Responsável por 2,64% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional e por empregar cerca de 5,2 milhões de pessoas, representando 5,7% da força de trabalho ocupada no país, devido à pandemia causada pela covid-19, o setor da Cultura foi o primeiro a fechar e provavelmente será o último a reabrir. Com mais de dois meses de isolamento social, a Cultura já amarga perdas e prejuízos, principalmente os trabalhadores e trabalhadoras do ramo.
Pensando em uma saída para isso, a deputada federal Benedita da Silva (PT/RJ) e outros deputados protocolaram o Projeto de Lei (PL) 1075/2020, tendo como relatora a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB/RJ), que entre as ações propõe complementação mensal de renda aos trabalhadores informais e prestadores de serviço do setor cultural, no valor de um salário mínimo. O projeto que tem como meta ações emergenciais destinadas ao setor cultural durante o isolamento social, foi aprovada pela Câmara dos Deputados, e segue agora para o Senado. Ao ser sancionado o PL foi nominado como Projeto Aldir Blanc.
Ao comentar a aprovação do projeto, a deputada Benedita da Silva prestou homenagem a todos os partidos envolvidos na articulação e na aprovação do mesmo, em especial à relatora Jandira, que incluiu todos os projetos em um esforço coletivo. "Foi um esforço coletivo que fez com que todos se sensibilizassem e a gente pudesse dizer nesse momento, parabéns a todos os artistas, pois foram eles que conseguiram com que apresentássemos esse projeto", afirmou a deputada.
Ainda, conforme comentou, o país vive uma situação difícil, e que a cultura reflete esse momento. "Muitos artistas estão passando fome, estamos falando daqueles que têm nos encantado e com que fazem que amenizem esse momento".
A matéria abaixo foi redigida antes da votação. Para debater sobre o tema, o Brasil de Fato RS e a Rede Soberania realizaram, na noite da última segunda-feira (25), uma live com a participação dos artistas Rodrigo Munari, cantor e compositor; Tânia Farias, atriz, atuadora da Tribo Ói Nois Aqui Traveiz; a deputada estadual Sofia Cavedon (PT); e o músico do grupo Unamérica Zé Martins, que também fez intervenções artísticas no início e fim do bate papo (assista à live no final desta matéria).
De acordo com o texto do PL, o esvaziamento das salas de cinema, dos palcos, das livrarias e museus afeta os chamados trabalhadores da Cultura, principalmente pelo fato de que muitos artistas e produtores culturais se enquadram na categoria de trabalhadores informais. “É sobre eles que a crise econômica advinda com a pandemia do novo coronavírus será mais desastrosa”, ressalta o texto.
No dia 20 de abril, uma reportagem do Brasil de Fato RS demonstrou a difícil situação da categoria com a pandemia e a necessidade de políticas públicas para o setor. Para se ter uma ideia dos impactos, só com o cancelamento de programações de eventos, os prejuízos foram em torno de R$ 90 bilhões, de acordo com pesquisa da Associação Brasileira dos Promotores de Eventos.
O PL vem para dar um sopro para o setor. Para isso propõe o valor de R$ 3,6 bilhões destinados a ações emergenciais, em todo o país, descentralizando recursos para Estados, Distrito Federal e Municípios, por meio de renda emergencial aos trabalhadores da Cultura, entre outros. Tânia Farias, que compõe a Articulação de Trabalhadores das Artes da Cena pela Democracia e Liberdade (ATAC) do MOVE, rede de artistas de teatro de Porto Alegre, destaca que entre as mudanças importantes do projeto estão a ampliação do conceito de espaço cultural, a renda emergencial para trabalhadores e trabalhadoras da Cultura e a descentralização dos recursos federais. A destinação de um percentual para estados e municípios, de acordo com ela, vai permitir fazer editais emergenciais de fomento.
“Da maneira que está colocada toda a situação no governo federal em relação à Cultura, dificilmente íamos ter uma operacionalização dentro dessa estrutura para fazer uma lei dessas funcionar plenamente. Mandar para os estados e municípios é uma maneira de garantir que essa lei vai acontecer”, apontou.
De acordo com Tânia, a situação dos artistas é realmente crítica, especialmente a dos técnicos. “Temos procurado todas as instâncias e apresentado nossas questões, a nossa situação. Procuramos o governo do Estado e não recebemos nenhum retorno positivo. Resolvemos propor um projeto de lei (informação abaixo) e esperamos que seja apreciada logo. No município procuramos o prefeito e o secretário de Cultura e estamos agora discutindo a possibilidade de um edital emergencial de fomento, que na verdade é um socorro para os trabalhadores das artes de Porto Alegre. Existe na Câmara planos emergenciais para o setor, mas que ainda não tiveram retorno”, expôs.
A situação no RS
As atividades culturais e criativas representam 13% da indústria de transformação do RS, gerando cerca de R$ 6,3 bilhões anualmente, segundo dados da Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul.
