Rio Grande do Sul

Opinião

Artigo | Solidariedade com direitos, uma saída para o Brasil!

A pandemia reabriu uma janela para a solidariedade e, vários setores sociais ficaram mais sensíveis ao sofrimento

Sul 21 | Porto Alegre |
Movimentos sociais do RS encamparam estratégia de apoio e solidariedade. - Divulgação

A pandemia do novo coronavírus veio para por em xeque a ideologia capitalista. Antes dela, propagava-se pelos quatro cantos do mundo a fé cega na mão invisível do mercado como único caminho para enfrentar qualquer problema da humanidade. Crie um ambiente de livre iniciativa e premie os mais eficientes que a natureza competitiva do ser humano irá encontrar saídas, diziam. O estado era apresentado como um ente ineficiente e oneroso.
Ledo engano. Ao menor sinal de tempestade o capitalismo se retirou do campo de batalha, depositou suas riquezas em algum lugar seguro e apelou para que entrassem em cenas as políticas de estado. Já havia sido assim na crise de 2008 e não foi diferente com a Covid-19. Instalada a pandemia o mercado e seus teóricos sumiram. Restou aos estados a tarefa de (re)assumir o comando pondo em prática as medidas necessárias para a proteção das pessoas e da economia.

A verdade é uma só: o estado é o porto seguro de qualquer sociedade. E quando o estado entra em cena todas as vidas importam. Por isso, sem remédio para cura ou de vacina para a prevenção, a medida sanitária adequada em todos os países foi o isolamento social para controlar a velocidade de propagação da pandemia, gerenciar os infectados e garantir que hajam leitos e equipamentos para aquelas pessoas que desenvolverem a versão mais agressiva da doença. Junto com o isolamento, testagem em massa para identificar rapidamente os infectados e tirá-los de circulação. Da mesma forma, medidas de proteção social como garantias da renda básica, leis de estabilidade no emprego, suspensão de despejos e de remoções involuntárias e medidas de apoio aos profissionais das áreas da saúde e dos serviços essenciais. Quanto mais rápido e eficiente o processo de isolamento, testagem e separação dos infectados, mais rápida a saída da crise.

Os movimentos sociais do RS encamparam esta estratégia. Já em meados de março foi criado o Comitê Popular em Defesa do Povo contra o Coronavírus, articulação que reúne mais de 160 representantes de organizações e movimentos sociais, sindicatos, conselhos, redes e plataformas de defesa de direitos. Desde as primeiras horas de isolamento surgiram espontaneamente várias redes de solidariedade para a arrecadação e distribuição de cestas básicas, materiais de higiene e de segurança. O Comitê Popular identificou estas iniciativas e optou por apoiar todas as ações voluntárias e autônomas que foram pipocando em cada canto de Porto Alegre e da Região Metropolitana. O apoio foi construído a partir de uma poderosa rede de comunicação para divulgar as entidades mobilizadas com os endereços de entrega ou as contas bancárias para deposito de doações.

Através dos sindicatos e de organizações da sociedade civil (OSCs) foi sendo tecida uma teia de solidariedade através da cedência de espaços físicos para recepção, triagem e montagem das cestas e de veículos para a busca e a distribuição das doações. O resultado desta mobilização foi a distribuição de mais de 70 toneladas de alimentos para cerca de 4000 famílias em dezenas de comunidades. Um número ínfimo se comparado às necessidades de milhares de outras famílias que dependem da solidariedade e, principalmente, da efetividade das políticas públicas de assistência social.

Justamente por isso, além das ações emergenciais, o Comitê Popular articulou a pressão social perante os governos municipal, estadual e nacional. Tendo por base a defesa de 15 Medidas Urgentes que vão desde a garantia do atendimento das necessidades básicas como acesso gratuito a água, luz, gás e internet até questões de cidadania como a transparência na aplicação dos recursos públicos, foram realizadas reuniões com o Ministério Público Federal e do Trabalho, com representantes dos Conselho de Políticas Públicas e com as bancadas de parlamentares da Câmara de Vereadores, da Assembleia Legislativa e do Congresso Nacional.

Infelizmente, neste processo ainda são raras as conquistas. Desde a ruptura político institucional de 2016 a institucionalidade brasileira não é mais a mesma. Há um crescente processo de deslegitimação dos governos, dos partidos, das universidades, dos movimentos sociais e das próprias instituições do estado brasileiro. Na tentativa de diálogo, o Comitê tem embarrado na esquizofrenia que se tornaram as políticas públicas para o enfrentamento da pandemia. Este tema de vital importância para o país está contaminado pela profunda divisão política na sociedade brasileira, gerando narrativas e propostas irracionais do ponto de vista epidemiológico e econômico. Resultado desta dicotomia é que as ações de parte das autoridades carecem de racionalidade, de bom senso e de sentido público. A institucionalidade está fracionada e não há pontes visíveis a serem reconstruídas. O país está à deriva no olho do furacão e o naufrágio parece inevitável com a perda de milhares de vidas, principalmente, das comunidades mais vulneráveis.

Mas há saídas. Há muito sabemos que o problema do Brasil não é a falta de recursos e sim de prioridade política. O país é um dos mais ricos do planeta, apesar disto, é um dos mais desiguais. A desigualdade é uma opção das elites que não tem nenhum compromisso com um projeto nacional. Por isso, a saída é também política.

Neste sentido, a pandemia reabriu uma janela para a solidariedade e, vários setores sociais que antes somente viam seus próprios interesses, ficaram mais sensíveis ao sofrimento de milhões de brasileiros e brasileiras. Muitos se deram conta que somos parte de um mesmo país, de uma mesma nação e que o que acontece com cada um impacta na vida de todos. A partir deste sentimento é possível que se construa um senso de urgência e de unidade nacional capaz de liderar um processo coletivo de superação desta crise sanitária e suas consequências econômica e sociais.

Nosso maior inimigo não é desgoverno do Bolsonaro e sua claque, mas o risco da desesperança no povo brasileiro. Urge (re)construir um pacto nacional onde não haja espaço para a fome, a exclusão, a violência e a morte. A pandemia da Covid-19 mostrou que há caminhos concretos e viáveis para construirmos um mundo melhor para todas e todos. É só parar de olhar para o bobo da corte e centrar energias nas nossas novas conexões. A solidariedade com direitos é a saída para a Covid-19 e para o Brasil. Se fizermos isso, Bolsonaro vai cair e sua claque vai sumir do mapa. Creiam nisso.

(*) Advogado socioambiental, diretor executivo do Instituto IDhES e membro da Diretoria Executiva da Abong.

Edição: Sul 21