Vivemos atolados em um mar de informações. Em muito pouco tempo saímos de uma sociedade onde a informação era pouca e cara para uma sociedade de hiperinformação gratuita. Antes, a dificuldade era procurá-la, agora é selecioná-la.
O crescimento da quantidade de informação circulante foi proporcional ao da superficialidade com que os temas são tratados. Numa sociedade de complexidade rapidamente crescente, a comunicação ficou cada vez mais telegráfica, as pessoas lêem cada vez textos mais curtos, o que cria um ambiente propício à visão simplista da realidade. O conhecimento do mundo cresce em complexidade, mas se formam profissionais cada vez mais especializados em fragmentos do conhecimento.
A cada dia nos distanciamos mais do conceito biomédico de saúde para nos aproximarmos mais de uma noção complexa de saúde. O mesmo fenômeno se dá em relação ao meio ambiente onde, cada vez mais, se conhecem interações múltiplas entre as partes que produzem consequências que também agem sobre as partes numa dança sistêmica profundamente complexa.
Aqui temos um nó górdio: num mundo que cada vez percebe mais a complexidade das coisas, a comunicação se dá de forma cada vez mais superficial. O resultado disto é tratarmos temas cada vez mais complexos de forma cada vez mais simplista. Isso nos leva ao fato que pessoas simplórias, com explicações banais das questões sociais, têm muito mais chance de sucesso, em termos de divulgação e notoriedade, do que as que tratarem os temas complexos com o devido respeito e olharem as questões com a devida inserção no meio, incluindo suas interações.
Em outras palavras, como é possível debater em 15 a 20 minutos (ou em duas laudas) as consequências do uso de transgênicos e seus efeitos sobre a saúde, o meio ambiente, a economia, a ética, a justiça social e a própria produção da ciência quando de opositor temos o discurso ralo de que é a única forma de alimentar o mundo?
Este é o mesmo imbróglio que leva a termos cada vez mais investimentos em detecção e tratamento de câncer, a doença da insustentabilidade, e praticamente nada de investimento em evitar que o câncer seja gerado.
Numa sociedade especializada, onde a grande maioria não quer ver o que está fora de sua restrita área de visão, temos uma tendência cada vez maior de egocentrismo, egoísmo e solidão, medo e ódio. Todos causas e consequências do mesmo processo que tende à superficialidade a tal ponto que a profundidade, o movimento oposto, de expansão, de inclusão, de ampliação, de alteridade, de cooperação que vai fundo nas questões da sociedade, vai à raiz dos problemas, virou termo pejorativo ao sinalizar as pessoas como radicais.
Nesta sociedade que foge da visão completa das questões e busca discursos fáceis, totalmente apelativos para ter sua segurança através de uma visão simplória da realidade, a comunicação e a educação são nossos maiores desafios. Não se trata aqui, como quase sempre se fala, de números. Não precisamos informar mais, nem educar mais. Precisamos informar de forma mais ampla, com mais nuances, com visões diferenciadas e debate para aclará-las. A educação, por outro lado, tem que ser mais plural e, sobretudo, incluir o desafio da complexidade das coisas para não educar cidadãos que acreditam em soluções banais para uma realidade complexa vistas por apenas um ângulo da questão. Este desafio é muito maior do que imaginamos porque, para fazer isso, temos que nos transformar pessoalmente, já que fomos educados para a busca de soluções mágicas, simplistas e unilaterais.
O mergulho na busca da compreensão da complexidade das coisas, porém, pode ser a grande aventura atual que dará às nossas vidas, à saúde e ao meio ambiente nova cor e amplitude. Para que deixemos de ser espectadores de um mundo que não compreendemos e passemos a atores cientes de nossas limitações, mas fazendo parte da grande rede necessária para recuperar nossa qualidade de vida e até o sentido dela.
* Francisco Milanez é atualmente presidente da AGAPAN (Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural), e professor da FURG (Universidade Federal de Rio Grande). É licenciado em Biologia (UFRGS), bacharel em Arquitetura e Urbanismo (UFRGS), especialista em Análise de Impactos Ambientais (UFAM/University of Tennessee), mestre em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde (UFRGS) e doutorando do PPG Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde (UFRGS). É autor dos livros “O Golpe do Terceiro Mundo” e “Ecoalfabetização, manual de sobrevivência em um planeta em extinção”, e participação em vários livros coletivos e revistas. Foi criador e coordenador do Plano Rio Grande do Sul Sustentável, em 2013, no então governo de Tarso Genro.
Artigo publicado originalmente na Revista Imprensa Jornalismo e Comunicação em 28 de fevereiro de 2018.
Edição: Marcelo Ferreira