Descobertas Reichianas que podem mudar o mundo
A história de vida de Wilhelm Reich é marcada por uma grande atuação política e social. Ele teve a oportunidade de trabalhar e coordenar, ao lado de Freud, a Clínica Psicanalítica Pública de Viena entre 1922 e 1930, que oferecia atendimento acessível à população. Desenvolveu também centros de orientação sexual para pessoas de baixa renda, no qual promovia reuniões lotadas, que se dedicavam a tirar dúvidas a respeito dos sofrimentos emocionais e problemas sexuais dos frequentadores.
Além disso, no começo da década de 1930, como membro do Partido Socialista da Áustria e, posteriormente, do Partido Comunista Alemão, criou as Sex-Pols: unidades sexo-políticas nas quais, baseado na teoria do orgasmo desenvolvida por ele, procurava orientar os jovens quanto à sexualidade natural e discutir com eles a luta pela transformação das estruturas tanto socioeconômicas quanto culturais que perpetuavam a repressão sexual e a opressão social, buscando criar meios para que o funcionamento biológico saudável e espontâneo pudesse ser o guia para a criação de uma nova ordem social.
Ao longo dessa trajetória, Reich pôde confirmar sua percepção de que a repressão sexual e emocional, que está na base da formação das neuroses, é um fenômeno social e, portanto, construído historicamente. As sociedades patriarcais se baseiam em regras de funcionamento compulsivamente moralistas, isto é, mecânicas e desconectadas da realidade biológica dos seres humanos, que têm a função de promover controle sobre os corpos e sobre a expressividade em nome da civilização, do poder e dos lucros.
As famílias patriarcais são as unidades básicas de reprodução social, onde primeiramente os indivíduos aprenderão a obedecer a autoridade sem refletir a respeito da natureza das ordens impostas, onde ocorrerão os primeiros bloqueios expressivos, onde as crianças tomarão conhecimento pela primeira vez das regras e valores sociais e desenvolverão seus padrões afetivos e relacionais a partir da maneira como foram criadas.
Reich constatou, a partir de sua experiência direta com grandes contingentes populacionais – ele coordenou, por exemplo, seis centros de orientação sexual em Viena, chegando a atender milhares de pessoas – que a neurose era um fenômeno epidêmico e que a prática da psicanálise, isto é, o atendimento individual, não seria suficiente para romper o círculo vicioso da repressão sexual, da distorção das funções vitais e da consequente reprodução social da desigualdade, da exploração econômica e da opressão operada por indivíduos neuróticos e afetivamente bloqueados. Seria preciso desenvolver um trabalho de prevenção de neuroses.
A saída para o problema do caos emocional humano e de suas consequências nefastas para a vida coletiva seria, então, evitar o encouraçamento nas crianças para que estas pudessem enfim realizar a tarefa de transformar a sociedade. Era preciso que os adultos permitissem às crianças um processo de desenvolvimento psicoemocional em conformidade com as leis biológicas e os ritmos naturais.
Mas em que consistiria tal desenvolvimento? A psicanálise conhecia apenas o processo de desenvolvimento “normal”, e estava muito claro para Reich que a normalidade era uma fabricação cultural em que a repressão sexual desempenhava um importante papel.
Para responder a essa pergunta, ele criou o Centro de Investigação Orgonômica Infantil e, em 1949, constituiu uma equipe de quase cinquenta profissionais, entre eles médicos, puericultores e assistentes sociais que se voltariam à tarefa de conhecer o que seria o processo de desenvolvimento de uma criança saudável.
Era sabido que os organismos encouraçados reagem com ódio, desprezo, antipatia, inquietude e agressividade ante as expressões espontâneas e livres da vida, tendendo a controlá-las e reprimi-las. Assim, uma das principais preocupações de Reich ao treinar sua equipe era garantir que os profissionais seriam capazes de identificar em si mesmos as manifestações de praga emocional, podendo deixar seus julgamentos, idealizações e impulsos neuróticos em segundo plano, afastando-se do trabalho se fosse necessário.
O experimento estava dividido em algumas etapas: acompanhar e orientar os casais participantes quanto às leis biológicas do organismo humano, supervisionando o cuidado com as crianças desde a gestação; supervisão do parto, de modo a evitar os traumas comuns que afetam os bebês nessa importante transição; trabalho para prevenir o encouraçamento das crianças em seus primeiros anos de vida; acompanhamento dessas crianças até o fim da puberdade – o que demandava da equipe paciência e atenção às próprias expectativas.
O trabalho de prevenção de neuroses com crianças – realizado principalmente por pais, professores, pediatras, terapeutas infantis, entre outros – se baseia no conhecimento acerca do processo natural de desenvolvimento e na capacidade emocional que o adulto deve ter para respeitar as fases desse processo. Exige dos cuidadores uma grande dose de altruísmo e honestidade quanto as próprias limitações e frustrações. Isso não é fácil porque nossa tendência, enquanto seres encouraçados, é a de ficar incomodados com as expressões espontâneas das crianças, com seus movimentos expansivos, com as manifestações de sua sexualidade, de sua sinceridade, de sua grande lucidez e curiosidade. Nós temos uma compulsão por corrigir, educar, enquadrar as manifestações infantis dentro de padrões dos quais nós mesmos não conseguimos nos libertar.
Uma criação em conformidade com as leis espontâneas da vida não significa, por outro lado, ausência de limites, mas sim que estes são criados dentro da relação, emergem do afeto e do vínculo, da atenção que um adulto disposto pode dispensar a uma criança para entender efetivamente suas necessidades e angústias. A função de um adulto cuidador é a de proteger e facilitar o desenvolvimento, entendendo que nós, os produtos de uma civilização que deu errado, temos muito pouco a ensinar às crianças. Admitir isso requer, por parte dos adultos, humildade e confiança na capacidade dos organismos delas, ainda muito pouco distorcidos pelo encouraçamento, de crescerem em direção à saúde.
A completa narrativa dessa experiência feita por Reich deu origem ao livro “Crianças do Futuro”. É dele que retiro a citação a seguir: “Somos apenas cadeias de transmissão entre um passado miserável e um futuro eventualmente melhor. Não devemos ser os construtores desse futuro; não temos o direito de dizer às crianças como construir o seu futuro, já que nos mostramos incapazes de construir o nosso próprio presente. O que podemos fazer, no entanto, é dizer às nossas crianças exatamente onde e como falhamos. Podemos, além disso, fazer tudo o que for possível para remover obstáculos em seu caminho na construção de um mundo novo e melhor para elas”.
Descrição da imagem: À direita do quadro vemos o perfil do rosto de uma menina. É possível entrever que ela está usando flores amarelas no cabelo. Podemos também ver sua mão esquerda, que segura uma flor dente-de-leão. A menina está soprando a flor e podemos ver à esquerda na imagem as pétalas voando. No fundo, desfocado, é possível perceber um campo verde, um morro e o céu azul com algumas nuvens bem branquinhas.
Edição: Katia Marko