Através de julgamento virtual, a 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) manteve nesta quarta-feira (06) a sentença contra o presidente Luís Inácio Lula da Silva, proferida em novembro do ano passado. Nela, Lula é condenado a 17 anos e um mês de prisão em regime fechado.
Curiosamente, o próprio release do TRF4 omitiu os nomes dos três desembargadores responsáveis pela sentença. João Pedro Gebran Neto, Carlos Thompson Flores e Leandro Paulsen negaram o recurso da defesa por unanimidade, confirmando a pesada pena imposta ao ex-presidente. Como tem 74 anos, Lula, se cumprida integralmente a punição, somente deixaria a prisão aos 91 anos.
Lula fora condenado em primeira instância, acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, em fevereiro de 2019, na 13ª Vara Federal em Curitiba. Supostamente teria recebido R$ 1 milhão em propinas via reformas realizadas em sítio de Atibaia, no interior de São Paulo, propriedade em nome de Fernando Bittar, filho do amigo de Lula e ex-prefeito de Campinas, Jacó Bittar. O recurso da defesa junto ao TRF4 pretendia reverter alguns aspectos da sentença.
“Mais uma desonra para o Judiciário”
O ex-presidente foi preso em abril de 2018, após a condenação em segunda instância do “Caso Tríplex”, e solto em novembro do ano passado, após o Supremo Tribunal Federal (STF) rever seu entendimento sobre a execução de pena antes do trânsito em julgado (quando o caso não permite mais recursos). Por isso, ele está respondendo aos dois processos em liberdade.
“Mais um julgamento de encomenda, mais uma desonra para o Judiciário brasileiro”, criticou o presidente da Associação de Juristas pela Democracia (AJURD), Mário Madureira. “Infelizmente, parte expressiva do Judiciário se transformou em serviçal das classes dominantes que não toleram projetos de transformação social, de redução da distância entre o topo e as maiorias excluídas”, afirmou.
STF é “muito responsável”
Para Madureira, estes setores “tratam de achincalhar, humilhar, condenar quem ouse colocar-se do lado da cidadania desde sempre interditada”. E previu: “Haverá recurso e o Brasil continuará clamando por um julgamento com imparcialidade”.
No seu entendimento, o STF é “muito responsável” pelo quadro atual, “por haver tolerado dezenas de ilegalidades nos processos contra Lula e ao não julgar, desde há muito, recurso que lá adormece no qual se pleiteia a nulidade dos julgamentos por suspeição do ex-juiz (Sérgio) Moro”.
Defesa de Lula divulga nota dizendo esperar os votos para se pronunciar
Uma hora após a divulgação pelo TRF4 do julgamento do recurso da defesa do ex-presidente Lula o escritório divulgou a seguinte nota oficial:
Nota da Defesa do ex-Presidente Lula
Em relação ao julgamento virtual finalizado hoje (06/05/2020) pela 8ª. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª. Região (“embargos de declaração” - Autos nº 5021365-32.2017.4.04.7000/PR), reforçamos o caráter injusto e arbitrário da decisão que manteve a condenação do ex-presidente Lula, originariamente imposta por sentença proferida por “aproveitamento” de outra sentença proferida pelo ex-juiz Sergio Moro – que também foi o responsável pela instrução do processo com a parcialidade que sempre norteou sua atuação em relação a Lula, como sempre demonstramos e como foi reforçado pelo escândalo da Vaza Jato. Esclarecemos ainda que:
1 – É sintomático que o TRF4, após ter julgado o recurso anterior (apelação) com transmissão ao vivo e grande espetáculo, tenha realizado esse novo julgamento, contraditoriamente, pelo meio virtual, que sequer permite aos advogados de defesa participem do ato e, se o caso, possam fazer as intervenções previstas em lei (Estatuto do Advogado) para esclarecimento de fatos ou para formulação de questões de ordem. Essa situação, por si só, configura violação à garantia constitucional da ampla defesa e violação às prerrogativas dos advogados.
2 – Com a rejeição do recurso, diversas omissões, contradições e obscuridades apontadas em recurso de 318 laudas e que dizem respeito a aspectos essenciais do processo e do mérito do caso deixaram de ser sanadas — inclusive o fato de Lula ter sido condenado nessa ação com base na afirmação de que “seria o principal articulador e avalista de um esquema de corrupção que assolou a Petrobras”, em manifesta contradição com sentença definitiva que foi proferida pela 12ª. Vara Federal de Brasília, que absolveu o ex-presidente dessa condenação com a concordância do Ministério Público Federal (Ação Criminal nº 1026137-89.2018.5.01.3400 – caso conhecido como “Quadrilhão”). Nesta decisão proferida pela Justiça Federal de Brasília, o juiz federal prolator, Dr. Marcos Vinicius Reis Bastos, fez consignar com precisão e de forma inconciliável com as decisões proferidas no processo em referência, que “a utilização distorcida da responsabilização penal, como no caso dos autos de imputação de organização criminosa sem os elementos do tipo objetivo e subjetivo, provoca efeitos nocivos à democracia, dentre elas a grave crise de credibilidade e de legitimação do poder político como um todo”.
3 – Mesmo com todo o cerceamento de defesa imposto ao longo da fase de instrução pelo então juiz Sergio Moro, conseguimos comprovar, por perícia, a partir da análise da suposta cópia dos sistemas da Odebrecht que estão na posse da Polícia Federal, que os R$ 700 mil que o MPF acusou Lula de ter recebido em suposta reforma no sítio de Atibaia, foram, em verdade, sacados em favor de um alto executivo da própria Odebrecht. A prova, no entanto, foi simplesmente desprezada pela sentença e também pelo TRF4. O que foi levado em consideração foram apenas depoimentos de delatores que foram beneficiados para acusar Lula — inclusive o de Marcelo Odebrecht, que em depoimento posterior, prestado em ação penal que tramita perante a Justiça Federal de Brasília, reconheceu que “é tremendamente injusto fazer uma condenação de Lula sem que esclareça as contradições dos depoimentos de meu pai e Palocci”.
4 – Assim que os votos proferidos no julgamento virtual forem disponibilizados na plataforma do TRF4 definiremos o recurso que será interposto para reverter essa absurda condenação.
Cristiano Zanin Martins
Edição: Katia Marko