A cientista política e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) Céli Pinto afirmou que enquanto a burguesia se manteve nos padrões que sempre existiu, acumulando riquezas e priorizando o lucro, neste século os trabalhadores perderam todos os direitos e tiveram o trabalho precarizado como nunca na história. Para ela este é um dos grandes problemas da atualidade.
No caso brasileiro, segundo ela, a situação ainda é pior, pois somente os servidores públicos mantiveram algum direito e vem sustentando o Estado. Já as pessoas que deveriam estar governando estão vendendo todos os ativos e toda a riqueza para investidores de fora. “O grande problema do capitalismo é que os detentores do capital se mantiveram muito constantes. A burguesia, no que pese as suas transformações ao longo de dois séculos, ainda pode ser identificada nos textos do Marx. Te põe a ler os textos do Marx e tu identificas a burguesia. A burguesia de hoje, mesmo que ela seja internacionalizada, mesmo que não exista mais essa burguesia nacional, mesmo que ela seja financeira, a preocupação dela, sua razão de existir é a acumulação de capital e o lucro. É o princípio do capitalismo.”
Porém, segundo Céli, se olhar para o lado do proletariado, aquele que o Marx descrevia lá no século XIX, a gente não encontra mais. Ou seja, o capitalismo ao longo da história transformou completamente o proletariado. E essa é uma das questões complicadas que hoje nós temos que enfrentar. “Pois nós temos uma burguesia que trabalha constantemente para reproduzir o capital desde o século XVIII, século XIX, século XX, século XXI; e temos um proletariado que se transformou numa classe popular extremamente heterogênea, que foi expulsa em grande medida das indústrias, tanto no Sul Global, como no Norte.”
A professora explica que nós temos uma classe popular. Uma grande camada de população pobre, não proletária e precariamente trabalhando. “E isso vem de antes do vírus, antes até mesmo do governo Bolsonaro no Brasil. Nos últimos 20 anos tivemos uma transformação do trabalho no mundo. E esta transformação se dá contra, ao contrário do que ocorreu no século XX, que foi uma transformação a favor das classes populares.”
“Quem sustenta o mínimo do Estado, são os servidores públicos”
Conforme Céli, esta pandemia encontra o capitalismo em um momento de grande desigualdade social, não só no Brasil, mas no mundo inteiro. Com um aumento da pobreza e um emprego extremamente precarizado. “Nestas condições, sem governo como nós estamos no Brasil, quem sustenta o mínimo do Estado, são os servidores públicos. Esta é uma questão muito irônica, porque o governo Bolsonaro bate sem parar nos servidores públicos e este país ainda não parou única e exclusivamente devido ao fato dos servidores públicos existirem, porque o governo não existe mais.”
Para ela, isso é fantástico, principalmente neste momento “em que o servidor público é tão combatido por essa coisa disforme que está em Brasília e que eu me nego chamar de governo, e mesmo de desgoverno, não existe mais governo no Brasil. Existe o Estado que é o conjunto dos servidores públicos. Então parece que é o único setor do trabalho que conseguiu se manter”.
O país é como um barco à deriva
Céli acrescentou que “o ministro da Saúde teve a capacidade de dizer um dia destes que o importante não eram os dados, mas as interpretações de dados. O que é divertido porque qualquer introdução ao trabalho científico sabe que só pode interpretar dados se tu tiveres os dados”. Para a cientista política o que se tem neste momento de pandemia é uma tragédia em relação as pessoas de baixa renda, as classes populares, porque o trabalho está completamente precarizado, uberizado no mundo, e no Brasil pior ainda porque é o segundo país mais desigual do mundo. Parece que só o Haiti é mais desigual que o Brasil. E ao mesmo tempo é um país extremamente rico. É uma das 20 maiores economias do planeta.
“Então a situação atualmente é realmente calamitosa. E vai ficar cada vez pior. Não existe projeto nenhum no governo. Não existe um núcleo pensante nestas pessoas que estão em Brasília. É uma coisa assustadora. Se tu pegares o regime militar, com todos os inúmeros defeitos, uma ditadura horrorosa, tinha um grupo que pensava. Economia, Justiça, Educação. Atualmente ninguém pensa e isso é muito assustador.”
Na sua análise, o país é como um barco à deriva e só não está mais à deriva porque tem um corpo de funcionários públicos profissionais em alguns setores de altíssimo nível e que estão segurando o país. “São estes que Bolsonaro e o Paulo Guedes odeiam tanto. Se precarizou o trabalho todo. Se tirou todo e qualquer direito dos trabalhadores. Eles perderam a carteira de trabalho e foram dirigir aplicativos ou fazer tele entrega. Uma quantidade imensa de gente pedindo dinheiro na rua. Não existe nenhuma garantia de trabalho. O trabalho é completamente precarizado”, concluiu.
Edição: Katia Marko