“Perdi quase 400 reais do meu salário. Estou em choque”, o relato é de Silvia O., professora de uma escola da rede pública estadual de Guaíba, cidade da região metropolitana de Porto Alegre. Ela acessou seu contracheque no portal de Recursos Humanos do Estado na manhã dessa terça (28) e constatou que seu adicional de Difícil Acesso passou de R$ 540 para R$ 189.
Em meio a uma crise sem precedentes, ciente da impossibilidade de mobilização, sem diálogo e sem apresentar qualquer contrapartida para repor as perdas acumuladas da categoria, o governador Eduardo Leite (PSDB) reduziu os proventos de cerca de 70% dos trabalhadores(as) em educação. É o que aponta um levantamento realizado pelo Centro de Professores do Estado do Rio Grande do Sul (CPERS Sindicato) junto à base para mapear as mudanças no adicional de Difícil Acesso, totalizando mais de 6 mil respostas e 60% das escolas estaduais.
O Dieese analisou os dados e concluiu que apenas 1/4 dos educadores(as) deve observar algum ganho com as mudanças implementadas de forma atropelada nas últimas semanas para consolidar a transição para o novo adicional, chamado de Local de Exercício. São perdas que podem chegar a R$ 1.260,20 por 40 horas de trabalho. Não se trata de uma redução passageira, mas permanente.
Poupança nos ombros de quem tem menos
Os dados indicam, ainda, que a poupança realizada pelo governo sobre os educadores e educadoras deve ultrapassar a casa dos milhões ao mês, consumindo uma parcela significativa dos gastos totais com o adicional, hoje de cerca de R$ 12 milhões. Para fins de comparação, o prêmio produtividade pago a servidores e servidoras aposentados da secretaria da Fazenda custa R$ 19 milhões ao mês.
As perdas individuais podem chegar a R$ 1.260,00, valor máximo do adicional. O questionário revela que a redução média – considerados apenas aqueles que observam perdas – será de aproximadamente 70% do benefício.
O adicional, que pode até dobrar o salário básico, é considerado um item essencial para uma categoria que já acumula 52 meses de atrasos salariais e tem os proventos congelados desde 2014, afirma o CPERS. A regulamentação dos parâmetros e valores estava prevista desde a aprovação do novo Plano de Carreira do Magistério, mas a sua imposição em meio à quarentena, da noite para o dia, e com critérios questionáveis, chocou os educadores e educadoras, manifesta o Sindicato.
A medida deve agravar o déficit de recursos humanos. Antes da pandemia, o CPERS já apontava a falta de pelo menos 1,4 mil profissionais em mais de 400 escolas. “Quem vai aceitar pagar para trabalhar? Pois é isso que vai acontecer em muitas escolas. Poucos vão conseguir organizar seu quadro de pessoal”, avalia a presidente Helenir Aguiar Schürer.
No dia 17, Helenir conduziu uma coletiva de imprensa para denunciar a redução salarial, disponível online. A critica se estende a critérios que não contemplam a realidade das escolas, como a falta de um grau de periculosidade para escolas em regiões violentas.
O CPERS considera a mudança em meio à pandemia uma manobra desumana e traiçoeira. O Sindicato ainda estuda alternativas legais para barrar o retrocesso e exige a revogação dos novos enquadramentos, respeito à representação sindical e a revisão dos critérios com a participação da categoria.
Para CPERS, governo mente
O levantamento foi elaborado pelo CPERS para coletar informações e oferecer à categoria uma forma de calcular o seu adicional, já que o Estado se limitou a publicar os novos graus por escola em portaria, sem discriminar os valores.
O CPERS considera estarrecedor que o governo se veja no direito de executar cortes de tamanha magnitude sem sequer oferecer uma estimativa de impacto financeiro. Embora o secretário da Educação, Faisal Karam, tenha declarado em audiência pública na última semana que cerca de 2 mil escolas receberiam o adicional, o Diário Oficial desmente a versão.
Trata-se de um arredondamento generoso. Em realidade, o número de escolas “beneficiadas” será de 1.606. Um exagero de 25%. Em 2015, de acordo com diagnóstico do Tribunal de Contas do Estado (TCE), o número de escolas enquadradas em algum grau do adicional era de 1.579. É um aumento modesto, de 1,7%. Por outro lado, apenas quatro escolas de toda a rede terão direito ao valor máximo do benefício, de R$ 1.260,20.
Em 2015, 279 (10,8%) escolas atingiam o grau máximo do Difícil Acesso. Agora, a proporção é de 0,17%, considerando o turno da tarde. No turno da manhã, serão apenas três escolas (0,13%). A redução equivale a 99%. O achatamento é brutal em todos os níveis. Antes, 28,3% das escolas com algum enquadramento recebiam R$ 256, o menor valor possível até a nova legislação. Agora, mais de metade das escolas enquadradas (53,9%) receberá R$ 256 ou menos. Ainda considerando as escolas com algum enquadramento, 20% receberão o menor valor, de R$ 63.
Outros dados
Escolas com direito a 60% (R$ 756) ou mais
2015: 31,8%
Agora: 4,06%
Escolas com direito a 80% (R$ 1008) ou mais
2015: 18%
Agora: 1,09%
Escolas com direito a 20% (R$ 252) ou mais
2015: 61,30%
Agora: 36,59%
Edição: Marcelo Ferreira