Essa semana houve três anúncios de “promissoras pesquisas” da vacina contra a covid-19, com testagens preliminares. Pouca gente viu a denúncia de Michael Moore em seu documentário A Corporação, onde em vez de perguntar “Em que país você nasceu?”, pergunta “Em que corporação você nasceu?”.
O documentário mostra que os países passaram a ser comandados não mais por representantes eleitos, mas pelo poder econômico das grandes corporações mundiais, que elegem e manipulam aqueles “representantes eleitos”. Agora, nessa guerra das vacinas que se trava, vê-se bem isso.
A Gilead, fabricante do Remdesivir ─ que mostrou razoáveis resultados no tratamento da covid-19 ─, anunciou que “abriu mão da patente do medicamento” em benefício de 127 países. O Brasil ficou fora dessa lista em virtude da péssima gestão na Saúde pelo governo federal. Mas isso é assunto para outra conversa.
Após o anúncio e a divulgação dos resultados do Remdesivir, as ações da Gilead foram às alturas. Muita gente ganha dinheiro com as desgraças, sobretudo especuladores financeiros, investidores e corporações. O anúncio da Gilead provocou a corrida de todos esses oportunistas atrás de ganhos.
Recentemente, a empresa Moderna, dos EUA, anunciou testes de vacina em oito pessoas. Bastou esse anúncio de uma insignificante testagem para as bolsas de valores dispararem e elevarem o valor da Moderna à estratosfera, dando lucros ou futuros lucros a ela e a um bocado de especuladores que ficarão ainda mais milionários.
Várias empresas, universidades e países vêm fazendo anúncios desse tipo nos últimos dias, entre eles a Sorrento, a Universidade de Oxford e a China. Todos estão de olho, mais que numa cura, nos ganhos financeiros e nas possibilidades de exploração econômica que a notícia lhes traz.
Nossa geração é testemunha do início da disseminação e do pico de contaminação da Aids/HIV, mas ainda não somos testemunhas da eliminação do vírus, da cura da doença ou de uma vacina. Na fase em que se dava a guerra das vacinas da Aids, anunciavam a todo momento um medicamento ou uma imunização contra o HIV, o que nunca veio.
Até hoje, cerca de 30 anos depois, os portadores do HIV ainda contam apenas com aquele coquetel de medicamentos e com paliativos. É muito mais lucrativo passar anos vendendo uma cesta de remédios, do que vender uma cura ou uma vacina apenas uma vez. Provavelmente é o que acontecerá também com a covid-19.
Em outro documentário bem esclarecedor, essa especulação financeira da indústria da saúde por investidores, especuladores e mercado de ações é bem retratada: “A inventora – À procura de sangue no vale do silício”.
Em 2003, Elisabeth Holmes jogou com essa avidez do mercado quando anunciou que inventara um laboratório portátil para coleta e exames de sangue com apenas uma gota de plasma. A máquina era do tamanho de uma CPU de computador, toda automática e dava os resultados instantaneamente. Esses minilabs poderiam ser colocados em farmácias, lojas de departamentos, aeroportos, shopping centers, até na sua própria casa!
Para fabricar essas máquinas, Elisabeth fundou a Theranos. Imagine-se o estrondo que foi o anúncio dos minilabs. As ações da Theranos decolaram para além das estrelas, investidores e especuladores disputavam os papéis a tapas, a empresa chegou a ser avaliada em 9 bilhões de dólares. Henry Kissinger e outros cultuados membros de governos dos EUA faziam parte da diretoria ou do conselho. Elisabeth Holmes foi considerada o Steve Jobs de saias, era uma revolução! Na verdade, uma mentira.
Todo golpista diz que é a ganância da vítima que propicia o golpe. Elisabeth fez isso, ofereceu uma fortuna em ganhos e os oportunistas não puderam resistir. Mas era tudo marketing e lobby. A máquina nunca funcionou. Na realidade, nunca existiu. Tudo não passou de um golpe para valorizar a empresa e suas ações. Os “golpeados” se regozijavam com a perspectiva de ganhos imensuráveis, enquanto na Theranos a dissimulação era o produto.
A atual guerra das vacinas da covid-19, por enquanto, só tem essa finalidade: aumentar ganhos. A verdadeira cura ou imunização fica para segundo plano.
Há alguns dias Donald Trump tentou comprar uma pesquisa alemã da vacina e, em seguida, atacou a proposta da OMS de que a vacina da covid-19 deve ser um “bem público mundial”. Está explícita sua intenção de “faturar” com a patente do produto, com venda de ações, com ganhos na bolsa. Aliás, ele já se negou a liberar a patente de uma vacina antes mesmo de descobri-la.
Em contrapartida e em tom de provocação, a China anunciou que sua vacina terá, sim, patente liberada e será “bem público mundial”, como quer a OMS. Imediatamente veio a reação: “Bolsas da China fecham em alta por expectativa sobre vacina”, foi a manchete.
Nos próximos dias e semanas veremos ainda dezenas anúncios “promissores”, cada qual tentando impulsionar mais o valor de suas ações, de suas empresas ou de suas filosofias. Gente disposta a faturar com promessas é o que não falta. O que falta é o foco no bem comum.
* Jornalista, chargista, colaborador do Brasil de Fato RS
Edição: Katia Marko