Ao falar dos projetos no estado, a deputada Sofia Cavedon (PT/RS), que é presidente da Comissão de Educação, Cultura, Desporto Ciência e Tecnologia da Assembleia, falou sobre a reinstalação do Comitê Cultura Viva no RS. Sofia também destacou duas propostas em andamento, o PL que autoriza a instituição de auxílio emergencial para instituições e espaços culturais, sugestão do MOVE, e também o PL que institui a política de apoio ao setor cultural emergencial por bancos e empresas públicas estaduais do RS.
“O governo tem maioria na Assembleia, e sabemos que se o governador Eduardo Leite não for convencido é bem difícil, temos que pressionar via Parlamento. O Congresso Nacional tem mostrado uma rebeldia muito maior do que aqui no estado. Em função dos desmandos do Bolsonaro algumas coisas estão evoluindo nacionalmente. O Parlamento tem condições de pressionar, avançar, mas aqui no RS temos ainda uma realidade de que Eduardo Leite tem um parlamento muito coesionado. Vamos ter que trabalhar muito para aprovar ”, destacou.
Ainda de acordo com a parlamentar, desde o início da pandemia já foram feitas duas reuniões com a participação da secretária estadual da Cultura e em todas as reuniões a pasta não se dispôs a trabalhar o tema da renda. Diante disso e para não bater com outro projeto de lei, do deputado Valdecir Oliveira (PT/RS), que propõe renda mínima estadual para todos, se fez um projeto especifico para espaços culturais, grupos ou instituições. “Estamos fazendo uma legislação que não vai ser só emergencial, que podemos trabalhar com essa conceituação permanente”. E também o projeto, que já está tramitando, e que permite bancos e empresas públicas estaduais do RS adquirir os ativos culturais. Ambos os projetos já estão na Comissão de Constituição e Justiça. “Vamos trabalhar que eles andem de maneira mais rápida possível. Acho que a aprovação da Lei Federal faz com que a gente ande com as nossas leis porque vai ter um fomento para que possamos operar”, assegurou.
Ainda de acordo com Sofia, o FAC digital (emergencial) do governo do estado já liberou recursos e só está aguardando assinatura do Unilasalle. Ao todo, o projeto terá 1940 vagas.
Em relação ao município de Porto Alegre, ela chama atenção para a situação do Fumproarte. “É o quarto ano que estamos sem recurso novo para o Fumproarte. É inaceitável, o prefeito Nelson Marchezan Jr. não colocou um recurso mínimo na Cultura, só o que foi financiado via fundo de fomento”.
A cultura como agente transformador - Todos pela Cultura
“Somos seres de Cultura. Artistas, empreendedores da Cultura e educadores detêm a ferramenta mais importante para transformar o mundo, para torná-lo mais humano”, frisa Rodrigo, integrante do Todos pela Cultura, movimento que existe há três anos e que tem entre os seus objetivos esclarecer e acompanhar as políticas publicas do setor. “Há uma gama de empreendedores da Cultura que não têm a menor ideia quais são as leis que existem, possibilidades de fomento”, ilustrou.
Para Rodrigo, com os movimentos organizados pode-se angariar êxito. “Enquanto artistas e empreendedores precisamos ter essa consciência, de que quando damos as mãos um para o outro ficamos mais fortes, quando caminhamos juntos conseguimos produzir mais. Precisamos dialogar mais, precisamos ganhar juntos para construir. Cooperar é preciso nesse momento, ter um olhar acolhedor é importante”, opinou.
Na avaliação do músico Zé Martins, a questão emergencial cumpre um momento. “É lamentável a ausência de política pública de Cultura tanto no governo federal quanto no governo do estado. Não são as leis de incentivo que vão resolver o problema, a questão dos artistas. Temos vivido isso há muitos anos, competindo com grandes grupos. Quem define o que é ou não cultura é o gerente de marketing das empresas, e acabamos buscando recurso pela lei Rouanet e de incentivo”, apontou.
Conforme lembrou o músico, durante muito tempo se lutou pela implementação de um Sistema Nacional de Cultura, bem como estaduais e municipais. “Hoje muitos municípios sequer têm órgão gestor da Cultura. Há uma dificuldade muito grande quando vierem esses repasses da forma como os municípios estarão gestando esses recursos. Não existe cadastro de artistas nos municípios, conselho municipal de cultura, fundo de apoio à Cultura que possa gerenciar, fiscalizar esses recursos. Há uma dificuldade muito grande pelo desmonte de todo o sistema de cultura em nível nacional”, salientou.
A situação da Terreira
Antes de encerrar o debate, Tânia falou sobre a situação da Terreira da Tribo, espaço que formou diversos artistas. "Esse espaço está ameaçado de fechar as portas a qualquer momento. Além de nos mobilizarmos para aprovar logo essa lei, queria pedir para as pessoas participarem dessa corrente de solidariedade e apoiar a Terreira", pontuou,
Para contribuir com a Terreira, basta acessar: https://benfeitoria.com/terreiradatribo
Veja aqui a integra do PL 1075/2020.
O debate ao debate da cultura completo:
Edição: Marcelo Ferreira