Descobertas Reichianas que podem mudar o mundo
Quando Wilhelm Reich, por volta de 1923, afirmou para uma plateia de psicanalistas que todo paciente neurótico possuía alguma espécie de perturbação de sua genitalidade na vida adulta, sofreu muitas críticas e objeções. E ele não disse apenas isso, mas acrescentou que o grau da perturbação genital é o que determinaria a gravidade da neurose e que um bom prognóstico da terapia dependia da capacidade de uma pessoa para restabelecer sua saúde genital.
Muitos colegas da Sociedade Psicanalítica se opuseram a ele nesta reunião. Argumentaram trabalhar em seus consultórios com neuróticos que mantinham conservada sua potência sexual, ou, que tinham uma vida sexual “normal”. Mas, afinal, o que significava normalidade ou saúde em termos de potência sexual?
De acordo com as considerações da época, as mulheres eram consideradas sexualmente saudáveis quando se permitiam experimentar orgasmos por meio do clitóris. Segundo Reich, não se conhecia muito sobre a distinção entre excitação clitoriana e vaginal. Homens sexualmente potentes eram aqueles que chegavam a consumar o ato sexual. Superpotentes eram os homens que o pudessem fazer mais de uma vez na mesma noite...
A verdade é que não havia, então, dentro do movimento psicanalítico, um conhecimento detalhado a respeito do que seria uma sexualidade genital saudável. A sexologia europeia, por sua vez, resumia seu conhecimento sobre o tema à fisiologia dos órgãos genitais e aos aspectos bioquímicos envolvidos no ato sexual, que era compreendido então sob um ponto de vista mecânico. Não se falava a respeito da função bioenergética da sexualidade, ou sobre o quanto ela é uma porta para o entendimento do funcionamento vivo e da manifestação das leis da natureza em nós.
Seguindo a trilha aberta por Freud, que comprovou clinicamente serem as neuroses transtornos psíquicos que tinham causa na distorção dos rumos naturais da excitação sexual, Reich dedicou a parte inicial de suas pesquisas à investigação clínica do funcionamento sexual das neuróticas e neuróticos, e pôde comprovar que, inclusive os indivíduos eretivamente ou ejaculativamente potentes sofriam, sim, de perturbações genitais.
Ao investigar a vida e os hábitos sexuais de seus pacientes descobriu que, por baixo de afirmações vagas como “minha vida sexual é normal”, ou “dormi com alguém essa noite”, havia uma enorme quantidade de problemas. Pode enxergar que as pessoas confundiam a sexualidade amorosa natural com um ato mecânico, o qual era perturbado inconscientemente por intenções distorcidas: atitudes sádicas ou vaidosas, desejo de dominar, demonstrar força, conquistar, ser admirado ou, ao contrário, fortes inibições, medos, sentimentos de culpa ou diminuição significativa das sensações corporais. Reich constatou que a sexualidade dita normal era desoladoramente patológica.
Ao fenômeno das disfunções da sexualidade, que dão base às enfermidades psíquicas e emocionais, ele chamou “impotência orgástica”. Trata-se da impossibilidade orgânica e psíquica de descarregar satisfatoria e prazerosamente a energia sexual em uma experiência de orgasmo. Reich afirmará que o ser humano é a única espécie biológica que adoeceu severamente, por destruir sua própria função sexual natural.
Ao contrário, a potência orgástica seria “a capacidade de abandonar-se, livre de quaisquer inibições, ao fluxo de energia biológica; a capacidade de descarregar completamente a excitação sexual reprimida, por meio de involuntárias e agradáveis convulsões do corpo” (A Função do Orgasmo). Reich descobriu que, em decorrência da repressão, as pessoas perdiam a capacidade de experimentar a entrega involuntária aos seus movimentos biológicos, e que era a energia das excitações não descarregadas que alimentava os mecanismos neuróticos de funcionamento.
A potência orgástica é, em última instância, a capacidade de nosso “eu” para se entregar à experiência corporal pura, cedendo lugar a uma descarga de tensão organísmica que tem os genitais como catalisadores, mas que só é saudável e eficiente do ponto de vista da satisfação e do relaxamento se pode se apoderar de todo o corpo, sendo experienciada como prazer. A convulsão bioenergética involuntária do organismo e a completa dissolução da excitação são as características mais importantes da potência orgástica.
Reich descobriu que o orgasmo é, para o animal humano, a maneira como se manifesta o processo de regulação energética, que não acontece só ao nosso organismo, mas a todas as outras espécies. A potência orgástica é a função biológica primária que iguala o ser humano aos outros organismos vivos.
As espécies possuem graus variados de complexidade fisiológica, sendo a nossa uma das mais especializadas e sofisticadas do ponto de vista dos sistemas e funções do organismo. A função energética, por outro lado, é a mais sutil e mais simples forma de manifestação do movimento vivo, e atravessa todos os seres, desde os unicelulares.
No orgasmo natural, que tem a função principal de promover equilíbrio energético, o ser humano pode expressar em seu corpo a função simples da pulsação da energia. Na potência orgástica, essa pulsação pode governar o funcionamento do organismo de forma total e integrada, o indivíduo abre mão do controle egoico consciente e apenas se identifica totalmente com os movimentos involuntários do corpo, ou, como Reich descobrirá posteriormente, com o movimento da energia cósmica em si.
A perda da capacidade orgânica de viver essa experiência traz consigo grande quantidade de consequências nefastas para a humanidade, tanto social quanto individualmente. Reich demonstrará em sua obra o quanto uma série de regimes autoritários, instituições religiosas baseadas em moralismo, punição e culpa, movimentos sociais persecutórios, atitudes individuais afetadas, padrões de relacionamento, conhecimentos e ideias humanos foram construídos com base no conflito entre o anseio de prazer e felicidade e a forma como esse anseio precisa ser negado e substituído por padrões reativos de funcionamento, dada a impossibilidade orgânica da humanidade neurótica para viver o prazer e a entrega.
Descrição da imagem: Trata-se da obra prima do pintor Sandro Botticelli, O Nascimento da deusa Vênus. No centro desta pintura está a deusa Vênus, nua, com os genitais cobertos por uma mão e um dos seios coberto por outra. Ela está de pé em cima de uma grande concha que flutua na água do mar. Do lado esquedo encontra-se Zéfiro, o vento oeste, símbolo das paixões espirituais, que sopra a Deusa para a margem. É um homem que voa, enrolado em um manto azul, abraçado em uma mulher com asas. Do lado direito de Vênus temos Hora, uma deusa das estações, que se aproxima para cobrir Vênus com um manto.
Edição: Katia Marko