curricular, pelo sistema nacional de educação mais estruturado e por financiamento da educação básica. E como garantir a liberdade de aprender e ensinar nesse contexto? A experiência do Maranhão indica que não centralizar em uma plataforma pode ser interessante para a garantia desse direito, como também do ponto de vista do engajamento e da acessibilidade.
Precisamos, igualmente, de políticas de proteção social das mães trabalhadoras – tanto da parte dos municípios quanto do estado. A Mães e Pais pela Democracia farão uma live sobre esse tema na segunda-feira (15), 19h com transmissão pelo Facebook, conforme imagem abaixo.
Por que só falam que a escola é importante para as mães trabalharem em tempos de isolamento social? Escola não é depósito de criança e estamos em uma pandemia, precisamos preservar todas as vidas. As mulheres responsáveis pelo cuidado em todas as profissões de linha de frente desta pandemia não podem ser penalizadas pela falta de uma política mais ampla, integrada e integral de proteção social, assim como os estudantes quilombolas, indígenas e com deficiência que estão sem a possibilidade do acesso remoto, portanto, sem contato com a escola. Urge uma intensa busca-ativa para evitar o abandono e a evasão escolar, com a participação do Conselho Tutelar, para assegurar direitos.
Por fim, sugerimos uma Frente Estadual Ampla pelo Direito à Educação coordenada pelos secretários de educação municipais e estadual com a participação de entidades da sociedade civil, da academia, do CPERS, da FAMURS, do SINPRO, do SINEPE, do Conselho Estadual de Educação, do TCE, do MP, representações estudantis e demais interessados.
Precisamos de uma escola do século XXI que seja como um portal de oportunidades, sobretudo para as milhões de crianças e adolescentes que estão no ciclo de pobreza e violência no Brasil. Até lá, de uma coisa não podemos abrir mão, pelo menos neste momento: #EscolasFechadasVidasPreservadas e sempre “abertas” para a compreensão e promoção de políticas públicas que valorizem a vida em contraponto à naturalização da morte #VidasEmPrimeiroLugar! Afinal, como declamou Débora Diniz na live “Pandemia e Periferias da Universidade Emancipa”, no dia de ontem: “violência é toda morte que não gera indignação”.
Edição: Marcelo Ferreira