Há mais de cinco décadas famílias vêm lutando para manter seu direito à moradia da Vila Santos Dumont, mais conhecida como Vila Coruja, na cidade de Pelotas. Com o passar dos anos e a expansão do número de famílias, a vila localizada em um estreito espaço territorial espremido entre o Presídio Regional de Pelotas e um enorme muro de uma propriedade privada cresceu. Desde o dia 4 de janeiro, 63 famílias ocupam um terreno ao lado da vila, atrás do presídio. Nesse espaço, correspondente a um mini campo de futebol, as famílias se veem ameaçadas por um pedido de reintegração de posse de uma das famílias tradicionais da região, a Simões Lopes.
Ao se contar a história do local, que tem mais de 50 anos, vê-se um processo similar ao de tantas outras vilas no país. Uma casa que nasce e, com o passar do tempo, vai se ampliando com filhos e netos. Esse vão construindo as segundas e terceiras casas, num processo configurado como "coabitação", ou seja, diferentes gerações e famílias que residem no espaço que seria para uma família. De acordo com Diego Rodrigues Gonçalves, assistente social, mestrando em Política Social e Direitos Humanos e militante da Consulta Popular, a coabitação agrava questões sanitárias, de saúde e qualidade de vida.
Segundo aponta um levantamento da Universidade Federal de Pelotas e do Observatório de Conflitos da cidade da Universidade Católica de Pelotas, o município tem 33 mil famílias precisando de investimento em habitação. Em 2020 foram registrados 56 domicílios improvisados, 995 precários, 6.125 em coabitação. Além disso, 856 vivem em inadequação fundiária, 3.416 com excesso de moradores, 1.527 com falta de banheiro, 1.363 com falta de água, 13.007 com falta de saneamento e 493 com falta de coleta de resíduo.
Nesse contexto estão inseridas as 63 famílias da vila, das quais muitas pagam aluguel. Com a pandemia, muitos estão sem auxílio, sem emprego, ou vivem de favor. Conforme os moradores mais antigos, o local sempre foi utilizado como depósito de lixo. “Estou aqui em uma propriedade que nunca foi ocupada, nasci e cresci aqui, tenho 39 anos. O pessoal ocupou um lado do presídio. Todo mundo aqui tem família que precisa de moradia”, afirma o morador André da Rosa.
De acordo com Diego, é a terceira vez em 10 anos que a população tenta garantir seu direito à moradia digna neste local. “A família Simões Lopes, a proprietária do terreno, alegou que iria construir algo no local e assim efetivar um papel social para o terreno, o que nunca aconteceu”, destaca o assistente social.
A afirmação é corroborada por André. “Em 9 anos nunca vi eles botarem nada aqui a não ser lixo. Tem uma escola aqui perto que pediu o terreno para a prefeitura, mas ele não foi dado. Vocês acham que eles vão fazer algo por nós, mobilizamos mais uma vez, instalamos água. Eles alegam que vão fazer, mas não vão”, afirma.
No fim de abril, já durante a pandemia, os proprietários pediram a reintegração de posse. O processo corre na justiça. A juíza do caso, Rita de Cássia Muller, marcou a reintegração para o dia 5 de junho (sexta-feira), o que acabou não acontecendo, mas pode ocorrer a qualquer momento, aponta Diego.
Além de lutar pelo direito à moradia, a comunidade tem trazido à tona a questão da especulação em torno da propriedade privada no município. “Ainda, é inadmissível que a reintegração e/ou despejo seja efetivado em meio à pandemia. Os advogados que atuam voluntariamente junto aos moradores da ocupação pedem que o caso seja encaminhado para o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania da Comarca de Pelotas - CEJUSC”, expõe Diego.
O Ministério Público pediu que a prefeitura também responda sobre o caso.
Edição: Katia Marko