A direção da Fundação Theatro São Pedro (FTSP) confirmou na tarde desta quinta-feira (7) que 32 pessoas que trabalhavam no teatro foram informadas nesta semana que serão demitidas em razão do encerramento do contrato, no final de maio, com a empresa terceirizada que fornecia recursos humanos para a instituição. O São Pedro está atualmente fechado em razão das medidas de enfrentamento ao novo coronavírus no Rio Grande do Sul.
Em entrevista ao Sul21, Luiz Capra, Diretor Administrativo Financeiro da Fundação, afirmou que os trabalhadores estão sendo comunicados desde ontem dos desligamentos, com algumas pessoas recebendo aviso prévio e outras sendo dispensadas mediante indenização por parte da terceirizada. “Até porque, como o Theatro está em quarentena, como todas as outras casas, não teria como deixar essas pessoas aqui, de qualquer maneira”, explicou.
Capra afirmou que o processo não tem conexão com a epidemia do novo coronavírus e que o contrato vigente já não tinha mais condições de ser renovado. “O que aconteceu foi o encerramento de um contrato de terceiros que nós estamos, já com licitações correndo, o novo processo licitatório para a nova contratação de uma terceirizadora de mão de obra”, disse. “Esse prazo, independente da epidemia, terminava em maio de 2020. Era um prazo que já estava excepcionalmente extrapolado. Não teria como ser renovado de novo”.
O diretor da FTSP diz que estão sendo feitos dois processos licitatórios para a reposição da mão de obra. O primeiro, já em fase de concorrência, é voltado para a contratação de funcionários de serviços gerais, segurança e portaria. “Possivelmente, nós teremos retorno da nova empresa que vai prestar esse serviço para gente nos próximos 10, 15 dias”, afirmou.
Uma vez concluído esse primeiro processo, deverá ser aberta uma nova licitação para a contratação de técnicos que trabalham junto ao palco do teatro. Esta segunda licitação pedirá a contratação de oito profissionais. Segundo Capra, o número de vagas a serem preenchidas deverá ser o mesmo ou próximo daquele do contrato anterior e o perfil da equipe deverá ser o mesmo.
“É bem próximo ao que o teatro ofertava de vagas no momento anterior ao covid”, disse Capra. “Como a gente imagina que a segunda licitação, que é a do corpo técnico, vai rodar a partir do final desse mês, quiçá, quando ela estiver pronta, mais uns 30 dias, a gente consiga já estar em operação no teatro e estar com a equipe integral para ofertar serviços para nós”, complementou, mas ressaltando que isso é uma suposição de prazos.
A Fundação Theatro São Pedro tem cerca de 10 servidores que atuam em áreas administrativas, que cuidam da área de programação, comunicação e de questões relativas ao funcionamento da instituição. Essas pessoas permanecem.
A informação da demissão dos funcionários do Theatro foi divulgada em um primeiro momento por uma carta aberta assinada em nome da “classe artística gaúcha” e direcionada ao governo do Estado e à Associação Amigos do Theatro São Pedro. Na carta, artistas manifestam “veemente repúdio à demissão em massa” e pedem a recontratação dos profissionais, especialmente pelo fato das demissões estarem ocorrendo em maio à epidemia de covid-19. Confira a íntegra abaixo:
CARTA ABERTA DA CLASSE ARTÍSTICA GAÚCHA AO GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL E ASSOCIAÇÃO AMIGOS DO THEATRO SÃO PEDRO (AATSP).
A classe artística gaúcha e porto alegrense aqui representada por instrumentistas, cantores e cantoras, compositores e compositoras, técnicos de som e luz, roadies, roteiristas, escritores e escritoras, cineastas, atrizes e atores, diretores e diretoras, dançarinas e dançarinos, vem a público manifestar seu VEEMENTE REPÚDIO à demissão em massa ocorrida ontem, Quarta Feira, dia 06/05/2020, nos quadros técnicos e operacionais do Theatro São Pedro.
