Iludidos por números frágeis e efêmeros e sucumbindo a pressões indecorosas do governo federal, de pseudo-empresários e de jornalistas de oitava categoria, o governador Eduardo Leite e o prefeito Nelson Marchezan Jr. cometem imensa imprudência e expandem um risco abominável para a sociedade gaúcha.
Neste momento, a única referência possível é a ciência. Cabe aos políticos a serenidade para estudar os relatórios, compreender o que dizem e se assessorar com especialistas científicos. Só isso. Nada de ponderação de interesses acolhendo anseios de quem não tem autoridade científica. Há o momento da autoridade, e neste passo, a fonte é imperativa: ciência.
Nós temos qualidade acadêmica para oferecer os parâmetros. A UFRGS é a melhor federal do Brasil, com quadros científicos de extraordinária qualidade, ávidos por colaborar. A UFPel, igualmente, tem em seu magnífico Reitor, prof. Dr. Pedro Rodrigues Curi Hallal, uma autoridade internacional de alto reconhecimento no campo que ora nos importa prioritariamente, a epidemiologia. Nos demais campi do RS e do país há excelente base acadêmica, com nível internacional altíssimo, devotada à ciência (malgré tout), pública e disponível.
O governador anunciou no início da pandemia um convênio com a UFPel, com a finalidade de monitorar as políticas diante da crise, mas não tardou a desdenhar a ciência, abandonando os parâmetros que lhe foram oferecidos pela Universidade. Esta logo declarou o malfeito do jovem governador, inaceitável. A bobagem veio acompanhada de um papinho de demagogo falando para analfabetos, a árvore e a floresta, como se a ciência fosse a árvore e a visão de um político a percepção da floresta, mal sabendo que com esta idiotice abandonava irresponsavelmente a visão do planeta habitado pela humanidade e liderada pelo conhecimento, que é nossa condição real, para entrar em uma caverna com pseudo-empresários e áulicos ignaros. Muito feio, Sr. Governador, muito muito feio.
O prefeito, por sua vez, ora joga fora um cenário ainda favorável para liberar contato social ostensivo. Esta insensatez beira a demência. Jogar fora uma condição destas para atender à ansiedade de pseudo-empresários e população desinformada é uma grande irresponsabilidade, pela qual esta cidade expõe-se a pagar alto custo. As imagens que vemos são deprimente sintoma da ignorância que nos cerca, ora promovida por quem deveria combate-la, a autoridade pública. Muito feio, Sr. Prefeito, muito muito feio.
ATENÇÃO Srs. Governador e Prefeito:
Seu desdém à ciência e ao interesse da saúde pública é inaceitável, injustificável e de altíssimo risco.
1) O quadro atual, no Brasil e igualmente na região Sul, é de crescimento do contágio e das internações e mortes. Pode haver político e jornalista terraplanista que fale em estabilização e controle da epidemia, alguns, até, em recuo. Isto é FALSO. Uma mentira maligna. Sofisma sem fundamento. O quadro é de expansão do contágio, e estamos longe de ter chegado ao pico.
2) O prof. Dr. Pedro Cezar Dutra Fonseca, um dos grandes economistas deste estado e ilustre professor Titular da UFRGS, ex-presidente da FAPERGS, em artigo publicado na ZH de 16/04/2020, esclarece de modo didático, preciso e definitivo, este paradoxo cevado entre políticos e empresários (ambos ignorantes), pondo em disputa economia e saúde. Importa-nos o longo prazo, é para isto que a ciência produz e oferece referências. Mergulhar nas ansiedades imediatas e delas tirar conselho para enfrentar desafios de longo curso é uma profunda insensatez. “Dois tempos, duas respostas” é o título do artigo, e a chamada em ZH digital resume bem seu teor: “sem isolamento social, recessão será mais profunda e duradoura”. Não tenham, meninos, a temeridade de contrapor ao juízo de uma autoridade desta envergadura, secundado por todos os cientistas correlacionados, nos vários campos atinentes, à opinião de qualquer pseudo-empresário, por líder e rico que seja, e menos ainda à ansiedade do rebanho, e ainda menos aos ditames de monstro irracional que ora preside e destrói este país.
3) São pseudo-empresários aqueles que não conseguem compreender o papel da ciência e formular com ela o conhecimento de médio e longo prazo que importa para a sociedade. São apenas ambiciosos sem consistência. Devem ser conselheiros de coveiros e dementes, não dos que querem sobreviver a esta ameaça letal e voltar a prosperar. Deveriam tratar da conversão de seu parque de produtos e serviços e da colaboração logística e financeira com a emergência pública, em vez de agirem em seu papel habitual de aves de rapina mancomunadas com vocês, que têm caneta e carimbo concedidos por nós, a sociedade. E o fazemos não para vocês trocarem tapinhas nas costas e favores com oportunistas que se acham superiores, e sim para realizar a necessária mediação política em prol de todos. Neste caso, em prol da sociedade e do futuro. E nem imaginem a bravata de achar que esses pseudo-empresários têm autoridade comparável à dos cientistas, especialmente neste momento. Há também empresários dignos como muitos trabalhadores, aqui apenas sublinho a identidade de uma corja oportunista e nociva.
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A ciência não é um partido nem uma senhora em busca do poder. É um sistema de informações rigoroso, de ações integradas entre agentes e instituições, com antecedentes milenares e compromisso com a humanidade, a vida e o futuro. A ciência não desdenha a economia nem desconhece as urgências e ansiedades da sociedade. A ciência simplesmente nos dá os parâmetros para compreendermos o mundo no grau mais avançado. Neste momento gravíssimo da história da humanidade, cale-se a fé, a opinião interesseira, a vocação demagógica, o jogo político, a disputa ideológica, cale-se tudo, e sigamos apenas e tão somente as referências dadas pela ciência. A ciência é patrimônio público a serviço da humanidade, e é disto que ora tratamos.
Srs. Eduardo Leite e Nelson Marchezan Jr.. É tempo de repensarem o que estão cometendo e reconduzir suas ações para o único rumo possível, o desenho do presente e do futuro com o amparo da ciência. Seus erros neste momento significam riscos inadmissíveis.
A sociedade está vigilante e continuaremos o curso que tomamos, contrariando a orientação de vocês, políticos, e enfrentaremos este difícil desafio do confinamento, do planejamento e da superação da crise, até onde for necessário.
Total de vítimas da COVID-19 no Brasil, neste minuto: ao menos 18.894 (dezoito mil, oitocentos e noventa e quatro cadáveres). E crescendo a cada minuto.
SCIENTIA OMNIA VINCIT
A ciência tudo vence.
e desta vez não será diferente.
(*) Historiador, Professor titular UFRGS-IFCH. Publicado originalmente na página do autor no Facebook.
Edição: Sul 21