Oficialmente, o Rio Grande do Sul tinha até a noite do último domingo (10) 2.576 casos confirmados de coronavírus em 193 municípios. Já se sabe que os casos confirmados compõem apenas uma pequena fração do total de contaminados. O estudo de prevalência do vírus promovido pelo governo do Estado e coordenado pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel) estima que, para cada caso confirmado, existam outros 11 que não chegaram às estatísticas oficiais. No entanto, há ainda outro problema na contabilidade do governo estadual — e também do Ministério da Saúde –, que é a demora para que casos já considerados como confirmados por municípios entrem para os registros oficiais.
Um levantamento* realizado pelo Sul21 com dados divulgados até domingo aponta que oito municípios da região Norte do Estado que somam 41 casos confirmados publicamente por suas prefeituras têm, nas contas do Estado, apenas 11 casos confirmados. Isto é, apenas um quarto dos casos confirmados a nível local são computados pelo Estado.
O caso mais expressivo de divergência de números ocorre em Nonoai, localidade de 12 mil habitantes e distante cerca de 140 km de Passo Fundo — cidade com o segundo maior pico de coronavírus no RS. A Secretaria Estadual de Saúde (SES) contabilizava no domingo apenas dois casos confirmados no município, mas as autoridades locais já confirmam 11 casos desde o sábado (9). Uma morte foi confirmada no domingo, também não computada.
Uma grande discrepância também ocorre em Trindade do Sul, que já confirma 10 casos, mas aparece com apenas três no painel da SES. A Prefeitura de Planalto confirma seis casos de coronavírus, mas apenas um aparece nas contas do governo estadual. Em Sarandi, já são dois casos confirmados, mas apenas um contabilizado pelo Estado. A cidade de Ronda Alta já confirma três casos, mas ainda não aparece no painel. O mesmo ocorre com as cidades de Rio dos Índios e Novo Barreiro, cada uma com um caso, mas não listadas pela Secretaria de Saúde como cidades afetadas pelo coronavírus.
É importante destacar que o levantamento compara os dados divulgados pela SES e pelas prefeituras até a tarde desta segunda-feira. Um novo balanço foi divulgado pela SES no início da noite, diminuindo a diferença em Nonoai, por exemplo, para 7 casos, mas mantendo a diferença entre os números das demais cidades da região Norte citadas nesta matéria.
Por outro lado, chama a atenção o fato de que as maiores cidades da região, Passo Fundo e Erechim, apresentam discrepâncias de números muito inferiores. Passo Fundo divulgou nesta segunda que já tinha 261 casos confirmados, número que já constava no painel da SES. Já Erechim, na divulgação feita no dia 6, tinha 15 casos confirmados, número que consta na contabilidade da Secretaria Estadual. Nesta segunda, a cidade elevou o total para 19, mas a secretaria ainda não atualizou os dados do dia no Estado.
Secretária da Saúde de Nonoai, Gercy Schio diz que o problema de não contabilização, de fato, tem preocupado os municípios da região Norte. No entanto, segundo ela, o problema não parte da administração local. “Do município, está saindo. A funcionária que faz a documentação para o Ministério da Saúde está em dia. O que nos preocupa, e a gente está brigando bastante, é que no boletim oficial do Ministério da Saúde não aparece os casos do município”, diz.
Segundo ela, a cidade não tem atualmente demanda reprimida de testes. “Apareceu um caso, na hora a gente monitora a família, vizinhos, bota na quarentena”.
Schio ainda explica ainda que o surto de coronavírus no Norte do Estado está muito ligado a frigoríficos que existem na região e também em Chapecó, do outro lado da fronteira com Santa Catarina, que empregam uma parcela expressiva dos moradores dessas cidades. “A gente tem uma grande demanda de pessoas que moram aqui que trabalham nos frigoríficos. Eles trouxeram o covid para o município. Hoje, já tem caso comunitário, pessoas contaminando uns aos outros. Antes só era de fora, por isso a nossa preocupação”, diz.
O Sul21 também fez um levantamento de casos confirmados até domingo na região do Vale do Taquari**, a terceira com o maior número de casos confirmados. Ali, a divergência foi menor. Pelas contas da SES, Estrela (35), Arroio do Meio (30), Teutônia (19), Cruzeiro do Sul (11) e Mato Leitão (0) somavam 95 casos. Já a soma dos números divulgados por cada município chegava a 114 — Estrela (46), Arroio do Meio (38), Teutônia (16), Cruzeiro do Sul (13) e Mato Leitão (1) . Já no caso do maior município da região, Lajeado, os números divulgados pela prefeitura e pela SES eram idênticos na noite de domingo, 185.
Em outro levantamento, sobre a região do Litoral Norte, os municípios de Torres (25), Três Cachoeiras (12), Capão da Canoa (7), Osório (7), Tramandaí (3), Arroio do Sal (3) e Xangri-lá (1) somavam 58 casos pelas contas da SES, contra 71 casos na contabilidade das prefeituras de Torres (28), Três Cachoeiras (14), Capão da Canoa (7), Osório (10), Tramandaí (6), Arroio do Sal (4) e Xangri-lá (2).
Em resposta ao questionamento da reportagem sobre os motivos para a discrepância entre os números na região Norte do Estado, a SES informou por meio de nota da assessoria de imprensa que o painel mantido pela pasta contabiliza os casos que tiveram resultado positivo por exame laboratorial de biologia molecular ou por testes rápidos, sejam da rede pública ou privada, e que já foram informados ao Estado (via sistema online de notificação).
“Para que sejam reconhecidos e identificados, é necessário que os municípios preencham corretamente as fichas de notificação no sistema online de vigilância. Por isso, eventuais divergências entre os números divulgados pelos municípios e Estado podem ocorrer em virtude dessa notificação ainda não ter sido realizada, por se tratar de laboratórios ainda não certificados ou por ser um caso de teste rápido já notificado que será incluído no lote seguinte da atualização do painel”, diz a nota.
A pasta explica ainda que resultados dos chamados testes rápidos (que identificam anticorpos para o vírus) são contabilizados pela SES duas vezes por semana, enquanto os testes do tipo PCR, que eram os mais comuns no início da pandemia, têm os resultados atualizados diariamente.
A secretaria destaca que os casos de covid-19 são de notificação compulsória, devendo obrigatoriamente serem informadas a autoridade de saúde municipais ou estaduais pelos serviços de saúde, da rede pública ou privada.
*Diversos municípios menores não divulgam dados diários de forma estruturada. O levantamento leva em conta uma parte daqueles que fazem esse trabalho.
**Idem.
Edição: Sul 21