São mais de trinta profissionais extremamente qualificados, muitos com DÉCADAS de casa, que com o seu trabalho mantém o Theatro São Pedro funcionando em altíssimo nível, atendendo as mais elevadas exigências técnicas e operacionais de shows e espetáculos de circulação nacional e internacional, fazendo com que todos os gaúchos e gaúchas possam se orgulhar deste espaço cuja alma se nutre da abnegada atuação destes profissionais.
Acontece que, neste momento, é justamente destes profissionais o lado mais fraco de um impasse que lhes foge ao controle, entre o Estado do Rio Grande do Sul e a Associação Amigos do Theatro São Pedro (AATSP). No entanto, mais uma vez, é do lado dos mais fracos onde restam as baixas de uma briga alheia, vitimados pela perda de seus postos de trabalho SEM JUSTA CAUSA, em meio à pandemia do novo COVID-19 e todas as suas devastadoras consequências humanas e financeiras.
Aos atores deste impasse jurídico e burocrático não cabe aqui nosso julgamento. Do ponto de vista do Estado, sabemos que se impõem amarras burocráticas e toda a sorte de freios legais visando o zelo com o dinheiro público. Do ponto de vista da AATSP, evoca imediatamente a memória da querida e estimada Eva Sopher, fundadora desta Associação e dona de um lugar eterno no coração e na memória de todos e todas que são amantes da arte e da cultura sob o céu deste estado, ainda que paire sobre esta entidade todas as dúvidas de quem é acusado de ingerência e falta de transparência.
Neste cenário exigimos o bom senso, mas também outro tipo de senso: o de JUSTIÇA. Em que contribuiu o porteiro ou o maquinista, para que o Tribunal de Contas ou a CAGE ficassem descontentes com a falta de alguma documentação? Em que contribuiu o carregador ou o zelador para a já antiga desarmonia institucional entre a Fundação TSP (Estado) e a AATSP?
Podem nos chamar de ingênuos. Podem dizer que carecemos entender a complexidade do funcionamento da máquina pública, mas ninguém se torna um artista sem enxergar o ser humano em primeiro plano. Disso entendemos. O que não podemos entender é como o Estado do Rio Grande do Sul e o Theatro São Pedro podem prescindir do valoroso trabalho desta equipe, trabalho do qual SOMOS TESTEMUNHA ao longo de décadas e, justamente por isso, cá estamos a cavar esta trincheira em nome de colegas e amigos da mais alta estirpe. Também não podemos entender o nível de escravidão que padecemos ante nossa própria burocracia a ponto de jogar mais de trinta famílias no desemprego e na incerteza sem que tenham cometido qualquer falta perante suas obrigações.
Vivemos dias de um tempo onde a vontade política momentânea proporciona, à luz do dia, verdadeira dança das cadeiras de cargos altíssimos na velocidade de uma “canetada”. Parece-nos, no entanto, claro e cristalino que a agilidade, precisão e poder de concretização destas decisões são forças que pesam apenas para o lado dos altos escalões, mas essa mesma força se esgota conforme desce em hierarquia, mostrando-se incapaz de intervir em favor do LADO JUSTO desta situação. A classe artística e a sociedade exigem uma resposta porque vidas estão em jogo, e vidas importam.
Neste sentido, que fique claro que qualquer outra resposta que não seja a IMEDIATA RESTAURAÇÃO DO TODOS ESTES POSTOS DE TRABALHO não será entendida e, mais importante, NÃO SERÁ ESQUECIDA, cabendo aos responsáveis por esta situação, que culmina neste cruel desfecho, o ônus da explicação e da solução.
Permanecendo o absurdo, só poderemos constatar que do português falado nesses corredores, palavras como povo, empatia, justiça e ser humano, tornaram-se outra coisa qualquer que não guarda mais seu significado real. Estamos de nossas casas mobilizados contra a ameaça do Corona Vírus e, de nossas mentes e corações, mobilizados contra a INJUSTIÇA e a DESUMANIDADE. Diante desses fatos, a classe artística NÃO VAI CALAR A BOCA.
PORTO ALEGRE, 07 de Maio de 2020.
Edição: Sul 21